A complexidade nos sistemas econômicos e empresariais
Apesar
de a geometria fractal ter tido o seu início com dados de origem econômica, só
muito depois é que as ciências econômicas e empresariais começaram a importar
conceitos e idéias das novas formas de encarar a complexidade. Mas basta
verificar que a maior parte dos sistemas econômicos são dinâmicos – ao
evoluírem no tempo, dependendo o seu estado futuro do seu comportamento passado
– e não-lineares – imprevisíveis e turbulentos –, para que pareça inevitável
considerar a relevância de características como a dependência sensível das
condições iniciais ou a auto-semelhança.
Caos econômico
Mas
como identificar evoluções caóticas na economia? Em que é que isso nos pode
ajudar a compreender a realidade econômica? David Ruelle, um dos pioneiros do
Caos, estabeleceu uma analogia extremamente interessante entre um sistema
econômico e um sistema físico-dissipativo. Como sistema físico, podemos
escolher uma camada de líquido viscoso aquecido atuando como força exterior ao
aquecimento aplicado. No sistema econômico, como força exterior, podemos
considerar o desenvolvimento tecnológico.
Para
temperaturas baixas e pequeno desenvolvimento tecnológico, ambos os sistemas
atingem um equilíbrio estável. Com um pouco mais de energia, começam a
apresentar oscilações periódicas. Na realidade, foram efetivamente observados
ciclos econômicos aproximadamente periódicos. A níveis mais elevados de
desenvolvimento tecnológico, pode haver a sobreposição de duas ou três
periodicidades diferentes – tal como se pode observar em qualquer manual de
História Econômica. Por fim, a níveis suficientemente elevados de temperatura e
desenvolvimento tecnológico, os sistemas tornam-se turbulentos, e entram na
região do Caos. O sistema econômico torna-se imprevisível, com variações
irregulares e uma dependência sensível das condições iniciais. Parece razoável
afirmar que vivemos hoje neste tipo de economia.
Apesar
da forma convincente com que é possível traçar este paralelo, a aplicação
prática do Caos à Economia esbarra no fato de esta evolução se processar em um
fundo de crescimento geral, de ser suscetível a fortes choques externos e de
não haver séries temporais suficientemente longas. Isso não impede, porém, que
o contributo conceitual do Caos para as ciências econômicas e empresariais seja
importante e que a visão da realidade e os conceitos que lhe estão associados
sejam devidamente tidos em conta e aplicados nessas ciências.
Quanto
a esta matéria, é interessante recordar que, em setembro de 1987, se reuniram, em Santa Fé, nos Estados
Unidos, físicos e economistas para avaliar as potencialidades da dinâmica
não-linear para a economia. Acabaram por ser apresentados vários trabalhos,
explorando as possibilidades mais promissoras.
Por
exemplo, W. Brian Arthur, da Universidade de Stanford, apresentou uma
comunicação sobre mecanismos de auto-reforço – feedback – em Economia. Um bom
exemplo desse tipo de mecanismo é a forma como o mercado de equipamentos de
vídeo evoluiu no sentido de um monopólio do sistema VHS, face ao moribundo Betamax
– apesar de este último ser tecnicamente preferível. O mercado do vídeo
doméstico corresponde nitidamente a um sistema de feedback.
Quanto mais
equipamentos de um sistema forem vendidos, mais filmes estarão disponíveis para
esse sistema e maior preferência terão os consumidores por adquiri-lo, porque
têm um maior números de títulos disponíveis para ele. Sendo assim, qualquer
pequena vantagem pode ser ampliada até resultar no monopólio de um dos
sistemas. Tendo sido lançados ambos os sistemas sensivelmente ao mesmo tempo,
as quotas de mercado terão estado equilibradas até um determinado momento,
quando uma pequena vantagem do sistema VHS foi ampliada de tal forma que
resultou na situação atual de domínio do mercado.
Este
trabalho trata-se apenas de um exemplo, retirado das doze comunicações que
foram apresentadas e que resultaram em três grupos de trabalho e vários
projetos de investigação conjunta. Passados oito anos, a pesquisa neste domínio
está, naturalmente, em outro patamar e já existem modelos econômicos
não-lineares.
A empresa como sistema dinâmico não linear
A
abordagem sistêmica das organizações fornece-nos uma base conceptual para
entendermos as organizações. Estas são sistemas, compostas por subsistemas e
integradas no macro-sistema ambiental que as envolve. O seu comportamento é
dinâmico, simplesmente porque evolui no tempo. Temos assim a empresa como
sistema dinâmico. Resta saber se apresenta um comportamento que a possa
qualificar como sistema dinâmico não linear e, logo, como objeto das teorias da
complexidade que têm vindo a ser desenvolvidas.
Há
duas propriedades fundamentais a observar, a auto-semelhança e a dependência
sensível de pequenas causas, que resultam num comportamento imprevisível,
turbulento e longe do equilíbrio. A auto-semelhança, no campo dos negócios,
detecta-se pela observação de uma semelhança qualitativa de padrões de
acontecimentos, dentro de limites reconhecíveis. Sem que isto resulte na
possibilidade de previsão das respectivas conseqüências, significa apenas que
se podem encontrar semelhanças qualitativas, em diferentes escalas, entre
seqüências de eventos.
A
segunda característica é mais relevante para esta matéria. A dependência
sensível de pequenas causas resulta da existência de mecanismos de feedback,
que ampliam pequenas causas em ciclos viciosos ou virtuosos. Um erro
aparentemente insignificante pode conduzir ao colapso de uma organização
poderosa, tal como ao aproveitar uma oportunidade que parecia pouco auspiciosa
outra empresa pode ser conduzida a um sucesso exponencial.
A
Kodak, após a Segunda Guerra Mundial, negligenciou voluntariamente o
mercado japonês, por considerá-lo pouco importante. Isto abriu caminho para que
a Fuji conseguisse uma sólida quota de 70% do seu mercado interno e
partisse daí para desafiar seriamente a Kodak no resto do mundo,
obrigando esta a implementar reduções de custos de emergência e levando o valor
das suas ações a descer. Tratou-se claramente de uma situação na qual uma
pequena causa se ampliou, com conseqüências desastrosas – para a Kodak –
ao fim de algum tempo.
Outro
exemplo deste tipo de comportamentos é o caso da Netscape. A World
Wide Web foi desenvolvida entre 1989 e 1991 pelo cientista britânico
Timothy Berners-Lee, como uma parte da rede mundial Internet, na qual se
poderia acessar documentos em hipertexto, integrando texto e imagens e
possibilitando a ligação a outros documentos mediante a simples seleção –
geralmente com o mouse – de uma palavra sublinhada.
Foi a WWW que levou à crescente
popularidade da Internet e à sua recente globalização. Para 'navegar' na Web
é necessário um programa denominado browser, que lê os documento em
hipertexto e gere as complexas ligações com os servidores onde estes estão
disponíveis. A Netscape, de Marc Andreesson, criou precisamente um browser
espantoso, o Netscape Navigator, que revolucionou a maneira de ver a World
Wide Web e contribuiu para a sua expansão. Quanto mais utilizadores da Web
tivesse, mais clientes potenciais a Netscape tinha para o seu Navigator
e mais páginas surgiriam, aumentando o interesse do público e atraindo novos
utilizadores. Apanhada no meio deste ciclo virtuoso, a Netscape ganhou
em muito pouco tempo uma relevância e prosperidade notáveis, dominando um
mercado ao qual a própria Microsoft chegou atrasada.
Naturalmente,
existirão organizações que, devido à sua dimensão reduzida e a uma rara
estabilidade do contexto onde se inserem, não apresentarão comportamentos
complexos e longe do equilíbrio. Para estas, as conclusões deste contributo não
terão o mesmo interesse, mas as empresas nesta situação são cada vez em menor
número. A complexidade no comportamento de uma organização pode resultar de si
própria, pela sua dimensão ou pela forma como os seus subsistemas interagem em feedback,
mas pode também ser resultante da turbulência do ambiente de mercado onde esta
se insere e dos mecanismos que lhe estão subjacentes.
Entenda-se
então a empresa – com as restrições referidas acima – como um sistema dinâmico
não linear. Qual será a relevância prática desta concepção? Simplesmente
brutal. As decisões que tomamos dependem grandemente do quadro mental que
construímos para interpretar a realidade. Se alterarmos esse quadro mental,
estaremos também modificando a forma como tomamos decisões e, em última
análise, o nosso comportamento. É deste ponto de vista que o contributo das
teorias da complexidade pode ser extremamente importante para a Teoria da
Gestão. É óbvio que quem procure na estabilidade e equilíbrio o sucesso, terá
poucas probabilidades de o encontrar se este se encontrar longe do equilíbrio,
algures nas correntes do Caos. Adotando um modelo mental mais adequado à
realidade atual, estaremos necessariamente caminhando na direção certa.
Mas
este novo modelo que agora se propõe não faz sentir o seu impacto de igual
forma em todas as dimensões da organização. Quando se tratar de um processo de
mudança fechada a curto prazo, os métodos tradicionais de controlo continuam,
naturalmente, sendo aplicados. O principal reflexo vai-se fazer sentir,
naturalmente, nas situações de final aberto, de dimensão estratégica, que
determinam o futuro da organização. A Gestão Estratégica é, por isso, o
primeiro alvo de uma Gestão consciente da complexidade imprevisível.
Fonte
GRILO, Manuel. A complexidade nos sistemas econômicos e empresariais.
Disponível em: http://www.manuelgrilo.com/rui/complexidade/.
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