A Crise das Instituições, por Eduardo Ferrão
Fala-se muito em crise das instituições .
Na verdade, a crise é tópica e conceitual, na seara dos serviços públicos.
Todas as concepções político-ideológicas de estado , sejam liberais,
conservadoras, totalitárias ou até mesmo fundamentalistas, convergem no
sentido da busca do bem-estar coletivo, com maior ou menor expressão dos
chamados direitos fundamentais.
Como estado é uma noção política, fruto de abstrações
jurídico-filosóficas , sua atuação é dimensionada pelo desempenho dos
respectivos agentes. Não importa a natureza do cargo ou função, nem a
forma de investidura. Seja mandato eletivo, seja cargo, haja ou não
vitaliciedade.
Todos, absolutamente todos, existem para servir ao cidadão, que, aliás, os legitima na origem.
E é exatamente na falta de conscientização do principio ético-político que viceja a apontada crise.
Há uma brutal inversão axiológica de instrumentos e mecanismos estatais, por parte de seus operadores.
É o burocrata maltratando o usuário dos serviços públicos, expondo-o a
constrangimentos e humilhações no atendimento. Carimbos, senhas, filas,
repartições, setores, departamentos, diretores, supervisores, chefes,
subchefes, vice-chefes, crachás, ordens de serviço, despachos e outros
signos infernais, tudo em ambiente manifestamente hostil ao cidadão
maltratado.
Age o barnabé como se prestasse um favor, quando, na verdade, cumpre um dever.
É o profissional da saúde pública tratando os pacientes como animais
ou, na melhor das hipóteses, como um número a ser adicionado em sua
planilha de desempenho . Sem a menor preocupação com a eficácia do
tratamento , quando prescrito. Tudo sob o pretexto da baixa remuneração
e das más condições de trabalho.
É o policial, arbitrário e truculento, fazendo de delegacias, postos
ou viaturas verdadeiros circos de horrores para os cidadãos que demandam
por segurança .
É o magistrado, que vê no ato jurisdicional e nas liturgias pertinentes fatores de demonstração de poder e de afirmação social.
Atender pessoalmente ao jurisdicionado – seu verdadeiro patrão, na
concepção democrática de Estado - com educação e presteza, somente
quando o humor o permitir e nos raros espaços de uma agenda
congestionada por “outros compromissos” e por viagens
acadêmico-recreativas .
É o parlamentar fazendo do mandato uma alavanca de satisfação de
interesses pessoais ou de mera afirmação político-eleitoral perante
feudos , setores econômicos ou corporações.
É o ministro de estado, cercado de uma corja de companheiros ou
correligionários , direcionando as verbas mais expressivas para seu
reduto eleitoral, embora outras regiões do país estejam a demandar mais
urgência em seus pleitos naquele ministério.
São apenas alguns exemplos da derrocada moral de nosso serviço
público. Há exceções, é verdade. Raras, mas há. E, como toda exceção,
permanece sufocada pela generalidade da regra.
Lamentavelmente, numa dramática deturpação institucional, os agentes
públicos querem mesmo é ser autoridade. De preferência com veículo
oficial, estacionamento e elevador privativos; assessores, diversos,
para lhes servir de anteparo ao público ou para lhes compensar
deficiências, inapetências e inoperâncias. Mais um auxílio-moradia
perfeitamente cumulável com o “auxílio-habitação”, mais quintos, sextos,
sétimos e oitavos, neste “teto” repleto de chaminés. Sem falar no
indefectível passaporte diplomático, que lhes permite fugir de filas e
constrangimentos a que são submetidos os viajantes humanos e mortais.
Ou se esboça uma reação forte e imediata – tipo “pé na porta” e um
grito de “basta !” – a isso tudo, ou se assiste passivamente a agonia
de uma república de “pacatos cidadãos”. A quem, ainda não se sabe, se
chamar a atenção foi à toa, ou não.
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