Chico de Oliveira e o Ornitorrinco
Chico de Oliveira celebrizou-se, para mim, por ter escrito "Economia
brasileira: crítica à razão dualista". Uma obra prima que, por falar
nisto, é hora de reler. Mas, mais modernamente, ele tornou-se, penso,
ainda mais célebre com a imagem de ornitorrinco para a economia
brasileira. Não deixa de ser a incorporação da própria metáfora que
criticava: tem uma economia com pelo de mamífero e bico de ave botocuda.
Dualismo. Mais dualista ainda é o jornal Zero Hora: às vezes sério e
compenetrato e outras tantas frívolo e iracundo. Nas pp.4-5 do Caderno
Cultura de hoje, há uma entrevista sua (lá dele, Chico). O título da
matéria é uma citação lá de seu conteúdo:
"Quem comanda as coisas no Brasil é o mercado, não é o Estado"
Eu, dualisticamente, gostei e desgostei. Gostei por deixar claro que as
economias monetárias vivem em torno de mercados e mesmo suas falhas
tornam-se crescentemente mercadorias. Por exemplo, risco e seguro. Por
exemplo, bens públicos e provisão privada. E por aí vai. Desgostei
porque ele deixa fora de sua visão do comando o capitalismo de estado.
Isto significa deixar à deriva a visão da Economist sobre a qual postei aqui.
Claro que o capitalismo brasileiro não é bem capitalismo e nem
socialismo, da mesma forma que não o são o chinês e o indiano. Mas penso
serem estes últimos diferentes, por exemplo, do americano e mesmo do
francês e alemão (com todas as regulamentações dos dois últimos). Tem
socialismo nos Estados Unidos? Claro que tem, na linha que acima
tangencio, de bens públicos com provisão privada: ônibus e esgotos,
universidades e bombas.
Ponto para Chico: (o papel do Brasil na nova configuração da economia
global): (um papel secundário). Ponto contra: o que faz a China e a
Índia tão importantes é o tamanho relativo de suas populações. Claro que
apenas população não faz nada, pois -como sabemos- a Nigéria será o
terceiro país mais populoso do mundo em 2050 e não podemos esperar que
ela venha a tornar-se um participante mundial importante nesses anos.
Nem nos vindouros: população sem capital humano é pobre, como a
brasileira e, como tal, o Brasil.
Ponto para Chico: acrescenta aos Brics a África do Sul. Negativo:
descarta-a pelo mesmo motivo: tamanho populacional relativamente à China
e Índia. Por aqui ele tem alguns raciocínios que levam-me a pensar que
ele atribui excessiva importância para as economias de escala na
produção. Estas cada vez tornam-se menos importantes, face aos retornos
generalizados (produção, finanças, pesquisa tecnológica, propaganda).
Isto explicaria por que a Suíça seguirá oferecendo grande renda per
capita a seus habitantes, com tamanhos de território e população
diminutos.
Ponto para Chico: "[...] Vargas é o único estadista que o Brasil
produziu em seus 500 anos de existência." Ponto contra: não é o único e
talvez Lula seja até maior.
Ponto para Zero Hora: "O senhor escreveu sobre o Brasil, em 2003:
'Espera-se que não resolva se autoclonar, perpetuando o ornitorrinco.' O
que vai acontecer com esse bicho?"
Poto para Chico: "Vai seguir sendo ornitorrinco. Não há nenhuma
transformação radical na sociedade brasileira à vista. Até onde a vista
da ciência social, que às vezes é muoto limitada, alcança.[...] O Brasil
está acomodado num patamar de capitalismo, e ninguém está insatisfeito.
Ninguém reclama mais reforma agrária. [...] Nâo se reclama porque, na
sua mesa, a reforma agrária não está mais. [...] Porque o Brasil é o
segundo maior produtor mundial de grãos e o primeiro exportador mundial
de carnes. Então o capitalismo venceu no campo. Isso é o que nós, de
esquerda, temos dificuldade de reconhecer."
Ponto para mim: eu reconheço isto há muito tempo.
Ponto para Chico: ZH indagou: "O capitalismo fez uma revolução agrícila
sem fazer uma revolução agrária [no Brasil]?" Chico respondeu: "É, o que
é muito comum na história. Foram poucos os países que fizeram reforma
agráia, e onde houve reforma agrária sem uma força capitalista por trás
foi um fiasco. A Bolívia fez duas vezes [...]."
Ok. Eu não conheço o suficiente sobre esta questão da reforma agrária.
Dizem que foi ingrediente fundamental para os Estados Unidos, a Coréia e
Taiwan. Mas conheço sobre a falta de perspectiva para o Brasil: o nó
entre povo-que-não-sabe-votar e político-que-não-quer-que-aprenda. Mas
talvez a equação de Chico não seja falseada: deram-se bem porque houve
outras dezenas de condições de contorno bem atendidas. E já vai me
ocorrendo direto outro contr-exemplo: o caso do México. Uma encrenca dos
diabos.
DdAB
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