segunda-feira, 11 de junho de 2012

Chico de Oliveira e o Ornitorrinco

Chico de Oliveira celebrizou-se, para mim, por ter escrito "Economia brasileira: crítica à razão dualista". Uma obra prima que, por falar nisto, é hora de reler. Mas, mais modernamente, ele tornou-se, penso, ainda mais célebre com a imagem de ornitorrinco para a economia brasileira. Não deixa de ser a incorporação da própria metáfora que criticava: tem uma economia com pelo de mamífero e bico de ave botocuda. Dualismo. Mais dualista ainda é o jornal Zero Hora: às vezes sério e compenetrato e outras tantas frívolo e iracundo. Nas pp.4-5 do Caderno Cultura de hoje, há uma entrevista sua (lá dele, Chico). O título da matéria é uma citação lá de seu conteúdo:


"Quem comanda as coisas no Brasil é o mercado, não é o Estado"


Eu, dualisticamente, gostei e desgostei. Gostei por deixar claro que as economias monetárias vivem em torno de mercados e mesmo suas falhas tornam-se crescentemente mercadorias. Por exemplo, risco e seguro. Por exemplo, bens públicos e provisão privada. E por aí vai. Desgostei porque ele deixa fora de sua visão do comando o capitalismo de estado. Isto significa deixar à deriva a visão da Economist sobre a qual postei aqui. Claro que o capitalismo brasileiro não é bem capitalismo e nem socialismo, da mesma forma que não o são o chinês e o indiano. Mas penso serem estes últimos diferentes, por exemplo, do americano e mesmo do francês e alemão (com todas as regulamentações dos dois últimos). Tem socialismo nos Estados Unidos? Claro que tem, na linha que acima tangencio, de bens públicos com provisão privada: ônibus e esgotos, universidades e bombas.


Ponto para Chico: (o papel do Brasil na nova configuração da economia global): (um papel secundário). Ponto contra: o que faz a China e a Índia tão importantes é o tamanho relativo de suas populações. Claro que apenas população não faz nada, pois -como sabemos- a Nigéria será o terceiro país mais populoso do mundo em 2050 e não podemos esperar que ela venha a tornar-se um participante mundial importante nesses anos. Nem nos vindouros: população sem capital humano é pobre, como a brasileira e, como tal, o Brasil.


Ponto para Chico: acrescenta aos Brics a África do Sul. Negativo: descarta-a pelo mesmo motivo: tamanho populacional relativamente à China e Índia. Por aqui ele tem alguns raciocínios que levam-me a pensar que ele atribui excessiva importância para as economias de escala na produção. Estas cada vez tornam-se menos importantes, face aos retornos generalizados (produção, finanças, pesquisa tecnológica, propaganda). Isto explicaria por que a Suíça seguirá oferecendo grande renda per capita a seus habitantes, com tamanhos de território e população diminutos.


Ponto para Chico: "[...] Vargas é o único estadista que o Brasil produziu em seus 500 anos de existência." Ponto contra: não é o único e talvez Lula seja até maior.


Ponto para Zero Hora: "O senhor escreveu sobre o Brasil, em 2003: 'Espera-se que não resolva se autoclonar, perpetuando o ornitorrinco.' O que vai acontecer com esse bicho?"


Poto para Chico: "Vai seguir sendo ornitorrinco. Não há nenhuma transformação radical na sociedade brasileira à vista. Até onde a vista da ciência social, que às vezes é muoto limitada, alcança.[...] O Brasil está acomodado num patamar de capitalismo, e ninguém está insatisfeito. Ninguém reclama mais reforma agrária. [...] Nâo se reclama porque, na sua mesa, a reforma agrária não está mais. [...] Porque o Brasil é o segundo maior produtor mundial de grãos e o primeiro exportador mundial de carnes. Então o capitalismo venceu no campo. Isso é o que nós, de esquerda, temos dificuldade de reconhecer."


Ponto para mim: eu reconheço isto há muito tempo.


Ponto para Chico: ZH indagou: "O capitalismo fez uma revolução agrícila sem fazer uma revolução agrária [no Brasil]?" Chico respondeu: "É, o que é muito comum na história. Foram poucos os países que fizeram reforma agráia, e onde houve reforma agrária sem uma força capitalista por trás foi um fiasco. A Bolívia fez duas vezes [...]."


Ok. Eu não conheço o suficiente sobre esta questão da reforma agrária. Dizem que foi ingrediente fundamental para os Estados Unidos, a Coréia e Taiwan. Mas conheço sobre a falta de perspectiva para o Brasil: o nó entre povo-que-não-sabe-votar e político-que-não-quer-que-aprenda. Mas talvez a equação de Chico não seja falseada: deram-se bem porque houve outras dezenas de condições de contorno bem atendidas. E já vai me ocorrendo direto outro contr-exemplo: o caso do México. Uma encrenca dos diabos.


DdAB

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