Vivianne Amaral
Gostaria de refletir com todos vocês sobre um pensamento de Pitágoras “O limitado dá forma ao ilimitado.” “O limitado dá forma ao ilimitado” trata da questão dos limites necessários para que a vida como evento, como fenômeno, aconteça e continue acontecendo, numa auto-reprodução incessante de padrões geradores, criativos.
Segundo György Doczi, o poder dos limites é a força que está por trás da criação. Em seu livro “O poder dos limites”, Doczi analisa e demonstra matematicamente a existência de padrões organizacionais semelhantes e comuns na natureza, na arte, na arquitetura. Identifica como princípio comum em todos seus objetos de análise a seção áurea , equação que retrata a relação recíproca entre duas partes desiguais de um todo, onde a parte menor está para a maior assim como a parte maior está para o todo. A seção áurea trata das relações de opostos complementares por meio de proporções harmoniosas.
A harmonia, para Duczi, é uma relação dinérgica , na qual elementos diferentes e muitas vezes contrastantes complementam-se ao juntar-se. Aqui, a diferença não é vista como conflito, mas como oportunidade de complementaridade. “O poder do segmento áureo advém de sua capacidade de unir as diferentes partes ao todo de tal forma que cada uma continua mantendo sua identidade ao mesmo tempo em que se integra ao padrão maior de um só todo”.
O padrão das proporções harmoniosas é fruto da arte básica do compartilhar. Padrões atemporais do dar e receber se manifestam nos sistemas vivos e culturais. Nos sistemas vivos, partilhar não é apenas um arte ou processo básico, é uma condição de vida. O compartilhar e a dinergia são básicos na formação de padrões que unem diferentes e diferenças. As proporções são limitações compartilhadas. Como relações, elas nos ensinam a mágica do dar e receber.
Além de Duczi, outros cientistas como Capra, com o padrão de rede, e Humberto Maturana, com o conceito de autopoiese, demonstram a existência e a operação desses padrões organizacionais comuns, na natureza, nos seres humanos e na cultura. São padrões universais nos sistemas vivos porque gerados no biológico, no campo da experiência ecológica de invenção da vida. Reconhecemos os seres humanos como vivos e integrantes da teia da vida implica em aceitarmos os limites que a natureza impõe para sua permanente reprodução ecológica.
Segundo Luc Montagnier, biólogo que identificou o vírus causador da Aids, cada indivíduo não é uma criação, mas o resultado de estruturas biológicas que começaram a tomar forma a 3, 50 bilhões de anos atrás, quando as primeiras moléculas foram formadas. Ele explica que como organismos biológicos somos uma “superorganização”, baseada em células e cada célula é em si uma superorganização de moléculas. “Temos essa continuidade da mudança tanto quantitativa como qualitativa, já que cada nível da organização tem propriedades completamente novas e diferentes dos níveis anteriores. Esse conhecimento deveria dar forma ao nosso comportamento e nos encorajar a sermos conscientes das implicações éticas de nossas ações...Só existimos realmente como parte do tecido social.” Montaigne afirma ainda que “cada organismo biológico, no passado, chegou a um sistema próprio de regulamentação e nós ainda não”.
Assim, após bilhões de anos de desenvolvimento, nós, seres humanos, estamos enfrentando uma profunda crise que resulta da falta de aceitação ou entendimento dos limites individuais, coletivos, em todos os campos da atividade humana. Aprender, entender, aceitar a necessidade de regularmos nossa aspirações, nossas ambições, o consumo compulsório de tudo, é , nesse momento da história humana, uma questão de sobrevivência.
O que está colocado para nós, humanos, é a questão dos limites. Como todos os sistemas vivos devemos construir um sistema de auto-regulação que permita a continuidade de nossa espécie e não impeça a existência de outras. Como seres vivos precisamos aceitar as leis naturais que constituem as condições da vida enquanto fenômeno particular e no planeta Terra.
Educando para a sustentabilidade
Estamos acostumados a operar nossa
percepção e reflexão sobre o mundo de forma estática, compartimentada,
focando nossa atenção sobre entes independentes, desligados entre si, em
permanente competição e conflito. Imobilizamos um momento da teia da vida
e dissecamos a estrutura. Não vemos os fluxos permanentes, multidirecionais,
simultâneos que tecem a trama organizacional da vida. Não vemos os
padrões, as relações e contextos. Precisamos aprender a
perceber e representar o mundo como sistemas dinâmicos que se entrelaçam.
Como fazer isso?
Se concordarmos com as idéias desenvolvidas sobre as propriedades sistêmicas da vida e sobre sermos seres biológicos, parte da teia da vida, a organização curricular, os conteúdos e os métodos em qualquer nível da educação formal e informal devem estar inspirados no paradigma da sustentabilidade.
A educação passará então ter como um dos seus objetivos a compreensão dos princípios de organização dos ecossistemas e sua aplicação à vida social e econômica. Será isso redução do humano ao biológico ou integração nos fluxos vitais da teia da vida? Pela experiência do trabalho em rede com educadores ambientais percebo que quando conseguimos operar com o máximo de horizontalidade, aplicando com alguma radicalidade os princípios dos sistemas vivos, é que temos os melhores resultados coletivos e individuais. O modo de operar da rede é essencialmente emancipatório, empoderador e nesses momentos não ficamos restritos, reduzidos, mas ampliamos nossa capacidade humana.
Para que uma transformação dessa magnitude (uma educação a favor da vida) aconteça na educação, o primeiro passo é a formação de professores, administradores de escolas, assistentes sociais, funcionários públicos de todos os escalões, técnicos governamentais das áreas de educação e meio ambiente, para a mudança. É necessário que tenham acesso ao conhecimento dos novos conteúdos e métodos e que internalizem os novos valores e comportamentos. Sem isso não temos como começar, pois como ensinar o que não sabemos?
Assim, a educação para a sustentabilidade não pode começar com os alunos do ensino fundamental, do ensino médio, com nossas crianças e jovens. Ela tem que começar com os professores, com os dirigentes, com os administradores e funcionários das escolas e da educação pública e privada, com os professores e dirigentes das universidades.
Outra iniciativa, simultânea e não menos urgente, é a educação ecológica de empresários, dirigentes, líderes profissionais, políticos, líderes sociais, comunicadores, para que os setores que comandam a política, economia e a comunicação social possam entender e participar das mudanças necessárias, facilitando as transformações. Sem isso, a educação para a sustentabilidade não conseguirá sair da esfera marginal, experimental em que se encontra, e pouco poderemos contribuir para a construção de uma sociedade global sustentável.
Desafios locais
O Brasil é um país muito pobre e parece que cada vez mais pobre. Nos últimos dias, imagens de pessoas, mal vestidas, frágeis em sua carência total, algumas carregando trouxas de roupa , às vezes um colchão, alguma tralha de cozinha (é tão pouco o que têm), apareceram nos veículos de comunicação, em reportagens sobre as invasões de terras e prédios, em muitos lugares do país. Nas ruas das cidades, uma atividade permanente de mulheres, crianças, adultos remexendo lixeiras, catando alguma coisa para vender, pedindo nos cruzamentos de ruas, nas calçadas, estacionamentos. São imagens desoladas que mostram a imensa pobreza de nosso povo, de sua fragilidade, a indiferença histórica dos poderes.
Países como o nosso são reféns da economia globalizada, comandada pelos fluxos financeiros globais, o que dificulta o foco numa agenda local e a pobreza parece ser um desafio invencível. Mas todos nós que acreditamos no melhor do potencial humano e que queremos um futuro em que esse potencial se realize não podemos ficar aprisionados nessa circunstância histórica. Conforme Einstein “os significativos problemas que enfrentamos não podem ser resolvidos no mesmo nível de pensamento que utilizamos quando os criamos.” Por isso é fundamental um novo paradigma para podermos encontrar as soluções.
Como articular a dialética das complementaridades com as situações de conflitos sociais e políticos em que estamos imersos e que configuram e limitam nossa mentalidade? Aqui, a educação para a sustentabilidade terá que superar a herança do atraso, do abandono cultural, da pobreza, da exclusão, da subordinação. Acredito que essa será nossa contribuição, como brasileiros, para a nova educação e para o novo mundo que acreditamos ser possível.
Vivianne Amaral é facilitadora e secretaria executiva da
Rede Brasileira de Educação Ambiental. Gerente do projeto Tecendo Cidadania.
Educadora do Centro de Educação para a Sustentabilidade do Instituto Ecoar.
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