Novos municípios, velhas práticas
Por Fernando Dias
O peso do Estado na economia brasileira é
um tema recorrente tanto entre os pesquisadores quanto entre a
população em geral, mas esta discussão usualmente aborda a questão
unicamente do ponto de vista do volume de tributos versus a produção
(PIB). Outro lado deste mesmo tema, bem menos discutido, é o peso do
gasto público em termos da formação de renda.
É evidente que o
espelho da elevada carga tributária é o elevado gasto público, e ele
toma forma em uma respectivamente grande máquina pública e/ou em
vultosos programas de investimentos além, é claro, de uma maior
cobertura de programas sociais. A forma como se efetuam estes gastos irá
determinar se eles se constituirão em recursos permanentes ou
transitórios para as localidades em que se realizam. A depender da
capacidade do setor privado em gerar renda nestas localidades podemos
ter situações em que o setor público como um todo é o grande responsável
pela formação de renda no município e, consequentemente, é o centro
dinâmico da economia local.
Avaliar este peso, no entanto, é bem
mais difícil que estimar a carga tributária. A forma como o gasto
público se realiza nas localidades é diversa, indo desde gastos com
pessoal a gastos com outros fatores de produção e que implica em efeito
direto e indireto sobre a renda. Não há, diferente do que ocorre com o
pagamento de tributos, registro de informação que permita avaliar como
os recursos de origem pública entram na composição da renda municipal,
por exemplo. Há indicadores parciais (INSS, Bolsa Família, contas
municipais, etc.), mas agregar todos em uma base comparável exige um bom
número de hipóteses e estimativas.
Uma alternativa, contudo, é
utilizar os dados do Censo Demográfico. É uma alternativa que surge
apenas a cada 10 anos, infelizmente, mas neste ano ela está disponível.
Com base no Censo é possível avaliar a renda recebida pelas pessoas
enquanto fazem parte do setor público e/ou recebem recursos públicos na
forma de pensões, auxílios, aposentadorias e etc. Embora não inclua a
parcela indireta, a renda dos trabalhadores de empresas que trabalham
para alguma esfera do setor público, ainda se constitui em uma excelente
Proxy mesmo que subestimada.
Com base nestes dados estima-se
inicialmente o peso dos recursos de origem pública na renda municipal
segundo grandes Regiões. Os dados para o ano de 2010, apresentados
abaixo, evidenciam o que o senso comum sugere: no Nordeste a importância
do setor público é maior que nas demais regiões inclusive o Norte.
Os valores encontrados são bastante elevados e superam 30% da renda
total recebida pelas pessoas no Nordeste. Considerando que estamos
tratando apenas de renda recebida, e que o valor é ainda subestimado,
trata-se de um resultado espantoso pois é média da região como um todo.
Tomando-se então apenas o Nordeste e estimando a mesma estatística por
estados temos um quadro ainda mais sui generis, embora esperado.
Conforme indicam os resultados apresentados a seguir os estados mais ricos têm menor participação
enquanto os mais pobres apresentam maior participação dos recursos de
origem pública na formação da sua renda. O Piauí e a Paraíba, no limite
superior, beiram os 40% para este indicador enquanto Bahia e Pernambuco
são os únicos com menos de 30%.
Parece ruim, mas pode ficar ainda pior. Um ponto de interesse comum é
levantar até que ponto os novos municípios apresentam sustentabilidade
em suas economias para se tornarem autossustentáveis uma vez que se
tornem independentes. Este seria um elemento fundamental para viabilizar
o processo de separação, mas não são poucas as menções de que boa parte
dos novos municípios são criados por critérios meramente políticos e
não raro terminam ainda mais dependentes de recursos públicos. Os dados
estimados para o ano de 2010, infelizmente, apoiam esta colocação,
especialmente para o Nordeste.
Os resultados aqui apresentados são, conforme enfatizado acima,
estimativas simples e que subestimam a participação pública na formação
da renda. São, contudo, bastante consistentes para espelhar um ponto que
é muitas vezes levantado, mas difícil de ser avaliado sem dados:
existem municípios que dependem totalmente do setor público no Brasil.
Discutir esta questão em detalhes está, certamente, muito além do escopo
deste breve texto, mas a figura a seguir ilustra claramente a situação.
Nesta imagem a totalidade dos municípios dos Brasil é decomposta em
quatro grupos de mesmo tamanho de acordo com o percentual da renda
recebida pelas pessoas, e que é originária diretamente do setor público.
No grupo de maior intensidade esta participação fica entre 43% e 81%, e
como nos demais, ele contém 25% dos municípios brasileiros. Este grupo
espacialmente se assemelha ao Semi-Árido inclusas as áreas do Sudeste.
Neste grupo há pouco o que se discutir, o setor público é absoluto e a
sustentabilidade ainda é um sonho. Que sentido há em criar novos
municípios nestas áreas? Só as velhas práticas do clientelismo podem
responder a esta questão.
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