Andrielle Mendes - Repórter - Tribuna do Norte
Você sabe para onde vai o imposto que paga? Se a rua onde você mora não é pavimentada, se o lixo não é recolhido ao menos uma vez por semana, se não há creche no seu bairro, ou médicos no posto de saúde, está na hora de buscar a resposta.
É isso o que Nelson Machado, professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), recomenda aos brasileiros. "Cobrem". Os Estados e Municípios, diz ele, só começarão a gerir bem os recursos federais, garantindo serviços básicos e direitos constitucionais, quando começarem a ser cobrados.
"Se o governante sabe que terá de explicar a decisão, ele seguramente vai tomar uma decisão diferente, com um resultado também diferente. Sabendo que vai ser cobrado, o pessoal já corre antes para preparar tudo", justifica. De nada adiantará aos Estados e municípios receberem mais recursos do governo federal, se eles não souberem como usar, analisa Nelson Machado, que foi Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Previdência Social no governo Lula.
Ele proferiu palestra esta semana em Natal durante o 89º Fórum Nacional de Secretários de Estado da Administração, organizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Administração (Consad). Na ocasião, falou sobre a "nova contabilidade".
Magnus Nascimento
Nelson Machado, professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Os Municípios brasileiros estão em crise? Desde quando?
Esta pergunta é muito difícil de ser respondida, porque os Municípios brasileiros vem ao longo dos anos ampliando a sua participação na Receita Tributária disponível. Em 2002, a participação era de 18%, 19% da receita disponível, que é a receita arrecadada menos as transferências. Em 2011, a participação foi de 21%, 22%. Isso é fato. Agora a sensação que boa parte dos Municípios tem é de que perdeu recursos. Isso está associado a um fenômeno recente. O governo federal, a partir de 2010, com a crise econômica federal e a tentativa de combater o reflexo dela aqui no Brasil, começou a realizar uma série de desonerações tributárias e as desonerações tributárias são feitas nos impostos, que são regulatórios, que são o Imposto de Renda, o IOF, o IPI. O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) é partilhado com Estados e Municípios, então quando o governo faz essas desonerações - como a redução de IPI para linha branca e automóveis - com o objetivo de aumentar a demanda, - isso diminui a arrecadação. Mesmo que a economia cresça um pouco mais do que cresceria, há uma redução da arrecadação. É claro que se a crise se aprofundasse talvez a arrecadação fosse pior ainda, mas isso não dá para saber. O que os Municípios e as entidades vão levantar é: "olha, eu recebia determinado valor. Agora diminuiu". Fica a sensação de empobrecimento, quando na verdade foi o país inteiro que deixou de arrecadar para combater a crise. Mas acho que são questões pontuais. Acho que a questão de longo prazo é que os Municípios nos últimos dez anos aumentaram a sua participação na Receita Tributária disponível. Isso é fato.
A participação dos Municípios não aumentou porque a participação dos repasses federais diminuiu?
Não, eu pego sempre o 100%. Se eu recebia 100% e pegava 10%, e peguei 10%. Se a receita caiu para 90 e eu peguei 12, eu peguei mais que 10%, eu peguei 15%, então aumentou a minha participação.
Mesmo com o aumento da participação dos municípios na receita disponível, a queda da participação dos recursos federais não coloca Estados e municípios numa situação desconfortável?
Sem dúvida coloca, dependendo de como o prefeito trabalhou a gestão. Se ele estava olhando para a crise, se antecipou, tomou medidas para reduzir os seus gastos, ele vai ter menos problemas. Agora se ele não tomou nenhuma medida olhando o cenário, é diferente. Imaginar que a receita ia continuar subindo com a crise econômica mundial e a Europa desabando é o mesmo que acreditar em papai Noel. O gestor precisava ter feito isso. Além disso, tem uma questão que eu queria deixar claro. Eu acho que os Municípios, de uma forma geral, não utilizam sua capacidade arrecadadora. É muito comum o Município deixar de cobrar ISS, deixar de cobrar IPTU, porque é claro que cobrar imposto não dá voto. Mas é importante que o Município cobre o imposto. Não precisar tirar o couro do contribuinte, mas é importante que ele cobre até para o cidadão se interessar em acompanhar as contas do Município. Ele vai ter clareza. Vai dizer: "eu estou pagando o meu imposto e cadê o posto de saúde, cadê o recapeamento da minha rua, cadê a escola?". É importante que se cobre o tributo para que o cidadão cobre os serviços públicos, porque se não fica uma coisa de maluco. O prefeito não cobra o imposto, o cidadão não cobra o prefeito, e todos ficam olhando para o céu achando que vai cair dinheiro. Não vai cair dinheiro do céu. Eu acho fundamental que se melhore as relações federativas, mas que os Municípios cumpram sua função constitucional e cobrem os tributos de sua competência.
Quem cobra seus tributos está numa situação mais confortável, mesmo com a queda nos repasses federais?
Com toda certeza. Se ele tem uma arrecadação própria, depende menos da arrecadação que vem de fora. Transferência parece um dinheiro sem dono. Mas não. Às vezes o dinheiro que volta é o mesmo que saiu do Município, sem que o contribuinte perceba. O contribuinte não sabe nem o que pagou. Se ele paga IPTU, ele vai lá e briga. "Estou pagando IPTU e não tem coleta de lixo. Estou pagando taxa de limpeza e o lixo está se acumulando ali, que negócio é esse?".
Magnus Nascimento
Não precisar tirar o couro do contribuinte, mas é importante que ele cobre o imposto para o cidadão se interessar em acompanhar as contas do município - Nelson Machado
Em entrevista recente à TRIBUNA DO NORTE, Alcimar Almeida, advogado, economista e consultor de vários municípios potiguares, afirmou que a União era a madrasta má dos Municípios. Você discorda?
Eu não acho que seja o caso. Pelo contrário. A repartição de competências tributárias está na Constituição. A Constituição de 88 avançou reconhecendo os Municípios como entes federativos, o que deu um poder muito forte para os Municípios e definiu qual o modelo de arrecadação e distribuição. O presidente Lula aumentou a participação dos Municípios entre 2007 e 2008. O Fundo de Participação dos Municípios foi ampliado em 0,5%. Agora é claro que os Municípios tem que aumentar também a participação nos serviços públicos. É evidente que - agora eu não sou governo, não sou mais nada, posso falar a vontade - que os Municípios usam mal os recursos públicos. Tem município - não sei se aqui no RN tem isso - que gasta 2%, 3% só com a Câmara Municipal. O custo da burocracia é maior que qualquer outro custo. Faz sentido isso? Eu acho que a sociedade devia olhar para esta questão. Controle social é isso. Onde é que o Município está gastando o seu dinheiro? Esperar dinheiro cair do céu ou dizer que a União é madrasta, que o governo federal é padrasto, é muito fácil. Agora como é que uso o recurso que chega aqui? Alguém já foi lá conferir o que o prefeito fez com a transferência? Alguém foi conferir o que ele fez com o dinheiro que veio para a merenda? Será que as crianças estão bem alimentadas? É preciso acompanhar isso e no Município é mais fácil. Basta entrar no Portal da Transparência, por exemplo, e ver o que foi de recurso para cada Município.
A União, apesar da queda nos repasses federais, conseguiu assegurar, no ano passado, 40% da Receita total do Rio Grande do Norte. Para muitos, o percentual, considerado alto, mostra que as finanças do Estado "estão nas mãos' do governo federal. Para outros é o contrário. E para o senhor? O percentual seria alto?
Todo número tem que ser comparado com um outro. Um número dissociado não diz muita coisa. Veja, o modelo de transferência no Brasil que é o Fundo de Participação dos Estados é um modelo que foi criado lá atrás, em 88, que de alguma maneira privilegiou os estados do Norte e Nordeste e os de menor renda. Se acham que 40% de participação da União na Receita total do estado era muito, deem uma olhada no estado do Amapá, no estado de Roraima, ou Rondônia. Eu não tenho ideia de qual seja, mas garanto que é mais de 40%. Não é que o valor transferido seja grande. É que a receita própria é muito pequena, porque tem uma população pequena, um aparelho produtivo incipiente, não tem uma produção econômica que gere arrecadação, então ele vive fundamentalmente dessas transferências. Isso não é mau. Faz parte do modelo brasileiro. A Constituição busca reduzir as desigualdades regionais, porque se cada um ficasse com o que arrecadou, São Paulo ficava com tudo. São Paulo fica lá reclamando, inclusive: "aqui arrecado 80% e não fico com nada desse dinheiro". Bom, mas está na Constituição. Foi definido isso, que o objetivo do sistema tributário é reduzir as desigualdades regionais. Neste sentido, você tem uma transferência de recursos federais maior para o Norte e Nordeste. Este modelo está em disputa agora. Vai ter que ser mudado um pouquinho, porque tem uma forte concentração na Bahia e no Maranhão. Talvez esses estados não consigam manter a participação. Mas acredito que para os outros estados não deva mudar muito. Talvez afete um pouco. Isso mostra a necessidade do governante olhar para a receita própria.
Além de cobrar os tributos que lhe cabem, o que Estados e municípios podem fazer para aumentar a arrecadação própria, na sua opinião? Estimular a economia?
Exatamente. Quando a economia cresce, o tributo é cobrado sobre a transação, ou sobre a renda das pessoas, ou sobre o lucro das empresas, sobre a circulação de mercadorias, a produção de bens. Então, quando você consegue estimular a economia, vai obviamente ter uma maior arrecadação. Mas isso ocorre no longo prazo. Tem que ser devagar. Não dá para o governo federal cortar ou reduzir bruscamente os repasses federais do dia para a noite. Se houver uma redução forte no Fundo de Participação dos Estados como se espera para a Bahia e para o Maranhão, eles vão ficar sem pagar as contas, porque estão acostumados com aquele padrão. É igual ao cidadão que está acostumado com aquele salário. Se cai o salário, ele vai passar por dificuldades.
"É preciso fazer a reforma tributária"
Magnus Nascimento
Imaginar que a receita ia continuar subindo com a crise econômica mundial e a Europa desabando é o mesmo que acreditar em papai Noel - Nelson Machado
Como Estado e Município podem estimular a economia? Investindo em obras públicas?
Gosto quando a governadora Rosalba Ciarlini fala do potencial econômico do estado, da questão do turismo, da mineração, da fruticultura irrigada. Eu acho que cada região, cada estado, tem que buscar as potencialidades que tem. Não adianta dizer: "ah, mas seria muito bom se tivéssemos uma fábrica de veículos". Não tem fábrica de veículos para colocar em tudo que é lugar. Já houve uma descentralização. Já foi fábrica para o Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Pernambuco. Não cabe mais fábrica de carros no país. Já não tem onde pôr carro. Agora eu acho que faz todo sentido identificar as potencialidades e apostar onde se tem vantagem competitiva. Acho que cada estado tinha que analisar o seu potencial, discutir isso com a sociedade, criar um conselho econômico com os empresários, trabalhadores, com a imprensa para cobrá-los. Aí sim você consegue estimular o crescimento, de maneira sustentável.
Municípios e Estados clamam por mais repasses federais. Mas a tendência é que, com a política forte de desonerações e redução de impostos adotada pelo governo federal, os repasses federais continuem caindo?
Penso o seguinte: apesar da desoneração que o governo está fazendo, no volume total a arrecadação não vai cair muito. A desoneração não é simplesmente para alegria dos empresários ou de quem quer que seja. A questão é desonerar para que a economia cresça. Se eu vendia 10 automóveis, com a crise vendo seis, mas com a desoneração vendo nove ou os 10, a arrecadação não cai tanto. Então a desoneração não necessariamente reduz fortemente a arrecadação, porque ajuda a manter a economia funcionando. A minha avaliação é que haverá uma redução, mas com a economia crescendo - e a expectativa é que cresça entre 3,5% e 4% - a expectativa é que não venha cair tanto. Agora de qualquer maneira, independentemente dos repasses federais caírem ou não, penso que os estados e municípios deveriam olhar com clareza para duas questões: a arrecadação e as suas despesas. Se ele está usando bem os recursos federais, se está usando no que é fundamental, se não está usando nos custos burocráticos e supérfluos, nas viagens da primeira dama. Se ele está cobrando os impostos do seu munícipe, para que o munícipe cobre dele uma boa gestão. Isso para mim é o lema.
Vamos falar sobre um assunto tão polêmico quanto à distribuição dos recursos federais: a reforma tributária. O senhor acredita que ela sairá do papel? Há interesse, vontade política e consenso suficiente para isso?
Interesse e vontade política tem. Já consenso é um artigo mais escasso no mercado. Veja, o governo federal optou não por fazer uma grande reforma, mas fazer o que chamou de uma reforma fatiada, aos pouquinhos. O que tem sido feito é a desoneração da folha de pagamento, que é uma mudança importante, porque antes a arrecadação era só sobre a folha, agora é sobre o faturamento e um valor reduzido, então isso deixa de penalizar as empresas que empregam mão de obra de forma intensiva. Isso foi feito. Uma outra coisa muito importante na questão tributária é a guerra fiscal entre os estados, que são feitas ao arredio da lei, são feitas sem aprovação do Confaz, e com riscos jurídicos tanto para os estados quanto para as empresas. O Supremo Tribunal já julgou ilegal várias vezes e vai julgar outras mais, colocando em risco as empresas que se beneficiaram e o estado que concedeu. Isso mostra que é preciso fazer a reforma tributária. Então o governo federal mandou no final do ano passado o projeto de lei complementar, mexendo um pouco na unanimidade do Confaz, e mandou uma medida provisória dizendo que vai compensar as perdas com a arrecadação com o fim da guerra fiscal. Então essas duas medidas estão lá no Congresso Nacional e eu acho que tem chance de serem aprovadas. Mas é preciso um esforço dos estados para aprovarem isso. A União já afirmou que vai pagar até R$ 8 bilhões por ano devido a perda da arrecadação, um dinheiro considerável. Eu acredito que com o fim da guerra fiscal a arrecadação de ICMS não caia, ela suba, porque tem muita desoneração por baixo do pano, desoneração de gaveta. Quando essa arrecadação voltar a superfície, pode ser até que a arrecadação total de ICMS suba.
A reforma tributária seria uma decisão definitiva para o problema ou ainda não?
Não há uma solução definitiva para nada. Nada é definitivo. Acho sim que é um passo importante para melhorar nosso sistema tributário, reduzindo o impacto que ele tem na decisão empresarial. Quando o imposto induz a empresa a colocar a fábrica aqui e não ali, está introduzindo custos de logística adicionais. O importante é que o sistema tributário seja o mais neutro possível. O fim da guerra fiscal e incentivos claros para atrair empresas de porte para estados menos desenvolvidos é uma política boa, sadia, para reduzir as desigualdades regionais, e esse investimento tem que ser feito pela União, que tem o dever de reduzir essas desigualdades.
O que dizer da Lei de Responsabilidade Fiscal, usada muitas vezes pelos governantes como justificativa para um desempenho abaixo do esperado?
Aí não é a lei que é culpada, é o governante que não conseguiu fazer, com as amarras da lei. A Lei diz: "olha, você não pode pegar dinheiro corrente para gastar em investimento, ou pegar dinheiro de investimento para gastar em despesa corrente, não pode deixar de pagar as dívidas que você fez, não pode ficar fazendo antecipação de receita que era uma festa para os prefeitos, que tomavam empréstimos a juros altíssimos para fazer obras com fins eleitoreiros". A lei não atrapalha. Ela simplesmente não deixa o sujeito gastar mais do que arrecadou. Então se ele quer arrecadar e gastar mais, que cobre o imposto. Dinheiro não dá em árvore nem cai do céu.
Onde entraria a Nova Contabilidade neste contexto? Ela contribuirá para o aprimoramento da Gestão Pública?
A Nova Contabilidade fundamentalmente vai trazer mais e melhores informações para ajudar o gestor a tomar decisão. Informações sobre o custo dos serviços, custos das obras. Informações relevantes que o gestor tem que levar em conta para fazer uma melhor gestão. Esta para mim é a pedra de toque. Como ser eficiente. Como escolher bem as prioridades, porque quem tem 200 prioridades não tem nenhuma. É preciso escolher três, quatro prioridades. "Ah, mas não tem dinheiro para fazer todas as coisas. Então, não faz todas as coisas. Ah, mas não tem dinheiro para o carnaval. Está bem, não faz o carnaval. Ah, mas a escola de samba, tadinha, vai ficar sem dinheiro. Tudo bem, a escola de samba fica sem samba". Agora na Educação, na Saúde tem que fazer. Eu falei de carnaval, mas podia ter falado qualquer outra coisa. Não é que eu não goste de carnaval. Eu adoro carnaval, mas os gestores gastam muito dinheiro com isso e depois não tem dinheiro para construir o hospital. Tem que escolher. Tem que ter prioridade.
A Nova Contabilidade vai fazer com que os Estados e Municípios se tornem mais eficientes?
Não. Ela vai apenas propiciar mais informações, mas a eficiência da gestão ou não é do secretariado, do prefeito. Ele pode usar melhor as informações para tomar melhores decisões, mas se ele não quiser tomar decisões, ele também não vai tomar. Se quiser tomar a decisão ruim, vai tomar a decisão ruim. A Nova Contabilidade não faz milagre. Ela conta o que você fez.
O modelo de crescimento adotado pelo país para estimular o desenvolvimento, baseado em programas como o PAC, vem dando certo?
O PAC não é um programa só de obras. Ele é um programa de aceleração do crescimento. É um programa mais abrangente. Tem as obras, tem as desonerações, tem os incentivos às empresas. Mas o que fica mais evidente são as obras. De certa forma o governo federal ao definir o PAC como uma linha importante e fazer suas prestações de conta tem mostrado para a sociedade o que avançou, o que não avançou, o que precisa avançar, e inclusive criando condições de ser cobrado. O que é algo importante, porque nenhum governo gosta de ser cobrado. Agora ao prestar contas, você passa a ser cobrado. "Olha, aqui avançou 30%, mas devia ter avançado 40%, onde já se viu, andou pouco!". Cobrar é isso. Cobra. Se o governante sabe que terá de explicar a decisão, ele seguramente vai tomar uma decisão diferente, com um resultado também diferente. Sabendo que vai ser cobrado, o pessoal já corre antes para preparar tudo.
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