O dicionário da
política brasileira é farto em hipóteses. Uma delas diz respeito à
periodicidade das eleições: quanto maior a frequência de pleitos, maior a
conscientização do eleitor. Quer dizer, se todo ano houvesse eleição, o
brasileiro seria o mais habilitado do mundo a votar de maneira cívica. Essa é
uma das razões que a esfera política destaca para não votar o projeto que
contempla a unificação das eleições no País. A alternância de pleitos
municipais com pleitos estaduais e federais daria lugar a uma eleição geral a
cada quatro anos. A melhoria dos padrões políticos, frise-se, não deriva
do uso intensivo do sufrágio eleitoral, mas de educação para o exercício da
cidadania e, claro, de reformas que aperfeiçoem a vida partidária, o sistema de
voto e a própria modelagem de caríssimas campanhas. Basta ver que, a par de
custos diretos, para sustentar o aparato eleitoral, há um custo indireto, que
abarca o uso (e abuso) de máquinas administrativas, agenda dos servidores,
desvios de programas, ou seja, o Custo Brasil de uma cultura de desleixo,
acomodação e indisciplina.
Sob o desenho acima,
pode-se apontar os malefícios provocados pela antecipação do processo
eleitoral. Vamos ao caso: ao lançar a presidente Dilma à reeleição, no evento
de comemoração dos 10 anos do PT, o ex-presidente Luiz Inácio dispara o
primeiro tiro da guerra de 2014. Eventuais candidatos, como Aécio Neves (PSDB)
e Eduardo Campos (PSB), começam a formar seus arsenais, fazendo articulação e
atiçando o discurso. Lula, que respira política pelos poros, deve ter sólidos
argumentos para subir logo ao palanque, dentre eles a sinalização de que
rejeita pressão de grupos petistas com o apelo de "Volta,
Lula". Ademais, Eduardo Campos, governador de Pernambuco, só continuaria a
parceria com o PT caso Lula fosse o candidato. O fato é que, por parte do PT e
do PSDB, os pré-candidatos aprontam as baterias para a longa batalha,
enxergando-se, de um lado, o comandante petista iniciando um périplo pelo País,
e o tucano-mor Fernando Henrique abrindo o verbo em Belo Horizonte, onde
sugeriu que o tucano Aécio Neves incorpore em sua proposta "novo choque de
capitalismo".
Uma campanha tradicional costuma seguir
um roteiro de 6 fases: pré-lançamento do candidato no ano eleitoral(dois
meses/três meses antes da Convenção), lançamento (durante a Convenção,
maio/junho), crescimento (dois meses seguintes, julho/agosto), consolidação
(setembro), clímax (coincidindo com a semana da eleição), declínio (momento de
angústia que periga ocorrer antes do pleito). Se os atores começam a zoeira
antes dos prazos normais, desmantelando o calendário, os ciclos se deslocam,
gerando atropelos, esticando a luta e estourando os cofres partidários.
Imagine-se um time de candidatos começando o tiroteio com muita antecedência.
Tudo será levado de roldão pela pororoca eleitoral. As agendas serão
organizadas com o olho nas urnas; a articulação será balizada pela meta de
ampliar parcerias e tempos de programas eleitorais, sob uma teia de pressões e
contrapressões, agressividade discursiva, plantações de notas no jardim
midiático, fabricação de dossiês, emboscadas a torto e a direito. O meio
ambiente tornar-se-á mais tenso, enquanto as pautas congressuais se encherão de
polêmica, com acentuada perda da racionalidade política.
Os exércitos acionarão suas artilharias
de defesa e de combate, despejando números e estatísticas, ouvindo-se, de um
lado, loas a programas e projetos, e, de outro, a desconstrução dos mesmos. Em
meio à profusão verborrágica, a dispersão se instala, esgarçando o escopo de
prioridades, entortando a régua de um bom senso que, em tempos de normalidade,
costuma pautar estratégias e planos. Parcela ponderável das energias da Nação
se perde no torvelinho eleitoreiro. Lembre-se que a contenda desce da esfera
federal para os territórios estaduais e municipais. O grande debate, do qual se
poderia extrair soluções para tampar buracos nas frentes da economia e da
infraestrutura e nas redes sociais, acaba sendo inócuo. Fernando Henrique
propõe, por exemplo, que Aécio Neves adote um "novo choque de
capitalismo", contrapondo-se ao "desenvolvimentismo sob impulso
estatal" do PT. Sugere que o tucanato priorize a nova economia e a geração
de empregos qualificados para as "classes emergentes". Na mesma linha,
Marina Silva, que organiza a Rede Sustentabilidade, defende a mudança do modelo
de desenvolvimento, enfatizando que nem a presidente Dilma Rousseff nem o PSDB
"entendem a nova agenda que se coloca para o mundo".
Eis aí matéria prima para um saudável
embate, a começar pela indagação: o que seria essa nova economia? Não teria
sido esta a proposta de Mário Covas quando, em junho de 1989, propunha um
"choque de capitalismo"? Naquela época, o conceito implicava
capitalismo com responsabilidade fiscal e social, cortes de subsídios e incentivos,
mais eficiência e transparência, escudos para abrigar as áreas de saúde e
educação, e regulação das atividades econômicas com vistas à proteção dos
consumidores, da vida urbana e do meio ambiente. O PT alega ser exatamente esse
o ideário que implanta no País. O "novo" de FHC não quer significar
ajustes nos programas de concessão/privatização, consolidação das agências
regulatórias, controles mais apurados das metas de responsabilidade fiscal,
inflação e câmbio? O presidente da economia do Plano Real não se refere
ao aprofundamento de medidas microeconômicas, particularmente nos campos das
reformas previdenciária, tributária, trabalhista, mercado de capitais, sistema
educacional etc? Se a pauta for esta, o que se defende, na verdade, são propostas
de consolidação/aprofundamento, qualificação de serviços, flexibilização etc. O
tal "novo choque de capitalismo" seria apenas um adereço no tabuleiro
do marketing.
É pena que um debate de horizontes tão
promissores esteja condenado a fenecer diante da Torre de Babel que já se ergue
na arena de 2014.
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