domingo, 2 de junho de 2013

A avaliação no ciclo de Gestão Pública


O conceito de avaliação das ações governamentais, assim como o de planejamento, surge  com as transformações no papel do Estado especialmente devido ao esforço de reconstrução após a Segunda Guerra,  à adoção de políticas sociais e à conseqüente necessidade de analisar os custos e as vantagens de suas intervenções. Mais recentemente, no âmbito do grande processo de mudança das relações entre o Estado e a sociedade e da reforma da administração pública, que passa do primado dos processos para a priorização dos resultados, a avaliação assume a condição de instrumento estratégico em todo o ciclo da gestão pública (Kettl, 2000).

Segundo Guba & Lincoln (1990), a trajetória histórica dos processos de avaliação, passa de um primeiro estágio, centrado na medida dos fenômenos analisados, para a focalização das formas de atingir resultados, evoluindo para um julgamento das intervenções e, finalmente, tendendo a constituir “um processo de negociação entre os atores envolvidos na intervenção a ser avaliada” (Constandriopoulos, 1997).

O termo “avaliação” é amplamente usado em muitos e diversos contextos, sempre se referindo a julgamentos. Por exemplo, se vamos ao cinema ou ao teatro formamos uma opinião pessoal sobre o que vimos, considerando satisfatório ou não. Quando assistimos a um jogo de futebol, formamos opinião sobre as habilidades dos jogadores. E assim por diante. Estes são julgamentos informais que efetuamos cotidianamente sobre todos os aspectos das nossas vidas. Porém, há avaliações muito mais rigorosas e formais, envolvendo julgamentos detalhados e criteriosos, sobre a consecução de metas, por exemplo, em programas de  redução da exclusão social, melhoria da saúde dos idosos, prevenção da delinqüência juvenil ou diminuição  de infecções hospitalares. Essas correspondem à avaliação formal, que é o exame sistemático de certos objetos, baseado em procedimentos científicos de coleta e análise de informação sobre o conteúdo, estrutura, processo, resultados e/ou impactos de políticas, programas, projetos ou quaisquer intervenções planejadas na realidade (Rua, 2000).
 
As definições de avaliação são muitas, mas  um aspecto consensual é a sua característica de atribuição de valor. A decisão de aplicar recursos em uma ação pública sugere o reconhecimento do valor de seus objetivos pela sociedade, sendo assim, sua avaliação deve “verificar o cumprimento de objetivos e validar continuamente o valor social incorporado ao cumprimento desses objetivos” (Mokate, 2002).

A avaliação representa um potente instrumento de gestão, na medida em que pode – e deve - ser utilizada durante todo o ciclo da gestão,  subsidiando desde o planejamento e formulação de uma intervenção, o acompanhamento de sua implementação, os conseqüentes ajustes a serem adotados até as decisões sobre sua manutenção, aperfeiçoamento, mudança de rumo ou interrupção. Além disso, a avaliação pode contribuir para a viabilização de todas as atividades de controle interno, externo, por instituições públicas e pela sociedade, levando maior transparência e accountability às ações de governo. Por isso, Mokate (2002) defende que uma das características-chave da avaliação deve ser sua integração a todo o ciclo de gestão, desenvolvendo-se simultaneamente a ele, desde o momento inicial da identificação do problema.

Além dos objetivos relacionados à eficiência e eficácia dos processos de gestão pública, a avaliação é decisiva para o processo de aprendizagem institucional e também contribuiria para a busca e obtenção de ganhos das ações governamentais  em termos de satisfação dos  usuários e de legitimidade social e política. Por essas e outras razões, tem sido ressaltada a importância dos processos de avaliação para a reforma das políticas públicas, modernização e democratização da gestão pública.

Nos países desenvolvidos, os processos de avaliação de políticas vêm se tornando crescentemente institucionalizados.  Isso exige o empenho das estruturas político-governamentais na adoção da avaliação como prática regular e sistemática de suas ações, na regulação das práticas avaliativas e no fomento de uma cultura de avaliação integrada aos processos gerenciais (Hartz, 2001).

No Brasil, a importância da avaliação das políticas públicas é reconhecida em documentos oficiais e científicos, mas esse reconhecimento formal ainda não se traduz em processos de avaliação sistemáticos e consistentes que subsidiem a gestão pública (Hartz et Pouvourville, 1998).

Esse consenso no plano do discurso não produz automaticamente a apropriação dos processos de avaliação como ferramentas de gestão, pois freqüentemente a tendência é  percebê-los como um dever, ou até mesmo como uma ameaça, impostos pelo governo federal ou por organismos financiadores internacionais.

Mokate (2002) identifica algumas das possíveis razões pelas quais a avaliação não seria facilmente integrada ao ciclo de gestão:

(1)     Os paradigmas gerenciais dificultam a apropriação da avaliação pelas equipes de gestão, na medida em que focalizam mais as atividades e processos do que os resultados, não valorizando a explicitação de metas e objetivos, e a responsabilização pelo seu alcance;

(2)     As aplicações convencionais dos processos de monitoramento e avaliação têm se realizado de tal maneira que não têm induzido sua percepção como aliados do processo de gestão, cabendo freqüentemente apenas aos avaliadores externos e assumindo o aspecto de fiscalização, auditoria ou controle, cujos resultados não costumam ser utilizados no processo decisório e gerencial;

(3)     A complexidade dos objetivos e a adoção de estratégias e tecnologias diferenciadas, que não necessariamente conduzem ao mesmo resultado, dificultam a avaliação das intervenções. A sensibilidade dos problemas sociais a múltiplas variáveis faz com que a seleção de estratégias para seu enfrentamento se baseie em hipóteses de relações causais. É particularmente difícil atribuir, através da avaliação, as mudanças observadas a uma intervenção específica operada sobre um problema, até porque, freqüentemente, os efeitos de algumas intervenções só se evidenciam no longo prazo.

A avaliação tem constituído uma estratégia de mudança do paradigma gerencial. Sob o ponto de vista da gerência social, as políticas devem ser avaliadas pelo cumprimento de seus objetivos e os gerentes devem ter incentivos naturais para utilizar informação no acompanhamento de seu desempenho em relação a esses objetivos. Mokate (2002) aponta quatro desafios prioritários para construir um processo de avaliação aliado à gerência social:

1.     A definição de um marco conceitual da intervenção que se pretende avaliar, indicando claramente objetivos, resultados e as supostas relações causais que orientam a intervenção, pois quando não se sabe onde e como se quer chegar, torna-se muito difícil avaliar nosso desempenho.
2.     A superação da brecha entre o “quantitativo” e o “qualitativo” na definição de metas e objetivos e na própria avaliação, gerando complementaridade e sinergia entre eles;

3.     A identificação e pactuação de indicadores e informações relevantes, levando em conta o marco conceitual e as diversas perspectivas e interesses dos atores envolvidos;

4.     A definição e manejo efetivo de fluxos da informação gerada pelo processo avaliativo e a introdução de estratégias de incentivos que promovam o uso dessa informação.

Para uma cultura gerencial que incorpore uso efetivo da avaliação ao ciclo de gestão, Mokate (2002) aponta algumas condições:

a)     incentivar a flexibilidade e a inovação como mecanismos para assegurar o alcance de objetivos máximos desejados e tolerar o erro para promover ajustes e mudança de opções;

b)     permitir que, dentro da organização, os que têm a informação possam fazer uso dela, inclusive disseminá-la, em função dos objetivos pretendidos;

c)     definir “valores objetivos” e “valores de referência” que facilitem a interpretação da informação;

d)     adotar incentivos organizacionais e gerenciais que favoreçam o uso da informação (premiação ou reconhecimento por mérito ou alcance de resultados);

e)     estabelecer mecanismos de ajuste para realocação de recursos humanos, físicos e financeiros, redefinição de estratégias operativas e modificações nos produtos e serviços para alcançar os objetivos desejados;

f)      vincular os indicadores ou informações com os processos decisórios;

g)     especificar “pontos de decisão”, fixando prazos e “valores objetivo” para alguns indicadores;

h)     comprometer os gestores e suas equipes com o alcance de metas através de pactos e contratos de gestão ou desempenho.

A avaliação de desempenho constitui um importante instrumento para a gestão das intervenções, mas a falta de acordo sobre como medir esse desempenho ainda é um desafio. Como o desempenho refere-se ao grau de alcance dos objetivos e os países definem diferentes objetivos, metas e dimensões de desempenho nas suas avaliações, muitas vezes torna-se difícil fazer análises comparativas. Esse tipo de avaliação deveria focalizar fundamentalmente qualidade, eficiência e eqüidade, mas as experiências internacionais de avaliação de desempenho enfocam de maneira desigual essas dimensões. Nos países da OECD predominam análises sobre a melhoria de resultados e sobre a “responsividade”. Apesar de as recomendações de organismos internacionais, no sentido de que a eqüidade seja uma dimensão transversal de todas as avaliações de desempenho. Especialmente no caso das intervenções de natureza social,  ainda são poucas as experiências que consolidaram o exame desta dimensão.

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Fonte

RUA, Maria das Graças. A avaliação no ciclo de Gestão Pública. Disponível em: <http://www.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fIndicadores_desmistificacao_problema_1.pdf>. 

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