sábado, 8 de junho de 2013

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO: REFERÊNCIAS PARA DEBATE

Mario Luiz Possas, IE/UFRJ

1. INTRODUÇÃO
A importância estratégica do esforço próprio de um país no investimento em ciência e tecnologia (C&T) para seu desenvolvimento econômico é um consenso (raro) entre economistas e pesquisadores da área. No entanto, as formas principais de articulação entre C&T e desenvolvimento, bem como a hierarquia estratégica dos fatores envolvidos, está longe de gerar convergência e por isso produz diferenças significativas quanto ao desenho de políticas públicas.

O presente texto expõe na segunda seção um breve panorama dos principais enfoques da literatura econômica internacional sobre o tema; na seção seguinte, algumas de suas implicações para a política de C&T, com ênfase no caso brasileiro, também extraídas de publicações acadêmicas e de pesquisa sobre o tema.


2. OS PRINCIPAIS ENFOQUES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE C&T E DESENVOLVIMENTO

A literatura econômica sobre o tema é extensa e desencoraja tentativas de resenha muito completa ou detalhada. Além disso, raramente o desenvolvimento econômico é o foco principal da análise, ou as implicações de política de C&T são extraídas claramente nesses enfoques, surgindo no máximo como um desdobramento possível e às vezes tratado de forma superficial. Por outro lado, e apesar dessa limitação, os enfoques relacionados a seguir – assumidamente não exaustivos – têm tido suficiente importância como eixos de
pesquisa, reflexão e motivações de política para justificar incluí-los entre as referências fundamentais para o tratamento sistemático do tema.

Um importante elemento comum a todos estes é o papel da inovação em sentido amplo (que pode ir além de novos produtos e processos de produção), cuja internalização às empresas e, dessa forma, à economia é vista como um elo de ligação essencial entre esforços de C&T e desenvolvimento econômico. Alguns enfoques centram-se mais no nível “macro”, no sentido de abranger conjuntos de empresas, redes, setores e instituições públicas, e mesmo o ambiente econômico, político e institucional, e seus impactos sobre a competitividade setorial e o crescimento econômico. Outros focalizam o nível “micro” das empresas, suas estratégias inovativas e recursos, seus investimentos em P&D e vantagens competitivas. Em qualquer caso, admite-se que num contexto econômico de mercado as estratégias competitivas privadas, especialmente as estratégias inovativas, são um nexo crucial para que políticas de C&T possam ter impactos econômicos significativos, v.g. sobre investimentos, competitividade ao nível setorial, crescimento econômico e – talvez o mais difícil de alcançar – a sustentabilidade deste, que, de forma sintética, é condição necessária (ainda que talvez insuficiente) para caracterizar uma economia como plenamente desenvolvida.

(i) O nível “macro”: a abordagem do “catching up” e a redução do “gap” (hiato)
tecnológico

A maior extensão de literatura econômica - e em grande medida histórica – sobre mudança tecnológica comparada pertence, de longe, a esse conjunto de abordagens agrupados em torno da noção de “catching up” tecnológico entre países ou entre os mesmos setores em distintos países. Sem nenhuma pretensão de resenhá-los aqui, basta lembrar que sua tradição remonta a Kuznets, Rostow, Gerschenkron, Landes, Rosenberg e Abramovitz.

A partir dos anos 80, autores neo-schumpeterianos e/ou de economia do desenvolvimento retomaram o tema com vigor, em que cabe destacar inicialmente os artigos de Carlota Perez, Luc Soete e Cristopher Freeman. 

Assim, Freeman e Perez (1988) formularam os conceitos de “paradigmas tecno-econômicos”, correspondentes grosso modo a “ondas longas” de atividade e mudança técnica no capitalismo, e dos setores-chave a eles associados, responsáveis principais pelo seu dinamismo econômico em função dos investimentos direta e indiretamente envolvidos e dos efeitos inter-setoriais. 

Sua importância para a análise dos mecanismos de catch up é que oferecem um balizamento histórico para contextualizar e possivelmente hierarquizar as oportunidades de avanço tecnológico tendo em vista orientar eventuais estratégias nacionais de redução dos hiatos tecnológicos entre países.

Nesse mesmo sentido, Perez e Soete (1988) sugerem uma seqüência de fases no processo de difusão internacional desses paradigmas tecno-econômicos, ou ao menos de suas trajetórias tecnológicas mais importantes, em meio às quais seria possível identificar “janelas de oportunidade” capazes de encurtar distâncias e criar atalhos que favoreçam o catch up e a redução do hiato tecnológico. Sua conclusão é que, em linhas gerais, as fases de determinada trajetória tecnológica que apresentam uma relativamente maior facilidade de entrada para latecomers são a de introdução da nova tecnologia, com menores barreiras de experiência e menores investimentos iniciais, e a fase final, de maturidade, com tecnologia já difundida ou acessível, embora com maiores requisitos de escala. Embora claramente voltado para a aplicação de política, esse enfoque requer contudo muitas mediações e adaptações para ser útil, tendo em vista as inúmeras especificidades nacionais, além daquelas inerentes a cada um dos paradigmas tecnológicos ou tecnoeconômicos.

Em nível mais específico, os mecanismos de catching up incluem necessariamente esforços formais e informais de aprendizado e de absorção de tecnologia, o que implica algum grau de investimentos em P&D. Nesse campo existe grande número de contribuições, das quais uma das mais conhecidas e citadas é a de Cohen e Levinthal (1989). Um importante resultado desses autores é a noção de capacidade de absorção de tecnologia, uma das duas faces – e a menos conhecida – da P&D, sendo a outra a de gerar novos conhecimentos. O ponto a destacar é que não apenas o ritmo de inovação em novos produtos e processos, mas também a capacidade de absorção de novas tecnologias ou inovações em geral, é função crescente dos investimentos em P&D realizados ao nível das empresas, dadas naturalmente as restrições e características próprias de cada regime tecnológico. Este ponto é tão mais relevante quanto maior a incidência de componentes tácitos e idiossincráticos – de transferência difícil ou custosa - no desenvolvimento de uma trajetória tecnológica.

Também a literatura sobre as economias em desenvolvimento explorou as dificuldades inerentes ao processo local de aprendizado ou de absorção e eventual adaptação de novas tecnologias: entre muitos outros, Bell (1984), Katz (1984, 1987), Lall (1985), Bell e Pavitt (1993). De um lado, fatores de possível convergência tecnológica foram apontados, tanto por autores latino-americanos como asiáticos. Entre os principais fatores de convergência – que levariam a “fechar o gap” – cabe mencionar o esforço de imitação e de aprendizado local, incluindo o esforço de P&D público e privado; o ingresso de investimento direto estrangeiro; e vantagens (locacionais, mão de obra barata, etc.) que possam compensar as tendências cumulativas do aprendizado ainda não-realizado, e muitas vezes também uma escala ineficiente. O nível de especialização e de autonomia local no desenvolvimento de tecnologias é outro fator variável entre países em função das políticas adotadas, tendo sido maior em países como a Índia e menor nos da América Latina.

O ingresso de latecomers em indústrias maduras, diferentemente da versão “otimista” das janelas de oportunidade, tem a desvantagem de que tais indústrias em geral já perderam dinamismo, enquanto o ingresso nas fases iniciais dos paradigmas é igualmente difícil e arriscado, não só porque pode envolver políticas públicas muito incertas, custosas e de baixo retorno, mas também porque tende a ocorrer à margem das oportunidades mais proveitosas, que oferecem maior potencial de rentabilidade e expansão, e que quase sempre se restringem a um grupo restrito de países avançados e de suas matrizes de empresas transnacionais.

Do ponto de vista estrutural, a diferenciação crescente das estruturas produtivas desses países não é um fato consumado, mas depende de um conjunto complexo de fatores, desde características das trajetórias tecnológicas até eventuais vantagens competitivas específicas de cada país, que leva naturalmente a certo grau de especialização, passando pelas diferentes políticas públicas. De modo geral, a conclusão é que o catch up requer esforços continuados de investimento e aprendizado, para além de um nível mínimo “crítico”, cuja intensidade e composição em termos de recursos necessários depende tanto das trajetórias tecnológicas em vigor quanto da economia em questão.

(ii) O nível “macro” e as instituições: os Sistemas Nacionais de Inovação e seus
desdobramentos

Formulado em conjunto por R. Nelson (1993), C. Freeman (1992) e B. Lundvall (1992), entre outros, este enfoque centrou-se originalmente nos níveis macro – no sentido de uma abrangência nacional – e institucional – focalizando os requisitos de política pública e de integração desta com as estratégias empresariais. O artigo de Nelson (1994) oferece uma excelente síntese da integração entre as dimensões estruturais, inclusive tecnológicas, evolutivas e institucionais da dinâmica inovativa da indústria, presentes neste enfoque. Os atores principais são as empresas, enquanto usuárias ou fornecedoras de tecnologia e investidoras em P&D; o governo, representado por agências públicas formuladoras e executoras de políticas; e instituições públicas com maior ou menor apoio governamental, como universidades e centros de pesquisa.

Seus pressupostos teóricos coincidem com a abordagem evolucionária neoschumpeteriana inaugurada pela contribuição seminal de Nelson e Winter (1982), apoiada na substituição dos pilares neoclássicos de equilíbrio e racionalidade maximizadora, respectivamente, pela análise de trajetórias dinâmicas singulares das indústrias e pela racionalidade limitada, implicando o uso de rotinas, estratégias satisficing e arranjos institucionais. Sua posição em termos de política, em grande medida oposta à liberal, é que inovações são, por assim dizer, “contexto-intensivas”, seja por (i) terem como referência determinado ambiente competitivo, nacional e institucionalmente condicionado; (ii) ocorrerem em blocos sinérgicos, no tempo (“trajetórias tecnológicas”) e no espaço econômico (complementaridades nos recursos empregados e no seu uso); e (iii) requererem volumes de investimentos significativos, com risco e incerteza elevados, implicando restrições para seu financiamento – o que quase sempre aponta para algum nível de apoio em recursos públicos.

O enfoque logo se desdobrou para os níveis setoriais e sub-nacionais, que possibilitam pensar políticas inovativas e tecnológicas setoriais e/ou regionais. Nesse quadro, a ênfase se deslocou tanto para as relações de complementaridade e sinergia entre produtores e usuários de inovações - que já eram objeto de pesquisa no campo neo-schumpeteriano: ver p.ex. Lundvall (1988) - como para os arranjos produtivos locais ou regionais – pólos – voltados a reforçar a difusão e incorporação economicamente eficiente de inovações – p. ex. Lazonick (1990, 1993).

No primeiro caso, mostrou-se que capacitações e ativos complementares e aprendizado ao longo de uma cadeia produtiva, entre fornecedores e usuários, pode ser uma fonte essencial de inovações incrementais e difusão de novas tecnologias, assim como de apropriação dos ganhos provenientes do esforço inovativo. Os benefícios associados a ativos complementares decorrem, em grande medida, de processos de aprendizado locais e específicos, com fortes componentes idiossincráticos. No segundo, retomou-se de certo modo a tradição dos distritos industriais, abrangendo, além da maior parte das firmas de uma indústria, seus fornecedores especializados e uma concentração de trabalhadores com determinados requisitos de habilidade e treinamento – o que freqüentemente envolve instituições específicas e programas de treinamento (v. Nelson, 1994).

Também aqui a busca de complementaridades e da coordenação de esforços em atividades que apresentem economias de escala e de escopo significativas pode reforçar a posição competitiva conjunta mediante arranjos cooperativos, com vantagem sobre a simples operação espontânea de forças competitivas. Tais arranjos envolvem freqüentemente, embora nem sempre, apoio de agências públicas de fomento e financiamento. Finalmente, vale notar que, em certa medida, a configuração de redes produtivas e de inovações, desenvolvida principalmente na última década, também representa uma continuidade desse enfoque, embora em nível mais “micro” ou específico.

(iii) O nível “macro” no enfoque neoclássico moderno: a teoria do crescimento
endógeno 

Somente a partir de meados dos anos 80 o mainstream neoclássico em Economia passou a se interessar pelas relações entre desenvolvimento tecnológico e crescimento econômico, inaugurando a chamada corrente teórica e empírica do “crescimento endógeno”. À diferença das “velhas” teorias neoclássicas do crescimento econômico, representadas pelos conhecidos modelos de Solow e Swan, a “nova” teoria constrói seus modelos tendo em vista a obtenção de taxas de crescimento endógenas aos mesmos, o que implica gerar crescimento do produto agregado a taxas que superem o crescimento populacional, de um lado, e endogeneizar os fatores geradores de progresso técnico, de outro. Uma de suas motivações parece ter sido, além da insatisfação com a exogeneidade do crescimento e do progresso técnico – que, no entanto, tem peso decisivo na “explicação” econométrica do crescimento - no modelo tradicional de Solow, o surgimento de evidências recentes de aumento na divergência entre países quanto a taxas de crescimento e rendas per capita, sugerindo que as oportunidades tecnológicas e as fontes de progresso técnico não estão distribuídas uniformemente entre países. Algumas referências de destaque são Romer (1986, 1994), Lucas (1988), Grossman e Helpman (1994); uma apresentação abrangente encontra-se em Barro e Sala-i-Martín (1995).

Esses modelos assumem diferentes hipóteses e mecanismos para gerar crescimento endógeno, mas com alguns pontos básicos em comum: (i) a tentativa de superar a ocorrência de rendimentos decrescentes nos fatores de produção convencionais, especialmente do capital, como na tradição neoclássica (incluindo o modelo de Solow), pela introdução de rendimentos crescentes na função de produção agregada, geralmente associados a “conhecimento” ou “capital humano”; e (ii) a inclusão de mecanismos capazes de gerar progresso técnico endógeno, geralmente os mesmos que geram rendimentos crescentes.

Dado o caráter agregado e analiticamente compacto desse tipo de modelo, é quase inevitável que seu poder explicativo seja limitado, e, mais que isso, sua capacidade de iluminar alternativas de política tecnológica seja quase inexistente. Apesar disso, seu forte apelo a argumentos liberais de senso comum, em particular a ênfase na acumulação de capital humano e na educação formal como mola propulsora do progresso técnico crescimento econômico endógeno, tem levado muitos economistas do mainstream a propagar essas mesmas teses convencionais como o sumo de uma política eficaz de desenvolvimento sustentado a longo prazo, agora sob a nova roupagem de resultados científicos confirmados pela supostamente nova fronteira do conhecimento acerca do desenvolvimento econômico.

(iv) O enfoque “macro” neo-schumpeteriano: crescimento, tecnologia e competitividade

Apesar de algum esforço de modelagem teórica desenvolvido nesse campo, desde o início dos anos 90, por autores neo-schumpeterianos evolucionários, basicamente em resposta aos modelos neoclássicos de crescimento endógeno e suas aplicações empíricas – ver p. ex. a coletânea de Silverberg e Soete (1994), e especialmente os artigos de Silverberg e Verspagen (1994 e 1995) -, as principais referências nesse enfoque são os trabalhos com ênfase mais empírica de Jan Fagerberg, que efetua comparações internacionais. Fagerberg (1994) é a talvez a sua contribuição mais conhecida, e Fagerberg (2002) uma coletânea de outros de seus ensaios.

Em linhas gerais, suas teses abrangem principalmente: (i) o reconhecimento da especificidade setorial para a análise da importância da escala, e portanto do tamanho do mercado doméstico, para a eficiência e a competitividade dos gastos de P&D, mostrando que as vantagens competitivas podem diferir entre países de diferente tamanho, implicando políticas tecnológicas igualmente diferenciadas; (ii) a importância da adaptabilidade dos países às mudanças de composição de produtos do comércio mundial para sua competitividade, especialmente em países com alto grau de abertura comercial; (iii) a capacitação inovativa e, em particular, a capacidade de absorver tecnologia gerada externamente, como fonte de sucesso no catch up entre países industrializados; e, reciprocamente, (iv) a dificuldade em absorver tecnologias exógenas como fator de atraso no catch up de países em desenvolvimento.

Em sentido complementar, a conhecida contribuição de Patel e Pavitt (1994) mostra a persistência de gaps tecnológicos entre países industrializados, especialmente no âmbito dos países membros da OECD, com base em dados de patenteamento cobrindo o período de 1969 a 1992. Em linhas gerais, atribuem o sucesso relativo de determinados países – com destaque para Alemanha e Japão – ao caráter “dinâmico” de seus sistemas nacionais de inovação e das políticas e instituições correlatas, no sentido de captarem as especificidades dos investimentos em P&D e em ativos tecnológicos intangíveis, especialmente os que envolvem aprendizado e capacitação da força de trabalho, vis-à-vis investimentos convencionais. Ademais concluem, em concordância com Porter (1990), que as condições prevalecentes nos países de origem das grandes empresas transnacionais são decisivas para o ritmo e direção de seus esforços tecnológicos, tendendo a reforçar as assimetrias existentes.

Dentre as tentativas – infelizmente raras - de estender esse enfoque para os países em desenvolvimento merece referência a de Dosi, Freeman e Fabiani (1994), com seus interessantes insights sobre “fatos estilizados” associados à situação desses países, podendo-se destacar, no nível “macro”, (i) a complementaridade entre importações de tecnologia e o esforço autônomo para seu desenvolvimento; (ii) a correlação robusta entre crescimento e investimento em capital fixo – v. De Long e Summers, 1992; e (iii) a correlação entre a capacidade de inovar e de incorporar rapidamente novas tecnologias com o crescimento e o nível de renda per capita, assim como com a participação nas exportações mundiais. No nível “micro”, vale destacar que (iv) a difusão de novas tecnologias depende crucialmente do ritmo de aprendizado tecnológico, que tem natureza cumulativa e depende de capacidades específicas às firmas; e (v) a infra-estrutura física, institucional e educacional, assim como o ambiente econômico de mercado, têm um papel fundamental na sustentação dos esforços das firmas.

(v) O nível “micro”: empresas, indústrias e P&D no enfoque setorial das inovações

A tradição “estruturalista” em Organização Industrial consagrou a análise de padrões setoriais de concorrência, mas nunca logrou superar completamente seu marco essencialmente estático ou unilateral, que conduzia da estrutura, via condutas (estratégias), ao desempenho de firmas e mercados. O artigo clássico de Keith Pavitt (1984), em sua proposta de taxonomia de setores industriais, centrada nos padrões inovativos e tecnológicos, veio a superar esse quadro. Como se sabe, sua taxonomia se compõe das seguintes categorias de setores: supplier dominated (dominados pelos fornecedores); production intensive (intensivos em produção) – subdivididos em scale intensive (intensivos em escala) e specialized suppliers (fornecedores especializados); e science based (baseados em ciência). Mais tarde, acrescentou-se a classe dos setores information intensive (intensivos em informação), acompanhando a tendência atual de difusão das tecnologias da informação: ver Bell e Pavitt (1993).

O sucesso da proposta decorreu tanto de uma base de dados abrangentes e sólidos em que o estudo se apoiou quanto do referencial teórico, de extração neo-schumpeteriana, centrado na dinâmica da geração e difusão de inovações assim como na combinação entre variedade e padrões de regularidade das trajetórias setoriais. Seu objetivo foi identificar regularidades setoriais nos padrões inovativos ao longo de trajetórias tecnológicas, com base em três grupos de variáveis: as fontes de tecnologias (P&D próprio ou contratado, usuários); as necessidades dos usuários (preços, desempenho, confiabilidade); e os mecanismos de apropriação de lucros derivados do sucesso inovativo (segredo industrial, patentes). Duas características gerais, prévias à taxonomia, emergiram inicialmente: (i) a especificidade da maior parte do conhecimento técnico envolvido nas inovações (somente 10% provenientes de fontes públicas); e (ii) a presença de padrões setoriais de regularidade quanto à origem do conhecimento envolvido, aos esforços de P&D e à concentração relativa em inovações de produto ou processo, apesar da variedade das fontes de conhecimento e de características dos produtos e processos objeto de inovações nos mesmos setores.

A fertilidade do enfoque não se resume ao enquadramento a priori de setores industriais pela ótica inovativa, mas ao permitir ao analista focalizar variáveis e padrões estratégicos provavelmente dominantes na trajetória tecnológica e dinâmica inovativa de um setor. Em parte na esteira dessa taxonomia, em parte em paralelo a ela, Dosi (1988) propôs uma agenda neo-schumpeteriana ampliada de pesquisa sobre dinâmica industrial, na qual o ritmo de inovações e de sua difusão pode ser afetado pelas assimetrias iniciais estratégicas, tecnológicas, organizacionais e de desempenho, e pelas características das empresas de um dado setor quanto às dimensões competitivas associadas às inovações, que por sua vez são capazes de gerar novas assimetrias ou reforçar as existentes, alterando ao longo do tempo sua distribuição e, finalmente, modificando a configuração (ou “estrutura”) da indústria, vista como endógena e não como dada, conforme a tradição estruturalista.

Algumas incursões sobre as especificidades dos países em desenvolvimento foram esboçadas por essa abordagem, em parte mesclada com outras a serem examinadas a seguir (especialmente a seguinte, voltada aos recursos específicos das empresas). Entre elas destaca-se a já citada de Bell e Pavitt (1993), que focaliza entre os principais fatores de persistência de atraso e de gap tecnológico desses países, resumidamente, (i) a baixa “eficiência dinâmica” do crescimento industrial, entendida como capacidade de incrementar de forma sustentada a produtividade e a competitividade industriais; e (ii) a baixa taxa de acumulação tecnológica na indústria, associada à insuficiência de sua capacitação e acumulação intra-firmas, da infra-estrutura institucional e educacional e da capacidade de adaptar tecnologias importadas. Diferenças nesses fatores explicariam a maior parte das divergências observadas entre países, com destaque especialmente para os NICs asiáticos, os únicos que conseguiram algum grau significativo de catch up nas últimas décadas.

(vi) O nível “micro”: a perspectiva baseada em recursos

A “Perspectiva Baseada em Recursos” (“Resource-Based Perspective”, RBP) desenvolveu-se a partir do início dos anos 80 na esteira da nova teoria evolucionária de Nelson e Winter (1982), das contribuições originais de Edith Penrose (1959), de cunho Schumpeteriano, quanto à empresa capitalista como um locus de utilização inovativa de recursos, e de resultados empíricos que vieram se firmando entre economistas industriais, quanto à diversidade sistemática de desempenho e de estratégias entre firmas de uma mesma indústria. Também teve peso na consolidação desse enfoque no campo estratégico a contribuição clássica de Chandler (1990) sobre a importância e a especificidade ao nível da empresa das estratégias organizacionais, frente a mudanças estruturais. Nos anos 90 a RBP tornou-se possivelmente o enfoque predominante sobre estratégia empresarial, inclusive no campo da teoria e prática gerencial: uma coletânea representativa a respeito é a de Foss (1997).

Dentre os muitos temas caros à RBP, talvez caiba destacar, para uma discussão voltada às suas implicações atuais para a análise e a política de C&T, a importância central de dois conceitos relacionados: (i) o das “capacitações dinâmicas” (“dynamic capabilities”) da firma para sua inovatividade e competitividade, cujas referências iniciais são os artigos de Teece (1986) e (1988), com sua ênfase no potencial dinâmico dos ativos específicos e complementares das firmas e cujo arcabouço geral foi sintetizado no artigo já clássico de Teece e Pisano (1994); e (ii) o das “competências centrais” (“core competences”), cujo marco inicial foi dado pelo conhecido artigo de Prahalad e Hamel (1990). Enquanto o primeiro enfoque destaca a importância de desenvolver a capacidade, específica a cada firma em função dos ativos específicos por ela já adquiridos e valorizados, de criar e consolidar recursos próprios capazes de gerar vantagens inovativas e, por extensão, competitivas, o segundo enfatiza a necessidade de hierarquizar esses recursos do ponto de vista competitivo, focalizando as estratégias inovativas e competitivas sobre o aprendizado coletivo da organização e a coordenação das diferentes habilidades produtivas e tecnológicas da empresa em torno de um núcleo de vantagens competitivas já adquiridas.

Em ambos os casos, a mensagem básica para a análise é que, ao contrário da teoria da firma neoclássica, a permanência e recriação da diversidade entre firmas, mesmo dentro da mesma indústria, é a norma, e não seu eventual nivelamento pela eliminação das diferenças. Ao mesmo tempo, as firmas passam a ser vistas como repositórios específicos de conhecimento, e não como loci de processamento de informações, ao estilo neoclássico – v. Fransman (1994). Mais que isso, tal diversidade é desejável como instrumento de progresso técnico e de conquista de maior competitividade ao nível das firmas, sem o que setores e países não podem alcançar vantagens competitivas duradouras. Assim, as implicações de política são tão claras quanto decisivas: desenvolvimento tecnológico e competitividade são complementares e requerem o esforço da capacitação das empresas individuais na busca de vantagens competitivas criadas e desenvolvidas ao nível das firmas – e não apenas, por exemplo, ao nível de setores inteiros ou por meio de políticas macro – e.g. políticas cambiais –, ainda que favoráveis à competitividade das exportações.

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