quarta-feira, 5 de junho de 2013

Marx, a questão dos mercados e a queda tendencial da taxa de lucro

Marx, a questão dos mercados e a queda tendencial da taxa de lucro
·         Decadência do capitalismo
Quando os intelectuais ditos marxistas e as organizações pretendidas marxistas (trotskistas, stalinistas, ...), todos  a serviço da burguesia,  pretendem defender a visão de Marx das contradições mortais do capitalismo agindo no plano econômico, na maioria dos casos se referem exclusivamente à queda tendencial da taxa de lucro descoberta por Marx. De maneira geral, todos relativizam, quando não o consideram como insignificante - apesar de ser muito presente na obra de Marx - este fator de crise constituído pela superprodução devido à insuficiência dos marcados solváveis. O problema é que o mesmo procedimento se encontra, com vários graus, por parte de algumas correntes ou elementos politizados que defendem posições revolucionarias. Um tal método de análise das contradições econômicas do capitalismo constitui, do nosso ponto de vista, um erro que colocamos em evidência no texto em seguida com intento de fortalecer o campo do proletariado no plano teórico, e evidentemente não o de esclarecer os diferentes tipos de defensores do capitalismo.

Através deste texto, baseado sobre um pleno reconhecimento da realidade da contradição "queda tendencial da taxa de lucro", queremos demonstrar, pelo uso exclusivo da obra de Marx, o caráter central e determinante da contradição que resulta da insuficiência dos marcados solváveis à produção capitalista, e também a relação que existe entre estas duas contradições que se potencializam.

Por fim, julgamos necessário de lembrar neste texto a posição clássica do marxismo ortodoxo que prevaleceu até o inicio do século 20, posicionamento que colocava a questão dos mercados no coração das contradições do capitalismo. Explicamos também porque depois aconteceu uma mudança.

Para facilitar a exposição de nossa postura, cada vez que for necessário, lembraremos a definição de alguns conceitos clássicos pelo meio de citações amplas de Marx (Quando não há indicação contaria, toda acentuação dentro das citações é nossa), toda vez que for necessário ([1]). Isto vale também para facilitar o acesso ao debate pelos companheiros que não são muito acostumados com o assunto. 

A definição, segundo Marx, da contradição "queda tendencial  da taxa de lucro"
Em que consiste, segundo Marx, a lei da queda da taxa de lucro? Com o desenvolvimento da industria a da produtividade do trabalho, uma proporção crescente das despesas do capitalista é dedicada às matérias-primas e às maquinas mais sofisticadas. No sentido contrario, o trabalho vivo diminui na mesma proporção. O problema para o capitalista é que é unicamente o trabalho vivo (o capital variável) que produz um valor adicional que constitui o lucro capitalista. Este fenômeno é diretamente perceptível em cada mercadoria que gera assim um lucro decrescente:

"Com o desenvolvimento da força produtiva e a composição superior do capital, que lhe corresponde, põem um quantum cada vez maior de meios de produção em alimento por um quantum cada vez menor de trabalho, cada parte alíquota do produto global, cada mercadoria individual ou cada medida individual de determinada mercadoria da massa global produzida absorve menos trabalho vivo e, além disso, contém menos trabalho objetivado, tanto na depreciação do capital fixo empregado quanto nas matérias-primas e auxiliares utilizadas. Cada mercadoria individual contém, portanto, uma soma menor de trabalho objetivado nos meios de produção e de trabalho novo agregado durante a produção. Por isso cai o preço da mercadoria individual (...) Com a diminuição absoluta enormemente incrementada no curso do desenvolvimento da produção, da soma de trabalho vivo, recém-agregado à mercadoria individual, também diminuirá absolutamente a massa de trabalho não-pago nela contidopor mais que tenha crescido relativamente, a saber, em proporção à parte pagaA massa de lucro sobre cada mercadoria individual irá diminuir muito com o desenvolvimento da força produtiva de trabalho, apesar do crescimento da taxa de mais-valia (...)" (Livro III, seção III)
Entretanto, Marx fica atento para nunca separar ambos lados desta lei ; quando diminui a taxa de lucro, a massa de lucro aumenta porque uma quantidade maior de mercadorias é produzida:

· "O fenômeno que se origina da natureza do modo de produção capitalista, de que, com produtividade crescente do trabalho, o preço da mercadoria individual ou de dada cota de mercadorias cai, o número de mercadorias sobe, a massa de lucro sobre a mercadoria individual e a taxa de lucro sobre a soma de mercadorias caem, a massa de lucro porém sobre a soma global das mercadorias sobe - esse fenômeno na superfície só apresenta: queda da massa de lucro sobre a mercadoria individual, queda de seu preço, crescimento da massa de lucro sobre o número global aumentado das mercadorias que o capital global da sociedade ou o capitalista individual produz. Isso é, então, interpretado como se o capitalista, por sua livre vontade, adicionasse menos lucro à mercadoria individual, compensando-se, porém, pelo número maior de mercadorias que ele produz. Essa visão baseia-se na concepção de lucro sobre a alienação (profit upon alienation)'' que, por sua vez, foi abstraída da concepção do capital comercial." (Livro III, seção III)
· "Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista cai, portanto, a taxa de lucro, enquanto sua massa sobe com a massa crescente do capital empregado. Dada a taxa, a massa absoluta em que o capital cresce depende de sua grandeza existente." (Livro III, seção III)

Assim, fazendo abstração das condições nas quais uma tal contradição poderia constituir um obstáculo decisivo à acumulação capitalista, era estabelecida a prova que o capitalismo, longe de constituir um modo de produção eterno, era necessariamente condenado a desaparecer por conta de suas contradições internas próprias, como os modos de produção que o precederam.  

A importância desta contradição  

Ela se reflita na emoção que provoca nas economistas burgueses (como Ricardo):
"O importante, porém, em seu horror ante a taxa de lucro em queda, é a sensação de que o modo de produção capitalista encontra no desenvolvimento das forças produtivas uma barreira que nada tem a ver com a produção da riqueza enquanto tal; e essa barreira popular testemunha a limitação e o caráter tão-somente histórico e transitório do modo de produção capitalista; testemunha que ele não é um modo de produção absoluto para a produção da riqueza, mas que antes entra em conflito com seu desenvolvimento, em certo estágio" (Livro III, seção III).

Como, segundo Marx, age esta contradição do modo de produção capitalista ?
Em que pode realmente consistir esta contradição quando a queda da taxa de lucro é acompanhada com um aumento da massa do lucro sobre o conjunto dos produtos ? Marx coloca em evidência que a competitividade no mercado mundial de cada mercadoria que produz o capitalista, depende da sua capacidade de investir cada vez mais capital para conseguir em retorno, sobre cada mercadoria, um lucro menor relativamente ao capital investido, e que o único meio que ele tem de escapar desta lei é de acrescentar consideravelmente o tempo de trabalho excedente dos operários que ele explora, o que tem obviamente um limite.  

· "Com a queda da taxa de lucro, cresce o mínimo de capital que o capitalista individual precisa ter em mãos para o emprego produtivo do trabalho: mínimo que é necessário tanto para sua exploração em geral, quanto para que o tempo de trabalho empregado seja o tempo de trabalho necessário à produção das mercadorias, para que não ultrapasse a média do tempo de trabalho socialmente necessário à produção das mercadorias."(Livro III, seção III)
· "Conforme se demonstrou na parte terceira deste livro, a taxa de lucro diminui na proporção em que aumenta a acumulação de capital e acresce a correspondente produtividade  do trabalho social, a qual se expressa no decréscimo relativo cada vez mais acentuado da parte variável do capital, comparada com a constante. Para produzir a mesma taxa de lucro, se o trabalhador passa a movimentar um capital constante dez vezes maior, é mister que decuplique também o tempo de trabalho excedente, e logo nem o tempo todo de trabalho daria para isso, mesmo que o capital se apoderasse das 24 horas do dia." (Livro III, seção V)

Marx identifica este fenômeno como sendo na origem das crises que pontuam o desenvolvimento do capitalismo no século XIX : "No fato de que o desenvolvimento da força produtiva de trabalho gera, na queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe com a maior hostilidade a seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto constantemente superada por meio de crises".

Entretanto, as condições de desenvolvimento e de fim das crises numerosas ligadas com um conjunto de fatores cuja queda da taxa de lucro constitui um elemento, mas que, considerado em si, não é determinante
Com que método analisar as contradições do capitalismo no mundo real ?

Uma analise do sistema considerada por si mesmo, como uma totalidade, in vitro, era uma necessidade para entender melhor suas próprias leis e, como veremos mais para frente, um tal método é empregado no Livro I. É também empregado parcialmente para estudar a queda da taxa de lucro no livro III. Mas um tal procedimento, embora seja necessário, não pode em si, ser suficiente. 

Com efeito, o que dizer de um método que, de propósito, se limitaria a uma etapa necessária mas não suficiente do estudo de um fenômeno considerado em si, isolado de seu meio histórico e dos fatores externos com os quais ele interage? Que suas conclusões só poderiam ser parciais e com certeza não operantes quando se trata de entender como agem as contradições na realidade, e não dentro dum laboratório.

É justamente o ponto de vista de Marx pois, já no livro III do Capital, existe uma tentativa da sua parte para fazer uma síntese entre as contradições inerentes do modo de produção capitalista e aquelas contradições resultando do desenvolvimento deste sistema no seio do seu meio econômico-social, o mundo em que se desenvolveu. Quanto a estas contradições exteriores, Marx já tinha começado a colocá-las em evidencia no Manifesto e continuou depois, em particular com as Teorias sobre a Mais-valia.

Na realidade, foi Marx o primeiro que criticou um tal método consistindo em considerar o capitalismo de maneira absoluta, em si, sem se preocupar das condições nas quais ele se move:

"Quando se diz que a superprodução é apenas relativa, isso está inteiramente correto; mas todo o modo de produção capitalista é apenas um modo de produção relativocujas barreiras não são absolutas, mas que, para ele, em sua base, são absolutas(...)A contradição desse modo de produção capitalista consiste, porém, exatamente em sua tendência ao desenvolvimento absoluto das forças produtivas, que entra constantemente em conflito com as condições específicas da produção, em que o capital se move e em que unicamente se pode mover." (Esta passagem do Livro III - seção III – é citada mais amplamente numa parte seguinte deste texto na qual se trata das insistências contraditórias existindo no Livro III)

Com que método apreender a obra de Marx sobre a economia

O Capital, e a obra inteira de Marx só podem ser entendidos como o estudo dos processos que conduzem à derrubada e ao desaparecimento deste sistema. O volume I anuncia  uma época em que :
"o monopólio do capital se torna um obstáculo para o modo de produção que cresceu e prosperou com ele e sob seus auspícios. A socialização do trabalho e a centralização de seus recursos materiais chegam a um ponto tal que não podem mais caber na concha capitalista. Esta concha se parte em pedaços. A hora do fim da propriedade capitalista já chegou. Os expropriadores serão por sua vez expropriados" (Livro I, seção I) (traduzido por nós)

O primeiro  Livro do capital é, principalmente, um estudo crítico do processo de produção capitalista. Seu principal objetivo é o de desmascarar a exploração capitalista e se limita essencialmente, por conta disso, à análise das relações diretas entre o proletariado e a classe capitalista, utilizando, para isso, um modelo abstrato no qual as outras classes e formas de produção não têm importância significativa. É nos livros seguintes, em particular no Livro III e nas Teorias sobre a Mais-valia (segunda parte) como nos Grundrisse que Marx desenvolve a fase seguinte de seu ataque contra a sociedade burguesa : a demonstração de que a derrubada do capital será o resultado das contradições enraizadas no âmago do sistema, na própria produção da mais-valia

Marx coloca em evidência um conjunto de contradições do capitalismo, as duas seguintes em particular:

· a tendência da taxa de lucro em queda com a inevitável elevação constante da composição do capital ;
· o problema da superprodução, uma doença inata do sistema capitalista que produz mais do que o mercado pode absorver.

O Capital é necessariamente um trabalho inacabado, por duas razoes:

· a primeira resulta do fato de que Marx não viveu bastante tempo para acabá-lo, o que é fácil perceber quando se compara o que foi realizado com o que Marx tinha a intenção de fazer: "Estudo o sistema da economia burguesa nesta ordem: capital, propriedade do solo, trabalho assalariado, Estado, comércio exterior, mercado mundial."
Sob o três primeiros títulos, investigo as condições econômicas de vida de três grandes classes em que se divide a moderna sociedade burguesa; a conexão entre os três títulos restante salta à vista" (Prefácio da Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política). Vale a pena aqui assinalar que em nenhum texto publicado quando Marx era vivo, quer dizer com a consciência plena e o controle total de seu conteúdo, é invocada a queda da taxa de lucro como causa da crise.
· a segunda razão resulta de que ele foi escrito num período histórico durante o qual as relações sociais capitalistas ainda não se tinham tornado definitivamente um obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas.

Este caráter necessariamente inacabado do Capital tem a ver com a fato de que, quando ele define o elemento fundamental da crise capitalista, Marx insiste ora sobre o problema da superprodução, ora sobre a tendência para a queda da taxa de lucro mas nunca estabelece uma separação mecânica e rígida entre os dois : por exemplo, o capitulo do terceiro Livro dedicado às conseqüências da queda da taxa de lucro, contém também algumas das passagens mais claras sobre o problema do mercado. Estas passagens não são, entretanto, exceções, porque também na polêmica com Ricardo, nas Teorias sobre a Mais-valia(Livro Quatro do Capital ([2])), Marx considera a superprodução de mercadorias como o "fenômeno fundamental das crises" : "... o modo de produção burguês constitui um limite para o livre desenvolvimento das forças produtivas, limite que se manifesta nas crises, e em particular na superproduçao – fenômeno a base das crises". (traduzido por nós)

É este caráter inacabado do Capital que favoreceu a controversa no seio do movimento operário sobre os fundamentos econômicos do declino do capitalismo.
Para terminar, queremos insistir sobre a unidade do conjunto da obra de Marx que não pode ser dividida entre, dum lado, os escritos políticos e filosóficos e, por outro lado, os escritos econômicos. É para ilustrar esta mesma insistência que o aviso à publicação pela coleção La Plêiade dos escritos econômicos reproduz a citação seguinte, de Marx, no fim de sua vida : "A leitura de Miséria da filosofia e do Manifesto comunista poderão servir de introdução ao estudo do Capital" (tradução é nossa). 

A significação atribuída por Marx ao caráter tendencial da queda da taxa de lucro

A problemática da queda da taxa de lucro exposta por Marx, que fala de "influências contrarian­tes ... que cruzam e superam os efeitos da lei geral" assinala:

"Se se considera o enorme desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social, ainda que somente nos últimos 30 anos, em comparação com todos os períodos anteriores, se se considera a saber a enorme massa de capital fixo que, além da maquinaria propriamente dita, entra no conjunto do processo de produção social, então, no lugar da dificuldade que até agora ocupou os economistas, isto é, explicar a queda da taxa de lucro, aparece a dificuldade inversa, ou seja, explicar por que essa queda não é maior ou mais rápida. Deve haver influências contrarian­tes em jogo, que cruzam e superam os efeitos da lei geral, dando-lhe apenas o caráter de uma tendência, motivo pelo qual também designamos a queda da taxa geral de lucro como uma queda tendencial."

Marx invoca os cinco fatores seguintes que ele estima ser os mais importantes :
· A elevação do grau de exploração do trabalho: Para explorar mais o trabalho, para apropriar-se mais trabalho excedente, "por meio de prolongamento da jornada de trabalho e intensificação do trabalho" ;
· A compressão do salário abaixo de seu valor;
· O barateamento dos elementos do capital constante : "com o desenvolvimento da industria", "o valor do capital constante não cresce na mesma proporção que seu volume material". "… o mesmo desenvolvimento que eleva a massa do capital constante em relação ao variável diminui, em decorrência da força produtiva de trabalho aumentada, o valor de seus elementos, e impede portanto que o valor do capital constante, embora crescendo continuamente, cresça na mesma proporção que seu volume material, ou seja, que o volume material dos meios de produção postos em movimento pela mesma quantidade de força de trabalho. Em casos isolados, a massa dos elementos do capital constante pode até aumentar, enquanto seu valor permanece igual ou até mesmo cai";

· Superpopulação relativa;

· O Comércio exterior : "À medida que o comércio exterior barateia em parte os elementos do capital constante, em parte os meios de subsistência necessários em que o capital variável se converte, ele atua de forma a fazer crescer a taxa de lucro, ao elevar a taxa de mais-valia e ao reduzir o valor do capital constante. Ele atua em geral nesse sentido ao permitir a ampliação da escala da produção. Assim ele acelera, por um lado, a acumulação por outro, também o descenso do capital variável em relação ao capital constante, e com isso a queda da taxa de lucro."

O fator "ampliação da escala da produção", considerado como influência contrarian­te à queda da taxa de lucro é essencial para nos, por duas razoes:

1.  Ao contrario dos outros fatores antagônicos, se trata duma influência contrarian­te inerente à queda da taxa de lucro que é mecanicamente ligada a esta lei assim que existe um mercado permitindo a extensão da produção. Com efeito, como o vimos "o capitalista adiciona menos lucro à mercadoria individual, compensando-se, porém, pelo número maior de mercadorias que ele produz".
2.  este fator estabelece a relação entre as contradições internas, específicas do modo de produção capitalista e aquelas resultando de seu desenvolvimento no seio dum meio econômico-social que ele precisa para crescer. Assim é estabelecida a relação estreita entre, dum lado, a queda tendencial da taxa de lucro e, por outro lado, a contradição "externa", a saturação dos mercados. Como o próprio Marx diz "A contradição interna procura compensar-se pela expansão do campo externo da produção" (Livro III)  

A relação real entre a queda da taxa de lucro e a superprodução

A problemática implicando simultaneamente as contradições essenciais do modo de produção capitalista se resume assim:
· Se as mercadorias não se vendem, a realização da mais-valia extorquida é parcial ou nula ;
· ora o consumo da grande massa da sociedade é reduzido a um mínimo por conta das leis da exploração capitalista, o que constitui uma limitação do mercado em relação às necessidades da produção capitalista ;
· daí a necessidade de ampliar constantemente o mercado ;
· assim, a contradição interna procura compensar-se pela expansão do campo externo da produção.

A citação seguinte Marx traduz exatamente esta problemática:

"A obtenção dessa mais-valia constitui o processo direto de produção que, como foi dito, tem apenas as barreiras indicadas acima. Assim que o quantum demais-trabalho extraível está objetivado em mercadorias, a mais-valia está produzida. Mas com essa produção de mais-valia está concluído apenas o primeiro ato do processo de produção capitalista, o processo direto de produção. O capital absorveu tanto e tanto de trabalho não-pego. Com o desenvolvimento do processo, que se expressa na queda da taxa de lucro, a massa de mais-valia assim produzida se infla enormemen­te. Agora vem o segundo ato do processo. O conjunto da massa de mercadorias, o produto global, tanto a parte que substitui o capital constante e o variável, quanto a que representa a mais-valia, precisa ser vendidoSe isso não acontece ou só acontece em parte ou só a preços que estão abaixo dos preços de produção, então o trabalhador é certamente explorado, mas sua exploração não se realiza enquanto tal para o capitalista, podendo estar ligada a uma realização nula ou parcial da mais-valia extorquida, e mesmo a uma perda parcial ou total de seu capital.

As condições de exploração direta e as de sua realização não são idênticas. Divergem não só no tempo e no espaço, mas também conceitualmente. Umas estão limitadas pela força produtiva da sociedade, outras pela proporcionalidade dos diferentes ramos da produção e pela capacidade de consumo da sociedadeEsta última não é, porém, determinada pela força absoluta de produção nem pela capacidade absoluta de consumomas pela capacidade de consumo com base nas relações antagônicas de distribuição,     que reduzem o consumo da grande massa da sociedade a um mínimo só modificável dentro de limites mais ou menos estreitosAlém disso, ela está limitada pelo impulso à acumulação, pelo impulso à ampliação do capital e à produção de mais-valia em escala mais ampla. Isso é lei para a produção capitalista, dada pelas contínuas revoluções nos próprios métodos de produção, pela desvalorização sempre vinculada a elas do capital disponível, pela luta concorrencial geral e pela necessidade de melhorar a produção e de ampliar sua escala, meramente como meio de manutenção e sob pena de ruína. Por isso, o mercado precisa ser constantemente ampliadode forma que suas conexões e as condições que as regulam assumam sempre mais a figura de uma lei natural independente dos produtores, tornando-se sempre mais incontroláveisA contradição interna procura compensar-se pela expansão do campo externo da produção. Quanto mais, porem, se desenvolve a força produtiva, tanto mais ela entra em conflito com a estreita base sobre a qual repousam as relações de consumo. Sobre essa base contraditória não há, de modo algum, nenhuma contradição no fato de que excesso de capital esteja ligado com crescente excesso de população; pois mesmo que se juntassem ambos, a massa de mais-valia produzida iria aumentar, aumentando com isso a contradição entre as condições em que essa mais-valia é produzida e as condições em que é realizada" (Livro III, seção III)

Para o capitalista, a capacidade de aumentar sua produtividade como também a massa de lucro se chocam com sua capacidade de vender uma produção sempre mais ampla. A queda tendencial da taxa de lucro, deixa de ser tendencial para se tornar efetiva e destruidora de capital quando as forças que a contrariam e a compensam "em tempo normal" se enfraquecem, o que acontece essencialmente quando a ampliação  da produção se torna impossível por conta da insuficiência  dos mercados solváveis permitindo a realização da mais-valia.

Marx não privilegia uma contradição a favor duma outra (queda da taxa de lucro ou superprodução) mas ele fornece entretanto os elementos de análise permitindo de estabelecer claramente que existe uma contradição (a saturação dos mercados) que catalisa as outras (em particular a queda da taxa de lucro).

Assim, "As crises do mercado mundial devem ser compreendidas como a síntese real e a aplanação violenta de todas as contradições desta economia cuja cada esfera expressa os diversos aspetos reunidos nestas crises" (Materiais para a economia – 1861 / 1865 – "As crises") (traduzido por nós) 

A raiz de todas as contradições do capitalismo continua a ser a exploração da casse operária
Para o que nos considera, pensamos de acordo com Marx que a classe operária no seu conjunto não pode constituir um mercado suficiente para a produção capitalista:

"Mas a ilusão de cada capitalista privada, considerado em oposição a todos os demais, que fora de seus próprios operários a classe operaria é feita somente de consumidores e de gente que troca, de gente que dispensa dinheiro e não de operários, provem deste fato que o capitalista esquece o que diz Malthus : "A existência dum lucro realizado sobre uma mercadoria qualquer implica uma demanda outra que a do trabalhador que produziu a mercadoria" e por conseqüente, "a demanda provindo do próprio trabalhador produtivo nunca pode absorver a demanda inteira". Pelo fato que um ramo da produção ativa um outro e ganha assim consumidores no conjunto dos operários empregados pelos demais capitalistas, cada capitalista pensa de maneira errada que toda a classe operaria, criada pela própria produção, basta para tudo. Esta demanda criada pela própria produção incita a  não fazer caso da proporção justa entre o que é preciso produzir para os operários ; ela tende a ultrapassar a demanda dos operários enquanto, no mesmo tempo, a demanda das classes não operarias desaparece ou se reduz consideravelmente; É assim que o desabamento se prepara." (Grundrisse, Capitulo do capital) (traduzido por nós)

A razão disso provém de que o capitalismo vive da exploração do operário:

"O que os operários produzem na realidade é a mais-valia. A condição de eles poderem consumir é de produzir mais-valia. Assim que não produzem mais mais-valia, seu consumo para. Não é porque eles produzem uma equivalente a seu consumo que têm o que consumir (...) Quando a relação entre o operário e o capitalista é reduzida a uma relação de consumidor e produtor, se esquece que o trabalhador assalariado que produz e o capitalista que produz são produtores dum tipo totalmente diferente (com exceção dos consumidores que não produzem nada). De novo é negada a existência desta oposição, fazendo abstração duma oposição que existe realmente dentro da produção. A relação sola entre o trabalhador assalariado e o capitalista implica:

1.  Que a maioria dos produtores (os operários) não são consumidores (não compradores) duma grande proporção do produto do seu trabalho : os meios de trabalho e a matéria-prima ;
2.  Que a maior parte dos produtores (os operários) só podem consumir um equivalente de sua produção quando eles produzem mais de que este equivalente – que dizer que eles produzem a mais-valia ou o mais-produto. Eles constantemente têm que ser sobre-produtores, produzir alem de suas necessidades para poder ser consumidores ou compradores, dentro dos limites de suas necessidades" (Teorias sobre a Mais-valia) (traduzido por nós)

Duas insistências contraditórias cuja unidade não será realizada pela eliminação da uma ou da outra

1) Será que a esfera da produção é capaz ou não de criar o mercado que ela precisa para absorver suas mercadorias ?

No Livro III (e também nas Grundrisse), se encontram afirmações que parecem contrariar o fato que a produção, quaisquer que sejam suas condições, não é capaz de criar seu próprio mercado no seio das relações de produção capitalista[3]. Elas parecem assim contradizer esta outra passagem do Livro III: 

"Como não é a satisfação das necessidades, mas a produção de lucro, a finalidade do capital, e como ele só atinge essa finalidade por métodos que organizam a massa da produção de acordo com a escala da produção, e não vice-versa, então tem de surgir constantemente um conflito entre as dimensões limitadas do consumo em base capitalista e uma produção que constantemente tende a superar essa barreira imanente. De resto, o capital consiste em mercadorias e, por isso, a superprodução de capital implica a de mercadorias" (Livro III, seção III). 

Alguns exemplos de tais passagens

a) "Por outro lado, à medida que a taxa de valorização do capital global, a taxa de lucro, é o aguilhão da produção capitalista (assim como a valorização do capital é sua única finalidade), sua queda retarda a formação de novos capitais autônomos, e assim aparece como ameaça para o desenvolvimento do processo de produção capitalista; ela promove superprodução, especulação, crises, capital supérfluo, ao lado de população supérflua." (Livro III, seção III)

b) "Mas periodicamente são produzidos meios de trabalho e meios de subsistência em demasia para fazê-los funcionar como meios de exploração dos trabalhadores a certa taxa de lucro" (Livro III, seção III)  

Qual é a realidade desta contradição?

Como interpretar esta afirmação (a) e qual implicação deduzir. Não existe, antes ou depois, uma argumentação relativa a estas palavras e que poderia ajudar o entendimento. A única explicação que poderia ser dada  resulta deste fato enunciado por Marx que o capitalista procura compensar a queda da taxa de lucro por um aumento da escala da produção, o que necessariamente favorece a superprodução.

A segunda citação (b) parece na sua vez confirmar esta ideia segundo a qual o nível de superprodução depende de uma "certa taxa de lucro" que o capitalista precisa conseguir. Mas, sendo exprimida com uma outra formulação e também mais argumentada, a citação (b) permite entender melhor do que se trata em realidade.

De fato, ela continua assim: "São produzidas mercadorias em demasia para poder realizar o valor nelas contido e a mais-valia encerrada nele, sob as condições de distribuição e de consumo dadas pela produção capitalista, e poder retransformá-la em novo capital, isto é, levar a cabo esse processo sem explosões sempre recorrentes. Não se produz demasiada riqueza. Mas periodicamente se produz demasiada riqueza em suas formas capitalistas, antitéticas.

A barreira ao modo de produção capitalista se manifesta:

1.  No fato de que o desenvolvimento da força produtiva de trabalho gera, na queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe com a maior hostilidade a seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto constantemente superada por meio de crises.
2.  No fato de que a apropriação de trabalho não-pago, e a proporção desse trabalho não-pago para o trabalho objetivado em geral, ou, expresso de forma capitalista, que o lucro e a proporção desse lucro para o capital aplicado, portanto certo nível da taxa de lucro, decide sobre ampliação ou limitação da produção, em vez de faze-lo a relação entre a produção e as necessidades sociais, as necessidades de seres humanos socialmente desenvolvidos. Por isso surgem barreiras para ela já num grau de ampliação da produção que, ao contrário, sob o outro pressuposto, apareceria como sumamente insuficiente. Ela parará não onde a satisfação das necessidades a obriga, mas onde determina a produção e a realização de lucro" (Livro III, seção III)

Assim, a argumentação ilustra o fato que uma sobre-abundancia da produção resulta na impossibilidade de vendê-la em totalidade, isto é  "o valor contido e a mais-valia encerrada nele não podem ser realizados"A produção não vendida é geralmente perdida, o que implica crises numerosas. Disso resulta a  impossibilidade de realizar um lucro suficiente e dai uma taxa de lucro suficiente que, deste jeito, não pode ser "a certa taxa de lucro" que o capitalista queria.

Assim, esta citação só faz ilustrar de novo que a queda da taxa de lucro vai a par com uma produção mais massiva que é mais difícil de vender.

2) Será que a solução às crises de superprodução se encontra no seio da esfera da produção ?

Depois das passagens citados por cima, se encontram, ainda no Livro III, insistências parecendo induzir a ideia que o capitalismo poderia superar, no seu seio, suas crises de superprodução. 

A propósito da crise, Marx coloca a questão seguinte:

"Como se resolveria novamente esse conflito e se restabeleceriam as condições correspondentes ao movimento "sadio" da produção capitalista? A forma da resolução já está contida na mera formulação do conflito de cuja resolução se trata. Ela implica uma colocação em alqueive e até mesmo um aniquilamento parcial de capital, num montante de valor de todo o capital adicional DC ou então de parte dele. Embora, como já se verifica na apresentação do conflito, a distribuição desse prejuízo não se estende, de modo algum, de maneira uniforme aos diferentes capitais particulares, mas se decide numa luta concorrencial em que, conforme as vantagens especiais ou as posições já conquistas, o prejuízo de reparte de forma muito desigual e muito diferenciada, de modo que um capital é colocado em alqueive, outro é aniquilado, um terceiro apenas sofre prejuízo relativo ou desvalorização transitória.

Mas, sob quaisquer circunstâncias, o equilíbrio se estabeleceria por colocação em alqueive ou mesmo aniquilamento de capital em maior ou menor volume. Isso se estenderia em parte à substância material do capital; isto é, parte dos meios de produção, capital fixo e circulante, não funcionaria, não atuaria como capital: parte dos empreendimentos iniciados seria desativada. Embora, por este lado, o tempo ataque e deteriore todos os meios de produção (excetuado o solo), aqui ocorreria, devido à paralisação, uma destruição real muito maior de meios de produção. (…)
Além disso, a desvalorização dos elementos do capital constante seria em si um elemento que implicaria a elevação da taxa de lucro. A massa de capital constante empregado em relação ao variável teria crescido mas o valor dessa massa poderia ter caído. A paralisação da produção ocorrida teria preparado uma ampliação posterior da produção dentro dos limites capitalistas.

E assim o ciclo seria novamente percorrido. Parte do capital que pela paralisação funcional foi desvalorizada recobraria seu antigo valor. Ademais, com condições de produção ampliada, com um mercado ampliado e com força produtiva mais elevada, o mesmo círculo vicioso seria novamente percorrido." (Livro III, seção III)
Nesta citação, o "mercado ampliado" não aparece explicitamente como um fator da retoma econômica. Assim desaparece esta ideia do Manifesto segundo a qual  a crise, quando se produz, se resolve pela abertura de novos mercados: "As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conterem a riqueza por elas gerada. — E como triunfa a burguesia das crises? Por um lado, pela aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados. De que modo, então? Preparando crises mais omnilaterais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises".(Livro III, seção III) 

Será que se trata de uma evolução do pensamento de Marx sobre este ponto? Absolutamente  não pois a proximidade deste passagem existe um outro que reafirma claramente:
· o caráter transitório do modo de produção capitalista ;
· o caráter necessariamente limitado do consumo das massas operárias muito  insuficientemente solváveis  ;
· a necessidade de procurar "essa demanda no exterior, em mercados distantes" que, sem ambiguidade não pertencem à esfera das relações de produção capitalista, esta esfera não sendo capaz de constituir um mercado suficiente para permitir a valorização do capital ;
· a superprodução resultando da tendência do capitalismo a desenvolver as forças produtivas de maneira absoluta.

"Quando se diz que a superprodução é apenas relativa, isso está inteiramente corretomas todo o modo de produção capitalista é apenas um modo de produção relativocujas barreiras não são absolutas, mas que, para ele, em sua base, são absolutas. Como poderia, se assim não fosse, faltar demanda das mesmas mercadorias das quais a massa do povo carece e como seria possível ter de procurar essa demanda no exterior, em mercados distantes, para poder pagar aos trabalhadores em casa a média dos meios de subsistência necessários? Porque apenas nesse contexto específico, capitalista, o produto excedente ganha uma forma em que seu possuidor só pode colocá­-lo à disposição do consumo assim que se retransforma em capital para ele. Finalmente, quando se diz que os capitalistas só teriam de intercambiar entre si e comer suas mercadorias todo o caráter da produção capitalista é esquecido e se esquece de que se trata da valorização do capital, não de seu consumo. Em suma, todas as objeções contra as manifestações palpáveis da superprodução (manifestações que não se preocupam com essas objeções) se resumem na ideia de que as barreiras à produção capitalista não são barreiras à produção em geral, e portanto também não são barreiras a esse modo especifico de produção, o modo capitalista. A contradição desse modo de produção capitalista consiste, porém, exatamente em sua tendência ao desenvolvimento absoluto das forças produtivas, que entra constantemente em conflito com as condições específicas da produção, em que o capital se move e em que unicamente se pode mover." (Livro III, seção III) 

A importância da questão dos mercados na obra de Marx

Neste texto, já reproduzimos citações de Marx ilustrando o lugar central que ele da à contradição que constitui a superprodução. Continuamos ilustrando isso com outras citações que convergem para esta ideia que a conquista do mercado mundial significaria, para o capitalismo, a permanência de contradições que antes deste momento se exprimiam somente ciclicamente. Aquelas que provêm do Manifesto, mesmo se não são ainda as mais explicitas considerando esta perspectiva esboçada pelo próprio Marx, têm entretanto uma grande importância porque ele considerava, como o assinalamos, que O Manifesto ou a Miséria da filosofia poderiam constituir uma introdução para o estudo do capital.

A realidade da crise de superprodução  

"Nas crises comerciais é regularmente aniquilada uma grande parte não só dos produtos fabricados como das forças produtivas já criadas. Nas crises irrompe uma epidemia social que teria parecido um contra-senso a todas as épocas anteriores — a epidemia da sobreprodução. A sociedade vê-se de repente retransportada a um estado de momentânea barbárie; parece-lhe que uma fome, uma guerra de aniquilação universal lhe cortaram todos os meios de subsistência; a indústria, o comércio, parecem aniquilados. E porquê? Porque ela possui demasiada civilização, demasiados meios de vida, demasiada indústria, demasiado comércio. (...) E como triunfa a burguesia das crises? Por um lado, pela aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados. De que modo, então? Preparando crises mais omnilaterais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises"(Marx, O Manifesto Comunista)

A necessidade sempre crescente de novos mercados conduz a burguesia a conquistar o mercado mundial

"A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem." (Marx, O Manifesto Comunista

O capitalismo na pode encontrar dentro de suas relações de produção, os mercados solváveis necessários para seu desenvolvimento; é a razão pela Qual ele é obrigado a conquistar  mercado mundial
"O mais a produção  capitalista se desenvolve, o mais ela tem que produzir numa escala que não tem nada ver com a demanda imediata mas que depende duma expansão constante do mercado mundial. Ricardo utiliza a afirmação de Say segundo a qual as capitalistas não produzem para o lucro, a mais-valia, mas que produzem valores de uso diretamente para o consumo – para seu próprio consumo. Ele não toma em conta o fato que as mercadorias devem ser convertidas em dinheiro. O consumo dos operários não basta, porque o lucro provem precisamente do fato que o consumo dos operários é inferior ao valor do seu produto e que ele (o lucro) é tão grande como o consumo é relativamente pequeno. O consumo dos próprios capitalistas também é insuficiente." (Teorias sobre a Mais-valia; a teoria de Ricardo sobre o lucro) (traduzido por nós) 

Esta dinâmica de conquista do mercado mundial resulta na crises cada vez mais agudas
"As crises viram mais freqüentes e violentas. É porque a massa dos produtos e daí a necessidade de desembocados crescem enquanto o mercado mundial vira mais estreito ; acontece que cada crise tem para conseqüência a submissão ao mundo comercial um mercado ainda não conquistado ou pouco explorado e diminui assim os desembocados." (Marx, Trabalho assalariado e Capital)

Conclusão 

É de propósito que, até agora neste texto, considerando a análise dos fundamentos econômicos da crise do capitalismo, limitamo-nos aos escritos de Marx e ao seu período contemporâneo. Pensamos que isso constitui a base necessária para o estudo dos problemas.

Colocamos em evidência que a força da contradição "queda tendencial da taxa de lucro" não pode ser avaliada na esfera só da produção na medida em que ela é estreitamente ligada à existência de mercados em quantidade suficiente para absorver a produção capitalista. Será que disso resulta na nossa compreensão, no caso da hipótese abstrata que possa existir permanentemente tais mercados, a impossibilidade de desta contradição ser mortal para o modo de produção capitalista? De jeito nenhum, mas tal hipótese abstrata não toma em conta precisamente este aspecto da realidade segundo o qual a insuficiência dos mercados solváveis constitui, em si e independentemente da queda da taxa de lucro, um fator de crise que já se manifestou bem antes uma hipotética crise mortal do capitalismo provocada pela queda da taxa de lucro. É o que ilustrou a existência das crises cíclicas que pontuaram o desenvolvimento do capitalismo durante o século XIX, crises que tinham como causa a insuficiência momentânea de mercados solváveis e que foram superadas, toda vez, pela abertura de novos mercados extracapitalistas.    

Além disso, assim que as relações de produção capitalista acabaram de conquistar o mundo, a contradição resultando da insuficiência dos mercados extracapitalistas (relativamente às necessidades do capitalismo) tende a se tornar permanente e constitui o fundamento da crise mortal do capitalismo. Será que isso significa que a queda da taxa de lucro nunca se expressou na realidade como fator de crise ? De jeito nenhum e ela se expressa deste jeito com tanta força quanto os mercados são saturados, mas o que determina a crise é a ausência de mercados  e não a queda da taxa de lucro.

Durante a maior parte deste texto refutamos os diferentes tipos de argumentos segundo os quais a queda da taxa de lucro constitui o âmago das contradições do capitalismo. É a razão pela qual esta refutação se apóia muitas vezes sobre argumentos do livro III, centrado no estudo da contradição "queda da taxa de lucro", que relativizam esta contradição, a ligando com a contradição central dos mercados solváveis. Estes argumentos e nosso método podem entretanto deixar pensar que a questão dos mercados é um "fator exterior" ao capitalismo. Não é a realidade nem a visão que Marx dá desta realidade através de sua obra  pois, embora seja uma contradição exterior à esfera da produção, não é uma contradição exterior ao modo de produção capitalista.

O que caracteriza em primeiro lugar o capitalismo, como modo de produção, é a produção de mercadorias. É o que ilustra a frase seguinte do capital: "A riqueza das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista apresenta-se como uma "imensa acumulação de mercadorias"". Por isso, mais de que quaisquer outros modos de produção que o precederam, o capitalismo é estreitamente dependente de outros modos de produção que constituem seu "alimento", os conquistando com "o preço baixo de suas mercadorias", como diz o Manifesto comunista. Esta necessidade de "submeter" mercados extracapitalistes faz parte de sua natureza própria (da mesma maneira que a existência da força de trabalho sob a forma de mercadoria) e tudo o que impede a realização desta necessidade constitui para ele uma contradição fundamental. Assim não é por acaso, se Marx acorda tal importância no conjunto de sua obra à questão dos mercados quando se trata de entender a crise do capitalismo. Além disso, como já o assinalamos neste texto, não é também por acaso se as únicas explicações das causas da crise publicadas por Marx quando era vivo são relativas à superprodução e não à queda da taxa de lucro. Na realidade, a análise desta última contradição conserva na obra de Marx um caráter exploratório, que ainda não chegou a maturidade e não vem, de jeito nenhum, suplantar a sua tese central da superprodução que continua sendo invocada com força, inclusive nos textos experimentais próprios nos quais se trata da queda da taxa de lucro (Grundrisse, Livro III), mesmo quando tais textos, como As teorias sobre a mais-valia, foram escritos mais o menos na mesma época, talvez mais tarde, que as notas reunidas por Engels para elaborar o Livro III. É também significativo que quando ele revisou a edição de 1891 de Trabalho assalariado e capital, Engels pensou necessário corrigir alguns aspetos mas sem alterar de nenhuma maneira a importância da questão dos mercados (a queda da taxa de lucro sendo ausente desta obra), o que significa que, na ideia que ele tinha da compreensão de Marx e também de sua compreensão própria, esta questão permanecia central. Tal ponto de vista era também o de Kautsky que, antes de trair, era considerado, inclusive por Lênin, como o teórico mais capaz de defender a ortodoxia do marxismo. É por conta disso que ele era considerado como a "papa" do Marxismo. Eis a análise que ele desenvolvia na sua polêmica contra Tougan-Baranovsky que defendia a ideia que as crises do capitalismo não resultam duma insuficiência do consumo solvável em relação à capacidade de expansão da produção capitalista mas duma simples desproporção entre os diferentes setores e que esta última poderia ser evitada pelo meio de intervenções adequadas dos governos (ideia derivada a partir duma tese da economia burguesa formulada por JB Say segundo a qual o capitalismo nunca pode conhecer reais problemas de mercados):

"Os capitalistas e os operários que eles empregam constituem um mercado para os meios de produção produtos pela industria, mercado que cresce com o crescimento da riqueza dos primeiros e o número dos segundos, menos rápido entretanto que a acumulação do capital e a produtividade do trabalho, mas  este mercado não basta para absorver os meios de consumo produtos pela grande industria capitalista. A industria deve procurar mercados suplementares no exterior de sua esfera dentro das profissões e nações que não produzem ainda segundo o modo capitalista. Ela os encontra e os amplia sem parar, mas lentamente demais. Pois estes mercados suplementares são longe de ter a elasticidade e a capacidade de expansão da produção capitalista.

Desde o momento em que a produção capitalista se desenvolveu e se tornou grande industria, como foi o caso na Inglaterra no século XIX, ela teve essa capacidade de avançar por grandes saltos para frente, até dobrar em pouco tempo a expansão do mercadoAssim, cada período de prosperidade seguindo uma expansão brusca do mercado é condenado a uma vida breve, a crise acabando inevitavelmente com ele. Assim é, em ouças palavras, a teoria das crises adotada geralmente, segundo o que sabemos, pelos "marxistas ortodoxos" e fundada por Marx." (Um artigo publicado na Neue Zeit em 1902)

A questão que não se pode evitar colocar é porque foi somente bem depois da morte de Marx que, no começo do século XX, teorias colocando a queda da taxa de lucro no centro das contradições do capitalismo em lugar da questão dos mercados, nasceram e se desenvolveram até ter o sucesso  que sabemos por seguinte dentro do "marxismo oficial" defendido pelas varias correntes da burguesia (stalinistas e trotskistas em particular) mas também no seio de grupos revolucionários.

Antes de tentar interpretar o fenômeno – o que faremos só em parte nesta conclusão – é necessário, em primeiro lugar, lembrar a realidade segundo a qual não foi a esquerda da social-democracia que adotou uma explicação da crise baseada de maneira central (até exclusiva) sobre a contradição da queda da taxa de lucro mas as correntes oportunistas no seio dos quais se encontravam personagens como Hilferding. E porque estes correntes adotaram preferencialmente esta explicação em lugar da outra ligada à questão dos mercados? Nada mais que, ao contrario desta última, a teoria da queda de lucro permitia adiar para um futuro longínquo a questão do desabamento catastrófico do capitalismo e, assim, da luta revolucionaria.

E é pelas mesmas razões, mas a partir de uma postura de classe oposta que, muito cedo, foi no seio da esquerda da social-democracia através da pessoa de Rosa Luxemburgo, que se expressou de vez o combate contra o oportunismo da social-democracia e o combate para a continuidade e o desenvolvimento da teoria marxista considerando as contradições do capitalismo. Porque, em seguida, foi a teoria que prestava mais para se acomodar do oportunismo que superou a teoria que prestava menos para isso[4], no campo revolucionário? Pode-se dizer que a teoria da queda da taxa de lucro foi impulsionada pela notoriedade adquirida por Lênin com a revolução de outubro na medida em que seu texto O imperialismo estagio supremo se refere amplamente a esta teoria e ao trabalho de Hilferding. Sabemos que nenhum revolucionário é capaz por si só de fazer uma contribuição sobre todas as questões colocadas diante do movimento operário. O internacionalismo inabalável de Lênin era apoiado sobre uma fidelidade sem falha aos princípios do marxismo, o que o levou, assim como Rosa Luxemburgo, a combater Kautsky. O fato de se ter inspirado dos escritos dos reformistas (Hilferding) para desenvolver sua teoria do imperialismo não conseguiu enfraquecer o vigor se seu combate para a revolução. Na realidade, apesar desta fraqueza de seu estudo, ele analisa corretamente o estouro do primeiro conflito mundial como o resultado do acabamento da partilha do mundo entre as principais potencias mundiais. Entretanto, desta fraqueza resultou um enfraquecimento da teoria revolucionária considerando a análise do imperialismo[5] : de fato, o movimento operário adotou as posições de Lênin, várias vezes de maneira dogmática na exceção da corrente ligada à Esquerda comunista italiana (entretanto de tradição leninista)  cujos grupos como a Fração da esquerda italiana (Bilan) durante o período entre as duas guerras ou Internationalisme durante a Segunda guerra mundial, debateram da teoria de Rosa Luxemburgo que coexistia, no seio da mesma organização com outras analises (Lênin, Boukharine, Grossmann).

Quanto ao sucesso que encontram ainda hoje, nas frações da burguesia ligadas ao stalinismo e ao trotskismo, as teorias de Lênin sobre o imperialismo (geralmente deliberadamente deformadas pela acentuação de seus erros originais), ele é ligado ao fato que, quando a burguesia se apodera de grandes figuras do movimento operário é, seja para "transformá-las  em ícones inofensivos", seja para explorar contra a classe operária posições erradas ou insuficientes que defenderam e sobre as quais a história já deu seu veredicto. 


[1] A vantagem é dupla : fornecer o contexto das passagens utilizadas na argumentação e ajudar a relativizar as diferenças que existem às vezes entre uma edição e uma outra do Capital, diferenças que não são ligadas necessariamente à língua da edição mas podem ser relacionadas a coloração política do editor.
[2] O Livro IV foi compilado por Kautsky com base das notas de Marx. Exatamente do mesmo modo que fez Engels com os livros II e III. Entretanto, este apelido "Livro IV" não significa necessariamente que os documentos que ele contem tivessem sido escritos depois dos do Livro III.
[3] Esta afirmação não é mais verdade considerando as relações de produção extracapitalistas no seio das quais o preço barato das mercadorias constitui um fator – mas não o único – de abertura de novos mercados pelo capitalismo.  
[4] Isso não significa, longe disso, que a análise da contradição relativa à queda da taxa de lucro tenha sido rejeitada por Luxemburgo.
[5] Mas não é sobre este aspeto particular que seus erros foram as mais graves porque "o direito das nações a dispor de si" teve conseqüências catastróficas, já durante a onda revolucionária, quando o proletariado de nações como a Finlândia foi massacrado depois que a burguesia deste país se autodeterminou ... a escolher o campo da reação mundial contra a revolução.

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