Marx, a questão dos mercados e a queda tendencial
da taxa de lucro
Quando
os intelectuais ditos marxistas e as organizações pretendidas marxistas
(trotskistas, stalinistas, ...), todos a serviço da burguesia,
pretendem defender a visão de Marx das contradições mortais do capitalismo
agindo no plano econômico, na maioria dos casos se referem exclusivamente à
queda tendencial da taxa de lucro descoberta por Marx. De maneira geral, todos
relativizam, quando não o consideram como insignificante - apesar de ser muito
presente na obra de Marx - este fator de crise constituído pela superprodução
devido à insuficiência dos marcados solváveis. O problema é que o mesmo
procedimento se encontra, com vários graus, por parte de algumas correntes ou
elementos politizados que defendem posições revolucionarias. Um tal método de
análise das contradições econômicas do capitalismo constitui, do nosso ponto de
vista, um erro que colocamos em evidência no texto em seguida com intento de
fortalecer o campo do proletariado no plano teórico, e evidentemente não o de
esclarecer os diferentes tipos de defensores do capitalismo.
Através
deste texto, baseado sobre um pleno reconhecimento da realidade da contradição
"queda tendencial da taxa de lucro", queremos demonstrar, pelo uso
exclusivo da obra de Marx, o caráter central e determinante da contradição que
resulta da insuficiência dos marcados solváveis à produção capitalista, e
também a relação que existe entre estas duas contradições que se potencializam.
Por
fim, julgamos necessário de lembrar neste texto a posição clássica do marxismo
ortodoxo que prevaleceu até o inicio do século 20, posicionamento que colocava
a questão dos mercados no coração das contradições do capitalismo. Explicamos
também porque depois aconteceu uma mudança.
Para
facilitar a exposição de nossa postura, cada vez que for necessário,
lembraremos a definição de alguns conceitos clássicos pelo meio de citações
amplas de Marx (Quando não há indicação contaria, toda acentuação dentro das
citações é nossa), toda vez que for necessário ([1]).
Isto vale também para facilitar o acesso ao debate pelos companheiros que não
são muito acostumados com o assunto.
A
definição, segundo Marx, da contradição "queda tendencial da taxa de
lucro"
Em
que consiste, segundo Marx, a lei da queda da taxa de lucro? Com o
desenvolvimento da industria a da produtividade do trabalho, uma proporção
crescente das despesas do capitalista é dedicada às matérias-primas e às
maquinas mais sofisticadas. No sentido contrario, o trabalho vivo diminui na
mesma proporção. O problema para o capitalista é que é unicamente o trabalho
vivo (o capital variável) que produz um valor adicional que constitui o lucro
capitalista. Este fenômeno é diretamente perceptível em cada mercadoria que
gera assim um lucro decrescente:
"Com
o desenvolvimento da força produtiva e a composição superior do capital, que
lhe corresponde, põem um quantum cada vez maior de meios de produção em
alimento por um quantum cada vez menor de trabalho, cada parte alíquota do
produto global, cada mercadoria individual ou cada medida individual
de determinada mercadoria da massa global produzida absorve menos trabalho vivo
e, além disso, contém menos trabalho objetivado, tanto na depreciação do
capital fixo empregado quanto nas matérias-primas e auxiliares utilizadas. Cada
mercadoria individual contém, portanto, uma soma menor de trabalho objetivado
nos meios de produção e de trabalho novo agregado durante a produção. Por isso
cai o preço da mercadoria individual (...) Com a diminuição
absoluta enormemente incrementada no curso do desenvolvimento da produção, da
soma de trabalho vivo, recém-agregado à mercadoria
individual, também diminuirá absolutamente a massa de
trabalho não-pago nela contido, por mais que tenha
crescido relativamente, a saber, em proporção à parte paga. A massa
de lucro sobre cada mercadoria individual irá diminuir muito com o desenvolvimento da força
produtiva de trabalho, apesar do crescimento da taxa de mais-valia (...)"
(Livro III, seção III)
Entretanto, Marx fica atento para nunca separar
ambos lados desta lei ; quando diminui a taxa de lucro, a massa de lucro
aumenta porque uma quantidade maior de
mercadorias é produzida:
· "O fenômeno que se origina da natureza do
modo de produção capitalista, de que, com produtividade crescente do trabalho,
o preço da mercadoria individual ou de dada cota de mercadorias cai, o número
de mercadorias sobe, a massa de lucro sobre a mercadoria individual e a taxa de
lucro sobre a soma de mercadorias caem, a massa de lucro porém sobre a
soma global das mercadorias sobe - esse fenômeno na superfície só
apresenta: queda da massa de lucro sobre a mercadoria individual,
queda de seu preço, crescimento da massa de lucro sobre o número global aumentado
das mercadorias que o capital global da sociedade ou o capitalista individual
produz. Isso é, então, interpretado como se o capitalista, por sua livre
vontade, adicionasse menos lucro à mercadoria individual, compensando-se,
porém, pelo número maior de mercadorias que ele produz. Essa visão
baseia-se na concepção de lucro sobre a alienação (profit upon
alienation)'' que, por sua vez, foi abstraída da concepção
do capital comercial." (Livro III, seção III)
· "Com o desenvolvimento do modo de
produção capitalista cai, portanto, a taxa de lucro, enquanto sua
massa sobe com a massa crescente do capital empregado. Dada a taxa, a
massa absoluta em que o capital cresce depende de sua grandeza existente."
(Livro III, seção III)
Assim,
fazendo abstração das condições nas quais uma tal contradição poderia
constituir um obstáculo decisivo à acumulação capitalista, era estabelecida a
prova que o capitalismo, longe de constituir um modo de produção eterno, era
necessariamente condenado a desaparecer por conta de suas contradições internas
próprias, como os modos de produção que o precederam.
A
importância desta contradição
Ela
se reflita na emoção que provoca nas economistas burgueses (como Ricardo):
"O
importante, porém, em seu horror ante a taxa de lucro em queda, é a sensação de
que o modo de produção capitalista encontra no desenvolvimento das forças
produtivas uma barreira que nada tem a ver com a produção da riqueza enquanto
tal; e essa barreira popular testemunha a limitação e o caráter tão-somente
histórico e transitório do modo de produção capitalista; testemunha que ele
não é um modo de produção absoluto para a produção da riqueza, mas que antes
entra em conflito com seu desenvolvimento, em certo estágio"
(Livro III, seção III).
Como, segundo Marx, age esta contradição do modo de
produção capitalista ?
Em
que pode realmente consistir esta contradição quando a queda da taxa de lucro é
acompanhada com um aumento da massa do lucro sobre o conjunto dos produtos ?
Marx coloca em evidência que a competitividade no mercado mundial de cada
mercadoria que produz o capitalista, depende da sua capacidade de investir cada
vez mais capital para conseguir em retorno, sobre cada mercadoria, um lucro
menor relativamente ao capital investido, e que o único meio que ele tem de
escapar desta lei é de acrescentar consideravelmente o tempo de trabalho
excedente dos operários que ele explora, o que tem obviamente um limite.
· "Com a queda da taxa de lucro, cresce
o mínimo de capital que o capitalista individual precisa ter em mãos para o emprego produtivo
do trabalho: mínimo que é necessário tanto para sua exploração
em geral, quanto para que o tempo de trabalho empregado seja o tempo
de trabalho necessário à produção das mercadorias, para que não ultrapasse a
média do tempo de trabalho socialmente necessário à produção das
mercadorias."(Livro III, seção III)
· "Conforme se demonstrou na parte terceira
deste livro, a taxa de lucro diminui na proporção em que aumenta a acumulação
de capital e acresce a correspondente produtividade do trabalho social, a
qual se expressa no decréscimo relativo cada vez mais acentuado da parte
variável do capital, comparada com a constante. Para produzir a mesma
taxa de lucro, se o trabalhador passa a movimentar um capital constante dez
vezes maior, é mister que decuplique também o tempo de trabalho excedente,
e logo nem o tempo todo de trabalho daria para isso, mesmo que o capital se
apoderasse das 24 horas do dia." (Livro III, seção V)
Marx
identifica este fenômeno como sendo na origem das crises que pontuam o
desenvolvimento do capitalismo no século XIX : "No fato de que o desenvolvimento
da força produtiva de trabalho gera, na queda da taxa de lucro, uma
lei que em certo ponto se opõe com a maior hostilidade a seu próprio
desenvolvimento, tendo de ser portanto constantemente superada por meio de
crises".
Entretanto,
as condições de desenvolvimento e de fim das crises numerosas ligadas com um
conjunto de fatores cuja queda da taxa de lucro constitui um elemento, mas que,
considerado em si, não é determinante
Com
que método analisar as contradições do capitalismo no mundo real ?
Uma
analise do sistema considerada por si mesmo, como uma totalidade, in
vitro, era uma necessidade para entender melhor suas próprias leis e, como
veremos mais para frente, um tal método é empregado no Livro I. É também
empregado parcialmente para estudar a queda da taxa de lucro no livro III. Mas
um tal procedimento, embora seja necessário, não pode em si, ser
suficiente.
Com
efeito, o que dizer de um método que, de propósito, se limitaria a uma
etapa necessária mas não suficiente do estudo de um fenômeno considerado em si,
isolado de seu meio histórico e dos fatores externos com os quais ele interage? Que suas conclusões só poderiam ser parciais e com
certeza não operantes quando se trata de entender como agem as contradições na
realidade, e não dentro dum laboratório.
É
justamente o ponto de vista de Marx pois, já no livro III do Capital, existe
uma tentativa da sua parte para fazer uma síntese entre as contradições
inerentes do modo de produção capitalista e aquelas contradições resultando do
desenvolvimento deste sistema no seio do seu meio econômico-social, o mundo em
que se desenvolveu. Quanto a estas contradições exteriores, Marx já tinha
começado a colocá-las em evidencia no Manifesto e continuou depois, em
particular com as Teorias sobre a Mais-valia.
Na realidade, foi Marx o primeiro que criticou um
tal método consistindo em considerar o
capitalismo de maneira absoluta, em si, sem se preocupar das condições nas
quais ele se move:
"Quando
se diz que a superprodução é apenas relativa, isso está inteiramente correto; mas
todo o modo de produção capitalista é apenas um modo de produção relativo, cujas
barreiras não são absolutas, mas que, para ele, em sua base, são
absolutas(...)A contradição desse modo de produção capitalista consiste, porém,
exatamente em sua tendência ao desenvolvimento absoluto das forças produtivas,
que entra constantemente em conflito com as condições específicas da
produção, em que o capital se move e em que unicamente se pode mover."
(Esta passagem do Livro III - seção III – é citada mais amplamente numa parte
seguinte deste texto na qual se trata das insistências contraditórias existindo
no Livro III)
Com
que método apreender a obra de Marx sobre a economia
O Capital,
e a obra inteira de Marx só podem ser entendidos como o estudo dos processos
que conduzem à derrubada e ao desaparecimento deste sistema. O volume I
anuncia uma época em que :
"o
monopólio do capital se torna um obstáculo para o modo de produção que cresceu
e prosperou com ele e sob seus auspícios. A socialização do trabalho e a
centralização de seus recursos materiais chegam a um ponto tal que não podem
mais caber na concha capitalista. Esta concha se parte em pedaços. A hora do
fim da propriedade capitalista já chegou. Os expropriadores serão por sua vez
expropriados" (Livro I, seção I) (traduzido por nós)
O
primeiro Livro do capital é, principalmente, um estudo crítico do
processo de produção capitalista. Seu principal objetivo é o de desmascarar a
exploração capitalista e se limita essencialmente, por conta disso, à análise
das relações diretas entre o proletariado e a classe capitalista, utilizando,
para isso, um modelo abstrato no qual as outras classes e formas de produção
não têm importância significativa. É nos livros seguintes, em particular no
Livro III e nas Teorias sobre a Mais-valia (segunda parte) como nos Grundrisse que
Marx desenvolve a fase seguinte de seu ataque contra a sociedade burguesa : a
demonstração de que a derrubada do capital será o resultado das
contradições enraizadas no âmago do sistema, na própria produção da mais-valia.
Marx
coloca em evidência um conjunto de contradições do capitalismo, as duas
seguintes em particular:
· a tendência da taxa de lucro em queda com a
inevitável elevação constante da composição do capital ;
· o problema da superprodução, uma doença inata do
sistema capitalista que produz mais do que o mercado pode absorver.
O Capital é
necessariamente um trabalho inacabado, por duas razoes:
· a primeira resulta do fato de que Marx não viveu
bastante tempo para acabá-lo, o que é fácil perceber quando se compara o que
foi realizado com o que Marx tinha a intenção de fazer: "Estudo o
sistema da economia burguesa nesta ordem: capital, propriedade do solo,
trabalho assalariado, Estado, comércio exterior, mercado mundial."
Sob o três primeiros títulos, investigo as condições econômicas de vida de três grandes classes em que se divide a moderna sociedade burguesa; a conexão entre os três títulos restante salta à vista" (Prefácio da Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política). Vale a pena aqui assinalar que em nenhum texto publicado quando Marx era vivo, quer dizer com a consciência plena e o controle total de seu conteúdo, é invocada a queda da taxa de lucro como causa da crise.
Sob o três primeiros títulos, investigo as condições econômicas de vida de três grandes classes em que se divide a moderna sociedade burguesa; a conexão entre os três títulos restante salta à vista" (Prefácio da Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política). Vale a pena aqui assinalar que em nenhum texto publicado quando Marx era vivo, quer dizer com a consciência plena e o controle total de seu conteúdo, é invocada a queda da taxa de lucro como causa da crise.
· a segunda razão resulta de que ele foi escrito num
período histórico durante o qual as relações sociais capitalistas ainda não se
tinham tornado definitivamente um obstáculo ao desenvolvimento das forças
produtivas.
Este
caráter necessariamente inacabado do Capital tem a ver com a fato de que,
quando ele define o elemento fundamental da crise capitalista, Marx insiste ora
sobre o problema da superprodução, ora sobre a tendência para a queda da taxa
de lucro mas nunca estabelece uma separação mecânica e rígida entre os dois :
por exemplo, o capitulo do terceiro Livro dedicado às conseqüências da queda da
taxa de lucro, contém também algumas das passagens mais claras sobre o problema
do mercado. Estas passagens não são, entretanto, exceções, porque também na polêmica
com Ricardo, nas Teorias sobre a Mais-valia(Livro Quatro do Capital ([2])),
Marx considera a superprodução de mercadorias como o "fenômeno fundamental
das crises" : "... o modo de produção burguês constitui um limite
para o livre desenvolvimento das forças produtivas, limite que se manifesta nas
crises, e em particular na superproduçao – fenômeno a base das crises".
(traduzido por nós)
É
este caráter inacabado do Capital que favoreceu a controversa no seio do
movimento operário sobre os fundamentos econômicos do declino do capitalismo.
Para
terminar, queremos insistir sobre a unidade do conjunto da obra de Marx que não
pode ser dividida entre, dum lado, os escritos políticos e filosóficos e, por
outro lado, os escritos econômicos. É para ilustrar esta mesma insistência que
o aviso à publicação pela coleção La Plêiade dos escritos econômicos reproduz a
citação seguinte, de Marx, no fim de sua vida : "A leitura de Miséria
da filosofia e do Manifesto comunista poderão servir
de introdução ao estudo do Capital" (tradução é nossa).
A
significação atribuída por Marx ao caráter tendencial da queda da taxa de lucro
A
problemática da queda da taxa de lucro exposta por Marx, que fala de "influências
contrariantes ... que cruzam e superam os efeitos da
lei geral" assinala:
"Se
se considera o enorme desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social,
ainda que somente nos últimos 30 anos, em comparação com todos os períodos
anteriores, se se considera a saber a enorme massa de capital fixo que,
além da maquinaria propriamente dita, entra no conjunto do processo de produção
social, então, no lugar da dificuldade que até agora ocupou os economistas,
isto é, explicar a queda da taxa de lucro, aparece a dificuldade inversa, ou
seja, explicar por que essa queda não é maior ou mais rápida. Deve haver influências
contrariantes em jogo, que cruzam e superam os efeitos da lei
geral, dando-lhe apenas o caráter de uma tendência, motivo pelo
qual também designamos a queda da taxa geral de lucro como uma queda tendencial."
Marx
invoca os cinco fatores seguintes que ele estima ser os mais importantes :
· A elevação do grau de exploração do trabalho: Para
explorar mais o trabalho, para apropriar-se mais trabalho excedente, "por
meio de prolongamento da jornada de trabalho e intensificação do trabalho"
;
· A compressão do salário abaixo de seu valor;
· O barateamento dos elementos do capital constante :
"com o desenvolvimento da industria", "o valor do
capital constante não cresce na mesma proporção que seu volume material". "…
o mesmo desenvolvimento que eleva a massa do capital constante em relação ao
variável diminui, em decorrência da força produtiva de trabalho aumentada, o
valor de seus elementos, e impede portanto que o valor do capital constante,
embora crescendo continuamente, cresça na mesma proporção que seu volume
material, ou seja, que o volume material dos meios de produção postos em
movimento pela mesma quantidade de força de trabalho. Em casos isolados, a
massa dos elementos do capital constante pode até aumentar, enquanto seu valor
permanece igual ou até mesmo cai";
· O Comércio exterior : "À medida que o
comércio exterior barateia em parte os elementos do capital constante, em parte
os meios de subsistência necessários em que o capital variável se converte, ele
atua de forma a fazer crescer a taxa de lucro, ao elevar a taxa de mais-valia e
ao reduzir o valor do capital constante. Ele atua em geral nesse sentido ao
permitir a ampliação da escala da produção. Assim ele acelera, por
um lado, a acumulação por outro, também o descenso do capital variável em
relação ao capital constante, e com isso a queda da taxa de lucro."
O
fator "ampliação da escala da produção", considerado como
influência contrariante à queda da taxa de lucro é essencial para nos, por
duas razoes:
1. Ao contrario dos outros fatores antagônicos, se
trata duma influência contrariante inerente à queda da taxa de lucro que é
mecanicamente ligada a esta lei assim que existe um mercado permitindo a
extensão da produção. Com efeito, como o vimos "o capitalista adiciona
menos lucro à mercadoria individual, compensando-se, porém, pelo número maior
de mercadorias que ele produz".
2. este fator estabelece a relação entre as
contradições internas, específicas do modo de produção capitalista e aquelas
resultando de seu desenvolvimento no seio dum meio econômico-social que ele
precisa para crescer. Assim é estabelecida a relação estreita entre, dum lado,
a queda tendencial da taxa de lucro e, por outro lado, a contradição
"externa", a saturação dos mercados. Como o próprio Marx diz "A
contradição interna procura compensar-se pela expansão do campo externo da
produção" (Livro III)
A
relação real entre a queda da taxa de lucro e a superprodução
A
problemática implicando simultaneamente as contradições essenciais do modo de
produção capitalista se resume assim:
· Se as mercadorias não se vendem, a realização da
mais-valia extorquida é parcial ou nula ;
· ora o consumo da grande massa da sociedade é
reduzido a um mínimo por conta das leis da exploração capitalista, o que
constitui uma limitação do mercado em relação às necessidades da produção
capitalista ;
· daí a necessidade de ampliar constantemente o
mercado ;
· assim, a contradição interna procura compensar-se
pela expansão do campo externo da produção.
A
citação seguinte Marx traduz exatamente esta problemática:
"A
obtenção dessa mais-valia constitui o processo direto de produção
que, como foi dito, tem apenas as barreiras indicadas acima. Assim que o
quantum demais-trabalho extraível está objetivado em mercadorias, a mais-valia está
produzida. Mas com essa produção de mais-valia está concluído apenas
o primeiro ato do processo de produção capitalista, o processo direto de
produção. O capital absorveu tanto e tanto de trabalho não-pego. Com
o desenvolvimento do processo, que se expressa na queda da taxa de lucro, a
massa de mais-valia assim produzida se infla enormemente. Agora
vem o segundo ato do processo. O conjunto da massa de mercadorias, o produto
global, tanto a parte que substitui o capital constante e o variável, quanto a
que representa a mais-valia, precisa ser vendido. Se isso
não acontece ou só acontece em parte ou só a preços que estão abaixo dos preços
de produção, então o trabalhador é certamente explorado, mas sua exploração não
se realiza enquanto tal para o capitalista, podendo estar ligada a uma
realização nula ou parcial da mais-valia extorquida, e mesmo a uma
perda parcial ou total de seu capital.
As condições de exploração direta e as de sua
realização não são idênticas. Divergem não só no tempo e no espaço, mas também conceitualmente. Umas
estão limitadas pela força produtiva da sociedade, outras pela
proporcionalidade dos diferentes ramos da produção e pela capacidade de
consumo da sociedade. Esta última não é, porém, determinada pela
força absoluta de produção nem pela capacidade absoluta de consumo; mas
pela capacidade de consumo com base nas relações antagônicas de distribuição, que reduzem o consumo da
grande massa da sociedade a um mínimo só modificável dentro de
limites mais ou menos estreitos. Além disso, ela está
limitada pelo impulso à acumulação, pelo impulso à ampliação do
capital e à produção de mais-valia em escala mais ampla.
Isso é lei para a produção capitalista, dada pelas contínuas revoluções nos
próprios métodos de produção, pela desvalorização sempre vinculada a
elas do capital disponível, pela luta concorrencial geral e pela necessidade de
melhorar a produção e de ampliar sua escala, meramente como meio de manutenção
e sob pena de ruína. Por isso, o mercado precisa ser constantemente
ampliado, de forma que suas conexões e as condições que as regulam
assumam sempre mais a figura de uma lei natural independente dos produtores,
tornando-se sempre mais incontroláveis. A contradição interna
procura compensar-se pela expansão do campo externo da produção.
Quanto mais, porem, se desenvolve a força produtiva, tanto mais ela
entra em conflito com a estreita base sobre a qual repousam as relações de
consumo. Sobre essa base contraditória não há, de modo algum, nenhuma
contradição no fato de que excesso de capital esteja ligado com crescente
excesso de população; pois mesmo que se juntassem ambos, a massa de mais-valia produzida
iria aumentar, aumentando com isso a contradição entre as condições em que essa mais-valia é
produzida e as condições em que é realizada" (Livro
III, seção III)
Para
o capitalista, a capacidade de aumentar sua produtividade como também a massa
de lucro se chocam com sua capacidade de vender uma produção sempre mais ampla. A
queda tendencial da taxa de lucro, deixa de ser tendencial para se tornar
efetiva e destruidora de capital quando as forças que a contrariam e a
compensam "em tempo normal" se enfraquecem, o que acontece
essencialmente quando a ampliação da produção se torna impossível por
conta da insuficiência dos mercados solváveis permitindo a realização da
mais-valia.
Marx
não privilegia uma contradição a favor duma outra (queda da taxa de lucro ou
superprodução) mas ele fornece entretanto os elementos de análise permitindo de
estabelecer claramente que existe uma contradição (a saturação dos mercados)
que catalisa as outras (em particular a queda da taxa de lucro).
Assim,
"As crises do mercado mundial devem ser compreendidas como a síntese
real e a aplanação violenta de todas as contradições desta economia cuja cada
esfera expressa os diversos aspetos reunidos nestas crises" (Materiais
para a economia – 1861 / 1865 – "As crises") (traduzido por
nós)
A
raiz de todas as contradições do capitalismo continua a ser a exploração da
casse operária
Para
o que nos considera, pensamos de acordo com Marx que a classe operária
no seu conjunto não pode constituir um mercado suficiente para a produção
capitalista:
"Mas
a ilusão de cada capitalista privada, considerado em oposição a todos os
demais, que fora de seus próprios operários a classe operaria
é feita somente de consumidores e de gente que troca, de gente que dispensa
dinheiro e não de operários, provem deste fato que o capitalista esquece o que
diz Malthus : "A existência dum lucro realizado sobre uma mercadoria
qualquer implica uma demanda outra que a do trabalhador que
produziu a mercadoria" e por conseqüente, "a demanda
provindo do próprio trabalhador produtivo nunca pode absorver a demanda inteira".
Pelo fato que um ramo da produção ativa um outro e ganha assim consumidores no
conjunto dos operários empregados pelos demais capitalistas, cada capitalista
pensa de maneira errada que toda a classe operaria, criada pela própria
produção, basta para tudo. Esta demanda criada pela própria produção incita
a não fazer caso da proporção justa entre o que é preciso
produzir para os operários ; ela tende a ultrapassar a demanda dos operários
enquanto, no mesmo tempo, a demanda das classes não operarias desaparece ou se
reduz consideravelmente; É assim que o desabamento se prepara." (Grundrisse,
Capitulo do capital) (traduzido por nós)
A razão disso provém de que o capitalismo vive da
exploração do operário:
"O
que os operários produzem na realidade é a mais-valia. A condição de eles
poderem consumir é de produzir mais-valia. Assim que não produzem mais
mais-valia, seu consumo para. Não é porque eles produzem uma equivalente a seu
consumo que têm o que consumir (...) Quando a relação entre o operário e o
capitalista é reduzida a uma relação de consumidor e produtor, se esquece que o
trabalhador assalariado que produz e o capitalista que produz são produtores
dum tipo totalmente diferente (com exceção dos consumidores que não produzem
nada). De novo é negada a existência desta oposição, fazendo
abstração duma oposição que existe realmente dentro da produção. A relação sola
entre o trabalhador assalariado e o capitalista implica:
1. Que a maioria dos produtores (os operários)
não são consumidores (não compradores) duma grande proporção do produto do seu
trabalho : os meios de trabalho e a matéria-prima ;
2. Que a maior parte dos produtores (os operários) só
podem consumir um equivalente de sua produção quando eles produzem mais de que
este equivalente – que dizer que eles produzem a mais-valia ou o mais-produto.
Eles constantemente têm que ser sobre-produtores, produzir alem de suas
necessidades para poder ser consumidores ou compradores, dentro dos
limites de suas necessidades"
(Teorias sobre a Mais-valia) (traduzido por nós)
Duas
insistências contraditórias cuja unidade não será realizada pela eliminação da
uma ou da outra
1)
Será que a esfera da produção é capaz ou não de criar o mercado que ela precisa
para absorver suas mercadorias ?
No
Livro III (e também nas Grundrisse), se encontram afirmações que parecem
contrariar o fato que a produção, quaisquer que sejam suas condições, não é
capaz de criar seu próprio mercado no seio das relações de produção capitalista[3].
Elas parecem assim contradizer esta outra passagem do Livro III:
"Como
não é a satisfação das necessidades, mas a produção de lucro, a finalidade do
capital, e como ele só atinge essa finalidade por métodos que
organizam a massa da produção de acordo com a escala da produção, e não
vice-versa, então tem de surgir constantemente um conflito entre as
dimensões limitadas do consumo em base capitalista e uma produção que
constantemente tende a superar essa barreira imanente. De resto, o capital
consiste em mercadorias e, por isso, a superprodução de capital implica a de
mercadorias" (Livro III, seção III).
Alguns
exemplos de tais passagens
a)
"Por outro lado, à medida que a taxa de valorização do capital global,
a taxa de lucro, é o aguilhão da produção capitalista (assim como a valorização
do capital é sua única finalidade), sua queda retarda a
formação de novos capitais autônomos, e assim aparece como ameaça para o
desenvolvimento do processo de produção capitalista; ela promove
superprodução, especulação, crises, capital supérfluo, ao lado de população
supérflua." (Livro III, seção III)
b)
"Mas periodicamente são produzidos meios de trabalho e meios de
subsistência em demasia para fazê-los funcionar como meios de exploração dos
trabalhadores a certa taxa de lucro" (Livro III, seção
III)
Qual
é a realidade desta contradição?
Como
interpretar esta afirmação (a) e qual implicação deduzir. Não existe, antes ou
depois, uma argumentação relativa a estas palavras e que poderia ajudar o
entendimento. A única explicação que poderia ser dada resulta deste fato
enunciado por Marx que o capitalista procura compensar a queda da taxa de lucro
por um aumento da escala da produção, o que necessariamente favorece a
superprodução.
A
segunda citação (b) parece na sua vez confirmar esta ideia segundo a qual o
nível de superprodução depende de uma "certa taxa de lucro"
que o capitalista precisa conseguir. Mas, sendo exprimida com uma outra
formulação e também mais argumentada, a citação (b) permite entender melhor do
que se trata em realidade.
De
fato, ela continua assim: "São produzidas mercadorias em
demasia para poder realizar o valor nelas contido e a mais-valia encerrada
nele, sob as condições de distribuição e de consumo dadas pela produção
capitalista, e poder retransformá-la em novo capital, isto
é, levar a cabo esse processo sem explosões sempre recorrentes. Não se produz
demasiada riqueza. Mas periodicamente se produz demasiada riqueza em suas
formas capitalistas, antitéticas.
A barreira ao modo de produção capitalista se
manifesta:
1. No fato de que o desenvolvimento da força produtiva
de trabalho gera, na queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe
com a maior hostilidade a seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto
constantemente superada por meio de crises.
2. No fato de que a apropriação de trabalho não-pago, e
a proporção desse trabalho não-pago para o trabalho objetivado em
geral, ou, expresso de forma capitalista, que o lucro e a proporção desse lucro
para o capital aplicado, portanto certo nível da taxa de
lucro, decide sobre ampliação ou limitação da produção, em vez de faze-lo a
relação entre a produção e as necessidades sociais, as necessidades
de seres humanos socialmente desenvolvidos. Por isso surgem
barreiras para ela já num grau de ampliação da produção que, ao contrário,
sob o outro pressuposto, apareceria como sumamente insuficiente. Ela parará não
onde a satisfação das necessidades a obriga, mas onde determina a produção e a
realização de lucro" (Livro III,
seção III)
Assim,
a argumentação ilustra o fato que uma sobre-abundancia da produção resulta na
impossibilidade de vendê-la em totalidade, isto é "o valor contido
e a mais-valia encerrada nele não podem ser realizados". A
produção não vendida é geralmente perdida, o que implica crises numerosas.
Disso resulta a impossibilidade de realizar um lucro suficiente e dai uma
taxa de lucro suficiente que, deste jeito, não pode ser "a certa taxa
de lucro" que o capitalista queria.
Assim,
esta citação só faz ilustrar de novo que a queda da taxa de lucro vai a par com
uma produção mais massiva que é mais difícil de vender.
2)
Será que a solução às crises de superprodução se encontra no seio da esfera da
produção ?
Depois
das passagens citados por cima, se encontram, ainda no Livro III, insistências
parecendo induzir a ideia que o capitalismo poderia superar, no seu seio, suas
crises de superprodução.
A
propósito da crise, Marx coloca a questão seguinte:
"Como
se resolveria novamente esse conflito e se restabeleceriam as condições
correspondentes ao movimento "sadio" da produção capitalista? A
forma da resolução já está contida na mera formulação do conflito de cuja
resolução se trata. Ela implica uma colocação em alqueive e até
mesmo um aniquilamento parcial de capital, num montante de valor de todo o
capital adicional DC ou então de parte dele. Embora, como já se verifica
na apresentação do conflito, a distribuição desse prejuízo não se estende, de
modo algum, de maneira uniforme aos diferentes capitais particulares, mas se
decide numa luta concorrencial em que, conforme as vantagens especiais ou as
posições já conquistas, o prejuízo de reparte de forma muito desigual e muito
diferenciada, de modo que um capital é colocado em alqueive, outro é
aniquilado, um terceiro apenas sofre prejuízo relativo ou desvalorização
transitória.
Mas, sob quaisquer circunstâncias, o
equilíbrio se estabeleceria por colocação em alqueive ou mesmo aniquilamento de
capital em maior ou menor volume. Isso se estenderia em parte à substância
material do capital; isto é, parte dos meios de produção, capital fixo e
circulante, não funcionaria, não atuaria como capital: parte dos
empreendimentos iniciados seria desativada. Embora, por este lado, o tempo
ataque e deteriore todos os meios de produção (excetuado o solo), aqui
ocorreria, devido à paralisação, uma destruição real muito maior de meios de
produção. (…)
Além disso, a desvalorização dos elementos do
capital constante seria em si um elemento que implicaria a elevação da taxa de
lucro. A massa de capital constante empregado em relação ao variável teria
crescido mas o valor dessa massa poderia ter caído. A paralisação da produção ocorrida teria preparado
uma ampliação posterior da produção dentro dos limites capitalistas.
E assim o ciclo seria novamente percorrido.
Parte do capital que pela paralisação funcional foi desvalorizada recobraria
seu antigo valor. Ademais, com condições de produção ampliada, com um
mercado ampliado e com força produtiva mais elevada, o mesmo círculo
vicioso seria novamente percorrido."
(Livro III, seção III)
Nesta
citação, o "mercado ampliado" não aparece explicitamente como
um fator da retoma econômica. Assim desaparece esta ideia do Manifesto segundo
a qual a crise, quando se produz, se resolve pela abertura de novos
mercados: "As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para
conterem a riqueza por elas gerada. — E como triunfa a burguesia das crises?
Por um lado, pela aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por
outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais
profunda de antigos mercados. De que modo, então? Preparando crises mais
omnilaterais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises".(Livro
III, seção III)
Será
que se trata de uma evolução do pensamento de Marx sobre este ponto?
Absolutamente não pois a proximidade deste passagem existe um outro que reafirma claramente:
· o caráter transitório do modo de produção
capitalista ;
· o caráter necessariamente limitado do consumo das
massas operárias muito insuficientemente solváveis ;
· a necessidade de procurar "essa demanda no
exterior, em mercados distantes" que, sem ambiguidade não pertencem à
esfera das relações de produção capitalista, esta esfera não sendo capaz de
constituir um mercado suficiente para permitir a valorização do capital ;
· a superprodução resultando da tendência do
capitalismo a desenvolver as forças produtivas de maneira absoluta.
"Quando
se diz que a superprodução é apenas relativa, isso está inteiramente correto; mas
todo o modo de produção capitalista é apenas um modo de produção relativo, cujas
barreiras não são absolutas, mas que, para ele, em sua base, são absolutas.
Como poderia, se assim não fosse, faltar demanda das mesmas mercadorias
das quais a massa do povo carece e como seria possível ter de procurar
essa demanda no exterior, em mercados distantes, para poder pagar aos
trabalhadores em casa a média dos meios de subsistência necessários? Porque
apenas nesse contexto específico, capitalista, o produto excedente ganha uma
forma em que seu possuidor só pode colocá-lo à disposição do consumo
assim que se retransforma em capital para ele. Finalmente,
quando se diz que os capitalistas só teriam de intercambiar entre si
e comer suas mercadorias todo o caráter da produção capitalista é esquecido e
se esquece de que se trata da valorização do capital, não de seu consumo.
Em suma, todas as objeções contra as manifestações palpáveis
da superprodução (manifestações que não se preocupam com essas objeções) se
resumem na ideia de que as barreiras à produção capitalista não são barreiras à
produção em geral, e portanto também não são barreiras a esse modo
especifico de produção, o modo capitalista. A contradição desse
modo de produção capitalista consiste, porém, exatamente em sua tendência ao
desenvolvimento absoluto das forças produtivas, que entra constantemente em
conflito com as condições específicas da produção, em que o capital se move e
em que unicamente se pode mover." (Livro III, seção
III)
A
importância da questão dos mercados na obra de Marx
Neste
texto, já reproduzimos citações de Marx ilustrando o lugar central que ele da à
contradição que constitui a superprodução. Continuamos ilustrando isso com
outras citações que convergem para esta ideia que a conquista do
mercado mundial significaria, para o capitalismo, a permanência de contradições
que antes deste momento se exprimiam somente ciclicamente. Aquelas que
provêm do Manifesto, mesmo se não são ainda as mais explicitas
considerando esta perspectiva esboçada pelo próprio Marx, têm entretanto uma
grande importância porque ele considerava, como o assinalamos, que O
Manifesto ou a Miséria da filosofia poderiam constituir uma
introdução para o estudo do capital.
A
realidade da crise de superprodução
"Nas
crises comerciais é regularmente aniquilada uma grande parte não só dos
produtos fabricados como das forças produtivas já criadas. Nas crises irrompe
uma epidemia social que teria parecido um contra-senso a todas as épocas
anteriores — a epidemia da sobreprodução. A sociedade vê-se de repente
retransportada a um estado de momentânea barbárie; parece-lhe que uma fome, uma
guerra de aniquilação universal lhe cortaram todos os meios de subsistência; a
indústria, o comércio, parecem aniquilados. E porquê? Porque ela possui
demasiada civilização, demasiados meios de vida, demasiada indústria, demasiado
comércio. (...) E como triunfa a burguesia das crises? Por um lado, pela
aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela
conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados.
De que modo, então? Preparando crises mais omnilaterais e mais poderosas, e
diminuindo os meios de prevenir as crises". (Marx, O
Manifesto Comunista)
A
necessidade sempre crescente de novos mercados conduz a burguesia a conquistar
o mercado mundial
"A
burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas
comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais
bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias
são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com
que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro.
Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não
quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada
civilização, i. é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um
mundo à sua própria imagem." (Marx, O Manifesto Comunista)
O capitalismo na pode encontrar dentro de suas
relações de produção, os mercados solváveis necessários para seu
desenvolvimento; é a razão pela Qual ele é obrigado a conquistar mercado
mundial
"O
mais a produção capitalista se desenvolve, o mais ela tem que produzir
numa escala que não tem nada ver com a demanda imediata mas que
depende duma expansão constante do mercado mundial. Ricardo utiliza a afirmação
de Say segundo a qual as capitalistas não produzem para o lucro, a mais-valia,
mas que produzem valores de uso diretamente para o consumo – para seu próprio
consumo. Ele não toma em conta o fato que as mercadorias devem ser convertidas
em dinheiro. O consumo dos operários não basta, porque o lucro
provem precisamente do fato que o consumo dos operários é inferior ao valor do
seu produto e que ele (o lucro) é tão grande como o consumo é relativamente
pequeno. O consumo dos próprios capitalistas também é insuficiente." (Teorias
sobre a Mais-valia; a teoria de Ricardo sobre o lucro) (traduzido por
nós)
Esta dinâmica de conquista do mercado mundial
resulta na crises cada vez mais agudas
"As
crises viram mais freqüentes e violentas. É porque a massa dos
produtos e daí a necessidade de desembocados crescem enquanto o mercado mundial
vira mais estreito ; acontece que cada crise tem para
conseqüência a submissão ao mundo comercial um mercado ainda não conquistado ou
pouco explorado e diminui assim os desembocados." (Marx, Trabalho
assalariado e Capital)
Conclusão
É
de propósito que, até agora neste texto, considerando a análise dos fundamentos
econômicos da crise do capitalismo, limitamo-nos aos escritos de Marx e ao seu
período contemporâneo. Pensamos que isso constitui a base necessária para o
estudo dos problemas.
Colocamos
em evidência que a força da contradição "queda tendencial da taxa de
lucro" não pode ser avaliada na esfera só da produção na medida em que ela
é estreitamente ligada à existência de mercados em quantidade suficiente para
absorver a produção capitalista. Será que disso resulta na nossa compreensão,
no caso da hipótese abstrata que possa existir permanentemente tais mercados, a
impossibilidade de desta contradição ser mortal para o modo de produção
capitalista? De jeito nenhum, mas tal hipótese abstrata não toma em conta
precisamente este aspecto da realidade segundo o qual a insuficiência dos
mercados solváveis constitui, em si e independentemente da queda da taxa de
lucro, um fator de crise que já se manifestou bem antes uma hipotética crise mortal
do capitalismo provocada pela queda da taxa de lucro. É o que ilustrou a
existência das crises cíclicas que pontuaram o desenvolvimento do capitalismo
durante o século XIX, crises que tinham como causa a insuficiência momentânea
de mercados solváveis e que foram superadas, toda vez, pela abertura de novos
mercados extracapitalistas.
Além
disso, assim que as relações de produção capitalista acabaram de conquistar o
mundo, a contradição resultando da insuficiência dos mercados extracapitalistas
(relativamente às necessidades do capitalismo) tende a se tornar permanente e
constitui o fundamento da crise mortal do capitalismo. Será que isso significa
que a queda da taxa de lucro nunca se expressou na realidade como fator de
crise ? De jeito nenhum e ela se expressa deste jeito com tanta força quanto os
mercados são saturados, mas o que determina a crise é a ausência de
mercados e não a queda da taxa de lucro.
Durante
a maior parte deste texto refutamos os diferentes tipos de argumentos segundo
os quais a queda da taxa de lucro constitui o âmago das contradições do
capitalismo. É a razão pela qual esta refutação se apóia muitas vezes sobre
argumentos do livro III, centrado no estudo da contradição "queda da taxa
de lucro", que relativizam esta contradição, a ligando com a contradição
central dos mercados solváveis. Estes argumentos e nosso método podem
entretanto deixar pensar que a questão dos mercados é um "fator
exterior" ao capitalismo. Não é a realidade nem a visão que Marx dá desta
realidade através de sua obra pois, embora seja uma contradição exterior à esfera da produção, não é uma contradição exterior ao modo de produção
capitalista.
O
que caracteriza em primeiro lugar o capitalismo, como modo de produção, é a
produção de mercadorias. É o que ilustra a frase seguinte do capital:
"A riqueza das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista
apresenta-se como uma "imensa acumulação de mercadorias"".
Por isso, mais de que quaisquer outros modos de produção que o precederam, o
capitalismo é estreitamente dependente de outros modos de produção que
constituem seu "alimento", os conquistando com "o preço baixo de
suas mercadorias", como diz o Manifesto comunista. Esta
necessidade de "submeter" mercados extracapitalistes faz parte de sua
natureza própria (da mesma maneira que a existência da força de trabalho sob a
forma de mercadoria) e tudo o que impede a realização desta necessidade
constitui para ele uma contradição fundamental. Assim não é por acaso, se Marx
acorda tal importância no conjunto de sua obra à questão dos mercados quando se
trata de entender a crise do capitalismo. Além disso, como já o assinalamos
neste texto, não é também por acaso se as únicas explicações das causas da
crise publicadas por Marx quando era vivo são relativas à superprodução e não à
queda da taxa de lucro. Na realidade, a análise desta última contradição
conserva na obra de Marx um caráter exploratório, que ainda não chegou a
maturidade e não vem, de jeito nenhum, suplantar a sua tese central da
superprodução que continua sendo invocada com força, inclusive nos textos
experimentais próprios nos quais se trata da queda da taxa de lucro
(Grundrisse, Livro III), mesmo quando tais textos, como As teorias
sobre a mais-valia, foram escritos mais o menos na mesma época, talvez mais
tarde, que as notas reunidas por Engels para elaborar o Livro III. É também
significativo que quando ele revisou a edição de 1891 de Trabalho
assalariado e capital, Engels pensou necessário corrigir alguns aspetos mas
sem alterar de nenhuma maneira a importância da questão dos mercados (a queda
da taxa de lucro sendo ausente desta obra), o que significa que, na ideia que
ele tinha da compreensão de Marx e também de sua compreensão própria, esta
questão permanecia central. Tal ponto de vista era também o de Kautsky que,
antes de trair, era considerado, inclusive por Lênin, como o teórico mais capaz
de defender a ortodoxia do marxismo. É por conta disso que ele era considerado
como a "papa" do Marxismo. Eis a análise que ele desenvolvia na sua
polêmica contra Tougan-Baranovsky que defendia a ideia que as crises do
capitalismo não resultam duma insuficiência do consumo solvável em relação à
capacidade de expansão da produção capitalista mas duma simples desproporção
entre os diferentes setores e que esta última poderia ser evitada pelo meio de
intervenções adequadas dos governos (ideia derivada a partir duma tese da
economia burguesa formulada por JB Say segundo a qual o capitalismo nunca pode
conhecer reais problemas de mercados):
"Os
capitalistas e os operários que eles empregam constituem um mercado para os
meios de produção produtos pela industria, mercado que cresce com o
crescimento da riqueza dos primeiros e o número dos segundos, menos rápido
entretanto que a acumulação do capital e a produtividade do trabalho, mas só este
mercado não basta para absorver os meios de consumo produtos pela
grande industria capitalista. A industria deve procurar mercados suplementares
no exterior de sua esfera dentro das profissões e nações que não produzem ainda
segundo o modo capitalista. Ela os encontra e os amplia sem parar, mas
lentamente demais. Pois estes mercados suplementares são longe de ter a
elasticidade e a capacidade de expansão da produção capitalista.
Desde o momento em que a produção capitalista se
desenvolveu e se tornou grande industria, como foi o caso na Inglaterra no
século XIX, ela teve essa capacidade de avançar por grandes saltos para frente, até
dobrar em pouco tempo a expansão do mercado. Assim, cada período de
prosperidade seguindo uma expansão brusca do mercado é condenado a uma vida
breve, a crise acabando inevitavelmente com ele. Assim é, em ouças
palavras, a teoria das crises adotada geralmente, segundo o que sabemos, pelos
"marxistas ortodoxos" e fundada por Marx." (Um artigo publicado na Neue Zeit em
1902)
A
questão que não se pode evitar colocar é porque foi somente bem depois da morte
de Marx que, no começo do século XX, teorias colocando a queda da taxa de lucro
no centro das contradições do capitalismo em lugar da questão dos mercados,
nasceram e se desenvolveram até ter o sucesso que sabemos por seguinte
dentro do "marxismo oficial" defendido pelas varias correntes da
burguesia (stalinistas e trotskistas em particular) mas também no seio de
grupos revolucionários.
Antes
de tentar interpretar o fenômeno – o que faremos só em parte nesta conclusão –
é necessário, em primeiro lugar, lembrar a realidade segundo a qual não foi a
esquerda da social-democracia que adotou uma explicação da crise baseada de
maneira central (até exclusiva) sobre a contradição da queda da taxa de lucro
mas as correntes oportunistas no seio dos quais se encontravam personagens como
Hilferding. E porque estes correntes adotaram preferencialmente esta explicação
em lugar da outra ligada à questão dos mercados? Nada mais que, ao contrario
desta última, a teoria da queda de lucro permitia adiar para um futuro
longínquo a questão do desabamento catastrófico do capitalismo e, assim, da
luta revolucionaria.
E
é pelas mesmas razões, mas a partir de uma postura de classe oposta que, muito
cedo, foi no seio da esquerda da social-democracia através da pessoa de Rosa
Luxemburgo, que se expressou de vez o combate contra o oportunismo da
social-democracia e o combate para a continuidade e o desenvolvimento da teoria
marxista considerando as contradições do capitalismo. Porque, em seguida, foi a
teoria que prestava mais para se acomodar do oportunismo que superou a teoria
que prestava menos para isso[4],
no campo revolucionário? Pode-se dizer que a teoria da queda da taxa de lucro
foi impulsionada pela notoriedade adquirida por Lênin com a revolução de
outubro na medida em que seu texto O imperialismo estagio supremo se
refere amplamente a esta teoria e ao trabalho de Hilferding. Sabemos que nenhum
revolucionário é capaz por si só de fazer uma contribuição sobre todas as
questões colocadas diante do movimento operário. O internacionalismo inabalável
de Lênin era apoiado sobre uma fidelidade sem falha aos princípios do marxismo,
o que o levou, assim como Rosa Luxemburgo, a combater Kautsky. O fato de se ter
inspirado dos escritos dos reformistas (Hilferding) para desenvolver sua teoria
do imperialismo não conseguiu enfraquecer o vigor se seu combate para a
revolução. Na realidade, apesar desta fraqueza de seu estudo, ele analisa
corretamente o estouro do primeiro conflito mundial como o resultado do
acabamento da partilha do mundo entre as principais potencias mundiais.
Entretanto, desta fraqueza resultou um enfraquecimento da teoria revolucionária
considerando a análise do imperialismo[5] :
de fato, o movimento operário adotou as posições de Lênin, várias vezes de
maneira dogmática na exceção da corrente ligada à Esquerda comunista italiana
(entretanto de tradição leninista) cujos grupos como a Fração da esquerda
italiana (Bilan) durante o período entre as duas guerras ou Internationalisme durante
a Segunda guerra mundial, debateram da teoria de Rosa Luxemburgo que coexistia,
no seio da mesma organização com outras analises (Lênin, Boukharine,
Grossmann).
Quanto
ao sucesso que encontram ainda hoje, nas frações da burguesia ligadas ao
stalinismo e ao trotskismo, as teorias de Lênin sobre o imperialismo
(geralmente deliberadamente deformadas pela acentuação de seus erros
originais), ele é ligado ao fato que, quando a burguesia se apodera de grandes
figuras do movimento operário é, seja para "transformá-las em ícones
inofensivos", seja para explorar contra a classe operária posições erradas
ou insuficientes que defenderam e sobre as quais a história já deu seu
veredicto.
[1] A vantagem é dupla : fornecer o contexto das
passagens utilizadas na argumentação e ajudar a relativizar as diferenças que
existem às vezes entre uma edição e uma outra do Capital, diferenças que não
são ligadas necessariamente à língua da edição mas podem ser relacionadas a
coloração política do editor.
[2] O Livro IV foi compilado por Kautsky com base
das notas de Marx. Exatamente do mesmo modo que fez Engels com os livros II e
III. Entretanto, este apelido "Livro IV" não significa
necessariamente que os documentos que ele contem tivessem sido escritos depois
dos do Livro III.
[3] Esta afirmação não é mais verdade
considerando as relações de produção extracapitalistas no seio das quais o
preço barato das mercadorias constitui um fator – mas não o único – de abertura
de novos mercados pelo capitalismo.
[4] Isso não significa, longe disso, que a
análise da contradição relativa à queda da taxa de lucro tenha sido rejeitada
por Luxemburgo.
[5] Mas não é sobre este aspeto particular que
seus erros foram as mais graves porque "o direito das nações a dispor de
si" teve conseqüências catastróficas, já durante a onda revolucionária,
quando o proletariado de nações como a Finlândia foi massacrado depois que a
burguesia deste país se autodeterminou ... a escolher o campo da reação mundial
contra a revolução.
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