Publicado na edição impressa de VEJA
LOBÃO
Vivemos um
momento histórico de uma vulgaridade, obscurantismo e insipidez sem precedentes
que, por várias razões entrelaçadas, propiciou a eclosão de um personagem
patético, insólito, abundante e que ficará marcado como a expressão máxima deste
triste período: o rebelde chapa-branca.
Sim! É ele o
protagonista em todas as rodinhas, redes sociais, botequins, universidades e
passeatas. Revela-se por duas características inseparáveis: é revoltado contra
o sistema e, ao mesmo tempo, chancelado por ele. Vamos a alguns exemplos.
O MST é subvencionado pelo governo, tem o respaldo
do governo e, no entanto, não para de reclamar, invadir e destruir terras
produtivas. No rap, há um sem-número de rebeldes chapa-branca, mas seu ícone
são os Racionais. Fazem campanha para o governo, sobem nos palanques, têm o
beneplácito da mídia oficial bancada pelo governo e, mesmo assim, são
revoltadíssimos contra o sistema! No seu último videoclipe, Marighella, eles aparecem prontos para
assaltar a Rádio Nacional, numa reconstituição de época, exibindo inúmeros
trabucos de grosso calibre e conclamando à luta armada, incorporando aquela
mímica marrenta um tanto canastrona que lhes é peculiar.
O detalhe é que
eles estão no poder. Eles são o poder. Eles são a situação.
No aniversário
da morte do nosso Che Guevara tupiniquim, a Comissão da Verdade comemorou a
data com solenidade e deferência. Marighella pode ter arrancado a perna de uns,
matado outros e lutado para implementar uma ditadura sanguinolenta no Brasil,
mas os rebeldes chapa-branca chancelam a festa, impõem a farsa com mão de ferro
e ai de quem piar.
Na semana
passada, o tal Procure Saber implodiu com a defecção do rei, deixando
desnorteados Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque ─ rebeldes
chapa-branca de longa data. O Gil acabou no comando do Ministério da Cultura,
onde foi aninhando sua cria, o Fora do Eixo, que tem como ponta de lança Pablo
Capilé, um rapaz que afirma ser contra o direito autoral, contra o autor, contra
o livro e é pupilo de Zé Dirceu. Tira dos artistas para entregar de mão beijada
aos magnatas das redes sociais como o Google, o YouTube e o Facebook. Isso
porque não estamos ainda perguntando para onde foi toda a grana que ele recebeu
através das leis de incentivo à cultura. É um típico rebelde chapa-branca. Mas
o Caetano acha “muderno” esse retrocesso estúpido e desonesto. O Chico, lá da
França, assina carta de apoio ao Genoino. São os nossos coronéis chapa-branca
solando de cavaquinho.
Temos de ressaltar também a performance fulminante
da presidente do Procure Saber, esta sim uma rottweiler de incontestável pedigree,
Paula Lavigne. Descontrolada, vem cometendo lambança atrás de lambança,
incluindo um ataque covarde à colunista da Folha de S.Paulo Mônica
Bergamo. E o que dizer de sua performance no Saia Justa com a Barbara Gancia?
Há um mês, ela invadiu o meu Twitter, acompanhada por uma centena de
integrantes da seita black bloc, me chamando de nazista, ex-músico, ex-Lobão,
amante da ditadura, decadente (tem gente me chamando de decadente há uns trinta
anos). Depois de algumas trocas de gentilezas, fui obrigado a bloqueá-la.
Uma das
características dos rebeldes chapa-branca é o uso da técnica do espantalho:
criam uma figura caricatural, colocam frases fora de contexto (quando não
inventadas) em sua boca e tentam fazer acreditar que essa figura patética é
você! Um vodu de psicopata.
Uma jornalista
chapa-branca de uma revista bancada pelo governo declarou, num momento de
búdica inspiração, que é a favor de fuzilamento para determinados casos (quais
seriam?). É o tipo de comportamento visto com simpatia e condescendência pelo
rebelde chapa-branca, pois a visão assimétrica do mundo, com um peso para duas
medidas, é outra marca registrada dele.
Estou inaugurando com muito orgulho e entusiasmo
minha coluna em VEJA. Não é fortuito o nosso encontro, assim como não é por acaso
que se percebe a sociedade civil começando a se organizar para repensar a nossa
condição atual. Tentarei tratar dessa miséria que nos assola como se estivesse
praticando um novo esporte: épater la gauche. Essa turma está imprimindo o ridículo em sua própria história. E desse
vexame não escapará.
Veja.com
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