O Brasil conquistou crescimento rápido, de algo em torno de 4% ao ano, entre 2002 e 2010, ancorado na geração de empregos. Contudo, de uns tempos para cá, o país vivenciou uma desaceleração nesse processo e a inflação voltou a ser motivo de preocupação. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, o economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman explica não só o motivo para o Brasil estar crescendo menos, que é o tema do livro “Complacência” - recém-lançado e escrito em co-autoria com o economista Fábio Giambiagi – mas também o que fazer para reverter esse quadro. Confira os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
No livro “Complacência”, o senhor analisa o motivo pelo qual o Brasil cresce menos que o esperado. Por que o Brasil cresce menos que o esperado e de quanto seria o crescimento ideal?
O Brasil teve um crescimento durante sete, oito anos, da ordem de 4% ao ano, que implicava num crescimento do PIB per capita entre 2,5% e 3%. Parece razoável. Todos estavam satisfeitos. O ideal talvez seria nós mantermos esse ritmo. Mas a ideia não é tanto que o Brasil cresce menos do que pode, mas sim que cresce menos do que já cresceu.
Agora, por que a gente está crescendo pouco?
Acho que porque o nosso crescimento mais rápido no período 2004-2010 foi ancorado na expansão do emprego com pouca ênfase na questão do aumento da produtividade. E aí ocorre que uma expansão que tem o emprego como base tem seus limites, até pelo próprio tamanho da população empregável do Brasil. Já um crescimento que é baseado na expansão da produtividade, em tese, não tem limites. Você pode produzir mais, indefinidamente, desde que você consiga produzir mais por unidade de trabalho.
Acho que o grande problema foi o Brasil ter surfado essa onda mundial, favorável ao país, com o preço das commodities altos e etc, e aproveitar isso botando mais gente para trabalhar, sem se preocupar em como é que a gente faria para que cada uma produzisse mais a partir do momento que esse estoque de pessoas estivesse mais disponível.
Faltaram reformas nas áreas tributária, previdenciária, no trabalho, criação de instituições. O livro aponta justamente para essa questão da complacência. A classe política se acomodou com o crescimento mais alto, parou o processo reformista, e acabando o excesso de mão de obra, a gente não tem mais como crescer rápido.
Há críticas que pesam sobre o PT de que o partido abandonou os pressupostos da própria política econômica e adotou a que vinha sendo aplicada por FHC. O senhor concorda com isso ou não?
Nem gosto de colocar a questão do ponto do vista partidário. Ocorre que, de 2003 até praticamente 2008, tivemos uma aderência ao mesmo modelo de política macroeconômica que vigorou no período 1999-2002. Cambio flutuante, controle da inflação, alguma responsabilidade com as contas fiscais, uma combinação importante, mas no sentido de promover a estabilidade, de garantir que a inflação fique sob controle e que se tenha uma trajetória de queda persistente da dívida bruta do governo, um balanço de pagamentos em ordem. Mas isso não é feito para garantir crescimento, e sim estabilidade. Com uma economia razoavelmente estável, é possível focar em um conjunto de reformas que tenha o efeito de aumentar a produtividade, o que leva a outro tipo de consideração.
Por que algumas políticas garantiram a queda da inflação até certo ponto e agora não estão mais funcionando? Qual o motivo para a alta da inflação?
O motivo é que abandonaram essa política. Vamos pela política monetária. Durante muito tempo, o Banco Central realmente perseguia a meta da inflação. Quando fui do Banco Central, havia o compromisso sério de manejar a política monetária para manter a inflação o mais perto possível da meta. Mas desde 2011, desde que o Banco Central deu um “cavalo-de-pau” na política monetária, ficou claro que o compromisso dele com a meta de inflação é muito frouxo.
A discussão que passou a existir não é mais se o Banco Central quer trazer a inflação para a meta, porque a meta é 4,5%. O Banco Central simplesmente não quer que a inflação passe dos 6,5%. As pessoas percebem que o Banco Central não está perseguindo essa meta e não vão fazer contratos que pressuponham inflação a 4,5%, vão pedir aumento de salário maior do que 4,5%, e empresas que vão fixar preços por um período prolongado vão colocar suas expectativas de inflação mais altas porque não é 4,5% que elas esperam.
Esse tipo de consideração acaba erodindo a principal característica do governo de regime de meta de inflação. Essa falha foi o que fez com que o Banco Central de fato perdesse o controle das expectativas de inflação.
A inflação nos últimos 12 meses atingiu a casa dos 6,15%. A estimativa do governo de ficar em 6,5% é exequível? Qual a estratégia para conter a alta nos preços?
Tem que subir juro, mas o Banco Central já disse que vai parar. Então, nesse ano, provavelmente eles vão perder inclusive os 6,5%.
A aposta do senhor é mais que 6,5%?
Um pouco acima: 6,6% a 6,7%.
E para conter a alta nos preços precisaria mexer nos juros...
Na taxa de juros ou nas contas fiscais. O instrumento fiscal é o mais difícil de mexer, então o que sobra é a taxa de juros.
Nesse contexto, qual a sua aposta para o crescimento da economia este ano?
Em torno de 1,5%, 1,7%.
O senhor defende que há um excesso de gasto público. A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi uma medida importante para conter os gastos do governo?
Ela está sendo contornada o tempo inteiro. É um instrumento importante, desde que tenhamos um governo que esteja disposto a Lei de Responsabilidade Fiscal. Veja por exemplo a divulgação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, em que o superávit é 2,5% do PIB, mas pode ser 2%, pode abater. A Lei de Responsabilidade Fiscal é importante, mas não é a Panaceia. Se tiver um governo firmemente determinado a não cumprir o que a Lei pede... enfim, ele [governo] pode, consegue, tem meios para fazer isso.
Em pleno ano de eleitoral, a tendência é que haja aumento nos gastos públicos. Como gastar menos em um ano como esse?
Teria que ter vontade de gastar menos, mas não é o que vai acontecer. A proposta orçamentária do governo federal já embute um aumento de gastos. Não tenho os números dos governos estaduais, mas a tendência tem sido de aumento no gasto público.
O senhor afirma que a falta de infraestrutura é um dos gargalos para o crescimento. Mas com a Copa, projetos que talvez não saíssem do papel foram lançados. Por outro lado, a grande maioria deles não foi viabilizada com recursos privados, contribuindo para o aumento dos gastos públicos, o que inclui alguns equipamentos temporários. A Copa foi positiva ou negativa?
Se o gasto do governo tivesse ocorrido em infraestrutura, até seria melhor, mas o investimento público não tem crescido com a mesma proporção do PIB. A grande verdade é que se pegar os últimos anos, à exceção do Minha Casa, Minha Vida, não houve aumento expressivo nos investimentos do setor público. E vamos falar a verdade: estádio é muito bacana, mas o efeito de um estádio na produtividade é baixíssimo, bem diferente do que se teria com uma estrada, uma ponte, um viaduto, ou um hospital, uma escola.
Então a Copa é negativa?
O que eu acho curioso é que fizemos uma Copa do Mundo e as Olimpíadas, e esses eram pretextos para obras de mobilidade urbana. Mas em tese, podíamos cuidar das obras sem Copa do Mundo. Ainda assim, vamos considerar que esses fossem eventos focais. A verdade é que a gente fez uma Copa e não fez as obras de mobilidade. Só se fez estádios. A Copa foi mais uma oportunidade desperdiçada.
O que é preciso fazer para que o Brasil cresça mais?
Nesse primeiro momento, é recuperar a estabilidade, trazendo a inflação para níveis mais baixos. Cuidar da inflação significa, entre outras coisas, subir juros e apertar a política fiscal, ou seja, cortar gasto público. E, se possível, começar o processo reformista, particularmente na área tributária. A empresa brasileira gasta 2.600 homens-hora/ano para a tarefa de pagar imposto, ou seja, preencher guia, ir atrás da legislação. O peso do sistema tributário é tamanho que temos uma quantidade estúpida de pessoas dedicadas à tarefa de pagar imposto. Enquanto isso, a média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] é de 270 homens-hora/ano e a da América Latina é da ordem de 360 homens-hora/ano.
Uma abertura comercial também seria interessante no sentido de ampliar a competição comercial no país. Parte das reformas também envolve um aumento da integração comercial brasileira ao resto do mundo.
Como essa abertura poderia ser viabilizada?
Ah... Por exemplo, saindo do Mercosul e indo atrás de um acordo de livre comércio com a União Europeia ou seguindo aí os passos da Aliança do Pacífico, ou ainda tentando entrar em um acordo com os Estados Unidos no que diz respeito a Alca [Área de livre comércio das Américas]. Não faltam oportunidades para se engajar de forma decidida no comércio internacional.
TN
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