Os serviços são e devem continuar sendo um dos maiores combustíveis da inflação. Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostra que cerca de 70% dos serviços captados pelo índice oficial de preços, o IPCA, tiveram aumento igual ou superior a 6,5% (teto da meta) nos últimos 12 meses. Desses, 42% avançaram mais de 9%. No topo, serviços como ingresso para jogo (15,64%), aluguel residencial (10,35%), lanche fora de casa (12,40%), educação infantil (11,93%), estacionamento (10,16%), consultas médicas (10,70%), empregado doméstico (11,10%), manicure (10,14%) e cabeleireiro (9,11%).
O acompanhamento dos serviços na última década mostra uma mudança de patamar de preços. Há dez anos, 46% deles tinham avanços maiores que 6,5%. Na época, 15,8% subiam acima de 9%. Hoje, 19,6% têm alta inferior a 4,5%. Em maio de 2005, eram 28,5% nessa faixa.
Na opinião da coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos, a inflação de serviços incomoda, sobretudo, porque a economia caminha a passos lentos:
— Estamos mais fracos na economia, e a inflação de serviços não está desacelerando. A demanda cresceu muito, e a mudança de preços relativos tem a ver com essa mudança de renda das pessoas. Hoje, para cair, teria de haver uma recessão na economia ou a perda de emprego para se tirar o filho da escola particular ou cancelar o plano de saúde privado. É muito difícil que os serviços que rodam a 9% voltem para 6%.
Serviços influenciados diretamente pela renda, e pela valorização do salário mínimo, são condomínio, manicure, cabeleireiro, depilação, conserto em imóvel, empregado doméstico — todos aqueles com grande uso de mão de obra. Hoje esse grupo sobe 9,7% em 12 meses e responde por 25% de todo o IPCA de serviços.
Entre os serviços que sobem bem acima de 6,5% estão ainda aluguel residencial e estacionamento, a reboque do aquecimento imobiliário. Pesam cerca de 10% no IPCA de serviços, nas contas da pesquisadora. A alimentação fora de casa, outro campeão de preços, avança 9,7% em 12 meses. Para a classe média, pesam ainda serviços como consultas com médicos e dentistas.
Com avanços abaixo de 6,5% ou deflação, há serviços de comunicação, como TV paga e celular, e bancários, ambos com mais uso de tecnologia.
Para o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, com salários caminhando acima do IPCA, a grande disseminação de serviços com preços altos é um processo quase “natural”:
— É exatamente o que se esperava. Serviço é salário. Quando se olha a economia como um todo, nosso problema não é a falta de demanda, mas de competitividade dos bens comercializáveis.
Efeito Copa puxa serviços
Boa parte dos analistas do mercado prevê que o IPCA estoure o teto (6,5%) da meta em junho, e os serviços deverão ter influência importante. Os últimos dados da inflação mostram que os preços de serviços contam com um impulso adicional da Copa do Mundo. O IPCA-15, prévia do índice oficial de preços, em junho mostrou alta de serviços prestados a famílias, como alimentação fora do domicílio, excursões, hospedagem e tarifas aéreas.
— Depois da Copa, será o momento de se verificar se houve arrefecimento nos serviços. Se houver, será saudável, porque veremos um efeito da política monetária — afirma Silvia.
O Ibre projeta que a inflação de serviços termine o ano em 8,4%, pouco abaixo dos 8,7% de 2013. A Pnad Contínua, pesquisa mais ampla a respeito do mercado de trabalho, é uma das razões para os economistas do instituto não estimarem um desaquecimento tão grande da economia. A pesquisa mostrou no primeiro trimestre a criação de 1,77 milhão de vagas, um cenário diferente das principais metrópoles, onde a ocupação está estacionada.
A manicure Sandra Ferreira trabalha em um salão no Centro do Rio e não está confiante no efeito Copa sobre a clientela. Normalmente, faz as mãos de até 13 clientes. Com o expediente terminando mais cedo em escritórios do entorno, o serviço caiu à metade. Como ganha comissão, a partir de um salário de cerca de R$ 700, ela se preocupa:
— A Copa está dando prejuízo para nós. Ontem atendi apenas quatro clientes.
A dona do salão, Fátima Freitas, também se mostra pessimista com a economia:
— O poder aquisitivo das pessoas vai caindo e aí se prioriza o que é necessário. Muitas mulheres estão fazendo a unha e coloração em casa.
O economista Bruno de Conti, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, reconhece que a inflação incomoda, mas considera que a mudança de patamar de preços dos serviços ligados ao salário mínimo revela melhora na renda de quem faz essas atividades.
— Faz parte de um processo quase civilizatório de melhoria, ainda que marginal, na distribuição de renda, que era e continua sendo aberrante. Apesar de a inflação estar alta, os reajustes, na maioria, têm sido suficientes para repor as perdas.
Fonte: O Globo, via Imil
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