O debate sobre o salário mínimo continua bastante intenso por aqui, já que avança no Congresso a proposta de tornar permanente a regra atual de reajuste. Segundo ela, o crescimento do salário mínimo corresponde ao crescimento percentual do PIB de dois anos atrás mais a inflação do ano anterior. Muitos analistas defendem a mudança dessa regra pois ela tem feito o valor real do salário mínimo aumentar muito nos últimos anos. Isso estaria colocando as finanças públicas em xeque, uma vez que vários benefícios sociais e aposentadorias pagas pelo governo estão atrelados ao valor do salário mínimo.
É preciso lembrar, no entanto, que o objetivo principal de uma política de valorização do salário mínimo é aumentar o salário das pessoas que não tiveram oportunidade de se qualificar no passado. Será que, visto por esse prisma, as elevações recentes do valor do salário mínimo têm sido tão ruins assim?
Já sabemos que a maior parte da redução da desigualdade de renda que ocorreu no Brasil a partir do início deste século aconteceu no mercado de trabalho. Os programas de transferência de renda, apesar de importantes para reduzir a pobreza extrema, não foram os principais responsáveis por esse fenômeno. Mas, o que exatamente aconteceu no mercado de trabalho que fez com que os salários dos trabalhadores menos qualificados aumentassem tanto na última década?
É necessário alterar as regras de aposentadoria e pensão que são muito complacentes no Brasil e eliminar grande parte das desonerações e incentivos fiscais que permeiam a economia brasileira
O principal fator parece mesmo ter sido a elevação do salário mínimo. Seu valor aumentou 18% em termos reais entre 2001 e 2005 e 46% entre 2005 e 2012 (de R$ 426 para R$ 622 em valores de 2012). Nos primeiros anos da década passada o aumento do salário mínimo não foi suficiente para evitar uma queda de 5% no salário real médio da economia. Porém, evitou uma queda maior no salário dos trabalhadores não qualificados, de apenas 3%, ao passo que o salário real médio dos trabalhadores qualificados (com ensino superior) declinou 15%.
No período mais recente (2005 a 2012), o salário real médio da economia aumentou 34% e, o salário dos menos qualificados 39%, ao passo que o rendimento dos qualificados aumentou somente 8%. Assim, a razão entre os maiores e menores salários da economia brasileira passou de 12 vezes em 2001 para 10 vezes em 2005 e 8,5 em 2012. Uma queda significativa da desigualdade no mercado de trabalho, mas que ainda nos deixa distante do ideal. Interessante notar que o mesmo tem ocorrido na Argentina e no Uruguai, que também aumentaram bastante o salário mínimo nos últimos anos.
O aumento do nível educacional dos trabalhadores também contribuiu para a redução da desigualdade, por meio da queda dos diferenciais de salários associados à educação, pois a oferta está crescendo mais rapidamente do que a demanda. Mas, como a elasticidade de substituição entre trabalhadores qualificados e não qualificados é alta no Brasil (em torno de 10), o aumento educacional só consegue explicar uma pequena parte da queda do diferencial de salários na economia. Pesquisas empíricas usando técnicas estatísticas sofisticadas mostram que o aumento do salário mínimo realmente foi um dos principais responsáveis pela queda recente da desigualdade no Brasil (e também na Argentina e no Uruguai).
Vale notar que no Brasil esse aumento do salário mínimo foi acompanhado por reduções na informalidade e na taxa de desemprego na economia. Isso só foi possível porque a demanda por trabalhadores menos qualificados também aumentou nesse período, pois a nova classe média passou a consumir bens que utilizam intensivamente mão de obra menos qualificada, principalmente no setor de serviços. Se as nossas empresas industriais decidirem começar a investir em P&D e inovar, a demanda por trabalhadores qualificados poderia aumentar novamente, o que provavelmente reverteria esse processo. Esse dia ainda parece distante, porém.
Aproximadamente 11 milhões de trabalhadores ganhavam exatamente um salário mínimo em 2012 (13% do total de trabalhadores). Essa porcentagem é maior entre as mulheres e os negros. Assim, aumentos do salário mínimo também reduzem as diferenças salariais entre homens e mulheres e entre brancos e negros. Interessante notar que 15% dos trabalhadores informais também recebem um salário mínimo. Como podemos imaginar, um salário de R$ 622 por mês não faz com que esses trabalhadores se encaixem entre os mais ricos da sociedade. Na verdade, os trabalhadores que recebem o salário mínimo estão entre os 25% com menores salários na economia (incluindo o setor informal).
Será então que deveríamos aumentar ainda mais agressivamente o valor do salário mínimo? Acredito que não, uma vez que os problemas atuais de gerenciamento da nossa economia estão fazendo com que a produtividade cresça muito pouco e colocando as finanças públicas em risco. Mas, não há motivos para mudar a regra atual de reajuste do salário mínimo. É necessário alterar as regras de aposentadoria e pensão que são muito complacentes no Brasil e eliminar grande parte das desonerações e incentivos fiscais que permeiam a economia brasileira.
Em suma, aumentos de salário mínimo não vão resolver de forma permanente o problema da desigualdade de oportunidades no Brasil, o que só será conseguido com a melhora da qualidade da educação pública. Porém, R$ 100 a mais de salário por mês faz muita diferença para grande parte dos trabalhadores brasileiros que não tiveram chance de se educar no passado. Atualmente é imprescindível melhorar a gestão macroeconômica e dos recursos públicos para trazer de volta os investimentos e a produtividade para a economia brasileira. Mas, não precisamos aumentar a desigualdade para fazê-lo.
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário