Pedro Rossi*
O debate eleitoral sobre a inflação e a política monetária começou muito mal. De um lado uma postura defensiva do governo e, de outro, candidatos de oposição que propõem um aprofundamento do atual modelo, seja pela redução da meta para 3% com proposto por Eduardo Campos, seja pelas “medidas impopulares” de Aécio Neves. Diante disso, é necessário buscar alternativas e oxigenar esse debate.
O recente ciclo de aumento de juros no Brasil, de 7,25% para 11%, obedeceu a uma lógica perversa na qual a taxa de juros é o remédio único para uma inflação de causas diversas. A gestão do atual regime de metas se apoia no uso do instrumento da taxa de juros com o objetivo de afetar a demanda agregada, entretanto, as causas da inflação não se restringem a um problema de demanda.Há questões estruturais associadas ao desenvolvimento brasileiro recente que são fontes de aumento de preços pelo lado da oferta.
A redução da desigualdade de renda, por exemplo, gera descompassos entre o crescimento dos salários e da produtividade. Em um primeiro momento, o aumento dos salários gera uma pressão de aumento nos custos de produção. Em um segundo momento, a recomposição da margem de lucro dos empresários gera uma nova rodada de aumento de preços que, por sua vez, reduz o poder de compra do salário. Adicionalmente, o processo de redistribuição de renda também resulta em mudanças do lado da demanda, uma vez quea ascensão de novos consumidores amplia o mercado e exige adaptações nas condições da oferta, que podem levar tempo.
No caso brasileiro, a inflação de serviços tem sido sistematicamente superior à inflação média nos últimos anos, em grande medida efeito da distribuição da renda e do consequente aumento da demanda por serviços. Assim, não cabe à política monetária desacelerar o processo de distribuição de renda através de desemprego e recessão, com está implícito no discurso de Aécio Neves e, também na proposição de Eduardo Campos de redução da meta para 3%.
Outra pressão de custos decorrente do processo de desenvolvimento é o surgimento de gargalos como infraestrutura, transporte, logística, energia, etc. Os investimentos em infraestrutura são absolutamente necessários para que o crescimento econômico não esbarre em uma inflação derivada de um aumento dos custos de produção. Com isso, quando os juros aumentam o custo de oportunidade do investimento no curto prazo, aumenta-se potencialmente a inflação no longo prazo.
A flutuação dos preços de commodities é outra origem importante de inflação de custos. No passado recente, a taxa de câmbio tem sido um canal importante de transmissão da política monetária, e de absorção de choques de oferta oriundos dos preços de commodities. Entretanto, o uso da taxa de câmbio para essa finalidade é extremamente problemático por conta do padrão de volatilidade de preços de commodities. Na medida em que a taxa de câmbio reproduz esse padrão de volatilidade prejudica-se a exportação industrial e o investimento produtivo.
Em todos os casos onde a inflação decorre de problemas de oferta, a eficácia do uso da taxa de juros como instrumento de política monetária é extremamente limitada. O aumento dos juros tende a inibir o investimento e retrair a oferta, reforçando as causas da inflação. Ou seja, a contração monetária pode afetar a demanda agregada, reduzindo o crescimento sem afetar a causa originária da inflação.
Por fim, o regime de metas de inflação tem como vantagem o estabelecimento de um compromisso público com a estabilidade de preços e um quadro de referência para a política monetária, contudo a sua a gestão precisa ser flexibilizada. Nesse sentido, deve-se considerar três pontos importantes: 1) que a meta de inflação não seja um objetivo exclusivo da política monetária, 2) que a meta de inflação seja flexível o suficiente para acomodar as pressões de preços decorrentes das transformações estruturais inerentes ao processo de desenvolvimento e outros choques de oferta, e 3) que a taxa de juros não seja o único instrumento para atingir a meta de inflação e que outros instrumentos sejam usados dependendo da origem do fenômeno e da natureza do impulso inflacionário.
* – Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp
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