quinta-feira, 25 de setembro de 2014

BC independente: sem mistificações

Em artigo, Marcos Lisboa e Carlos Eduardo Gonçalves falam sobre a recente discussão de independência do Banco Central

Banco Central independente – fatos e mitos

As narrativas da mitologia grega auxiliavam as pessoas no enfrentamento da vastidão do desconhecido, reduzindo os incentivos para que ultrapassassem os seus limites e cometessem excessos, a Hubris, fonte de todos os seus problemas, severamente punida pelos deuses. No debate recente, porém, mitos têm sido utilizados com a intenção menos nobre de distorcer propostas afim de desqualificá-las, obstruindo o debate. 
Esse é o caso da independência do Banco Central(BC), que, segundo a mitologia moderna, implicaria a captura da política monetária pelos mercados financeiros. Nada mais equivocado.
Para quem aprecia o léxico, a utilização conjunta das palavras “independência” e “captura” causa estranheza, revelando a natureza pedestre da crítica. Que fique claro: os objetivos da política monetária, como a meta de inflação, são determinados pelos poderes eleitos nos países onde o banco central é independente. 
Garante-se independência, apenas, ao manejo dos instrumentos para obter os objetivos. Não há, portanto, déficit de democracia na proposta. O apodo “independente” deve ser desmitificado, porque significa algo distinto do propagandeado.

O Poder Judiciário é independente do Poder Executivo nas nações democráticas, garantindo que as escolhas executivas respeitem as normas legais, os princípios da democracia e os interesses de longo prazo da sociedade. Trata-se de um avanço ou de um retrocesso?
A independência do Banco Central, com mandatos para o seu corpo diretor descasados do ciclo eleitoral, o protege de pressões oportunistas deletérias para os objetivos estabelecidos democraticamente. Isso atenua os ciclos econômicos, pois reduz a probabilidade de expansões em marcha forçada em anos de eleição e a subsequente contração após o pleito. Além disso, a independência auxilia a disciplinar a política fiscal, reduzindo a possibilidade de financiamento dos gastos públicos por meio do imposto inflacionário, socialmente injusto.
Para garantir a subordinação aos objetivos fixados pelos poderes eleitos, a independência do Banco Central requer critérios que permitam a demissão dos seus diretores, como no caso de descumprimento das metas para a política monetária.
Ao contrário do Judiciário, porém, a independência do BC não significa um poder autônomo. A existência de um contrato de gestão, com metas a serem cumpridas, implica a subordinação da condução monetária ao regime definido pelos poderes eleitos. Independência, neste caso, significa maior controle democrático, não menos.
E o que diz a evidência empírica disponível sobre o tema? Para os países desenvolvidos, ela é muito clara: graus mais elevados de independência estão associados a patamares mais baixos de inflação. Já no caso dos países em desenvolvimento, os resultados dos primeiros trabalhos nos anos 1990 eram menos alvissareiros: ausência quase completa de correlação.
Trabalhos mais recentes, no entanto, sugerem que, quando a independência do banco central ganha status constitucional, ela ajuda, sim, na obtenção de índices de inflação mais modestos. O resultado sugere que em economias menos desenvolvidas as leis, em geral, são menos críveis, como infelizmente ilustram diversos países latino-americanos, mas essa fragilidade se reduz substancialmente quando se trata de uma lei constitucional.
A proposta de independência do Banco Central garante maior transparência à política monetária e fortalece o seu controle democrático, com seus objetivos claramente estabelecidos num contrato de gestão e a faculdade de demissão dos dirigentes em caso de seu descumprimento. Certamente, é do agrado de quem escolhe os representantes, mas não dos interesses oportunistas de quem trafega pela sombra e pratica numa direção enquanto promete em outra, ultrapassando os limites e cometendo excessos de encontro aos deuses do Olimpo, neste caso, os eleitores.
Carlos Eduardo Gonçalves é professor titular da FEA-USP. E Marcos Lisboa é vice-presidente do Insper. 
Fonte: O Estado de S. Paulo - 20/09/2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário