O desembarque do PMDB do governo escancarou o que alguns especialistas consideram um dos principais problemas da administração pública brasileira: a “caixa-preta” dos cargos de indicação política.
Fontes do governo “vazaram” para a imprensa que o PMDB teria um total de 600 cargos de confiança na administração pública federal – aí incluídos funcionários dos sete ministérios nas mãos do partido.
O governo abriu uma rodada de negociações, oferecendo esses cargos a PP, PR, e um bloco formado por Pros, PHS e PEN em troca de apoio para barrar o impeachment no Congresso.
De acordo com a BBC Brasil, a questão é que ninguém soube ou quis informar onde exatamente estão esses cargos. “Isso é informação estratégica, que não será divulgada”, disse uma fonte governista à publicação. "Não abrimos em nenhuma hipótese”, afirmou uma fonte do PMDB, garantindo que o partido “não sabe de onde saiu o número 600″.
“É um absurdo que não haja transparência sobre onde estão esses cargos, e, de forma mais ampla, sobre quem fez as indicações para preencher os mais de 20 mil cargos de confiança da burocracia federal”, diz Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. Para ele, o governo não tem interesse em divulgar a lista dos responsáveis pelas indicações “para não colocar em evidência que milhares de cargos públicos são instrumento de barganha política em um imenso balcão de negócios” e evitar que os partidos aliados saibam “quem ficou com uma fatia menor do bolo”.
“É claro que essa prática de trocar cargos públicos por apoio político não é de hoje. E o preço que a população paga é uma queda de eficiência do setor público porque são colocadas na administração federal pessoas que desconhecem a máquina pública ou sem a qualificação necessária”, diz Castello Branco.
Corruptos ‘sem padrinhos’
Segundo o fundador da Contas Abertas, a falta de transparência também é “muito conveniente” para os partidos. “Se um indicado é envolvido em um caso de corrupção, por exemplo, eles podem se afastar dele mais facilmente. Afinal, em política, filho feio não tem pai.”
É o que parece que tem acontecido no caso de diretores da Petrobras envolvidos na Lava Jato. Só para citar um exemplo: o lobista Fernando Baiano disse, em sua delação premiada, que quem indicou Nestor Cerveró para a Diretoria Internacional da estatal foi o senador Delcídio do Amaral (ex-PT, hoje sem partido). Delcídio disse que a indicação foi de Dilma. E a presidente negou.
Segundo uma fonte, chegou a se discutir recentemente nos bastidores do governo uma proposta pela qual, para fazer indicações a cargos públicos, os políticos de diversos partidos precisariam enviar um ofício assinado à Presidência da República ou Ministério da Casa Civil. A ideia, porém, não foi adiante.
Em outros países
Outros países têm outras soluções para ampliar a transparência sobre os cargos de indicação política. Nos EUA, por exemplo, o nome de todos os ocupantes de cargos de confiança na burocracia federal são listados em um livro publicado depois de cada eleição presidencial, alternadamente por uma comissão do Senado e uma comissão da Câmara dos Deputados.
A publicação, popularmente conhecida como The Plum Book (O livro ameixa), em função de sua cor, também tem anotações sobre o tipo de indicação de cada autoridade. “Acho que uma iniciativa semelhante também poderia ajudar o Brasil a avançar na questão da transparência”, diz Castello Branco.
Análise
Mas, afinal, é correto submeter cargos públicos – essenciais ao provimento de serviços básicos à população – à lógica da barganha política? Como e por que se estabeleceu essa prática?
O sociólogo Felix Lopez, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), explica que há hoje na burocracia federal cerca de 23 mil cargos de Direção e Assessoramento Superior, ou DAS, preenchidos por indicação, sem concurso público específico.
É a esses cargos que normalmente os especialistas se referem quando falam em “cargos de confiança” ou “de indicação política” da burocracia federal, embora também haja um adicional de mais de 70 mil cargos que seriam “funções de confiança” – em geral, promoções a servidores. “É o caso, por exemplo, de um funcionário do Exército alçado a chefe do setor de abastecimento do Exército”, explica Castello Branco.
“Além disso, também temos um grande número de cargos em estatais preenchidos por indicação política e sobre os quais muito pouca informação é divulgada.”
Para muitos especialistas, há um “excesso” de cargos de confiança no Brasil e o sistema de preenchimento de alguns desses cargos no governo e estatais deveria ser “reavaliado”.
Nos EUA, por exemplo, são 8 mil cargos desse tipo no Legislativo e Executivo federal. “Provavelmente há algum exagero no Brasil, e o problema é que isso amplia a rotatividade desses postos e prejudica a continuidade das políticas públicas”, diz Lopez.
“Minhas pesquisas (analisando a rotatividade de cargos de confiança de 1999 a 2013) mostraram que há trocas inclusive se o ministro ou gestor é trocado por outro do mesmo partido, porque cada legenda tem suas facções.”
É verdade que nem todos os 23 mil cargos de confiança são objeto de cobiça política.
“Somente os postos mais altos são realmente cobiçados. Calculo que sejam uns 1.200 ou 1.300, além dos cargos em estatais, que não entram nessa conta”, diz Lopez. “Esses cargos também têm como finalidade permitir que se possa alçar funcionários públicos de bom desempenho a cargos de mais responsabilidade”, diz Claudio Couto, cientista político da FGV, lembrando que, no caso de cargos de mais baixo nível hierárquico, há inclusive cotas das indicações que precisam ser preenchidas por funcionários de carreira do setor público.
Outro objetivo da existência desses cargos, segundo Fabiano Angélico, consultor da ONG Transparência Internacional, é impedir que a burocracia estatal se “ossifique” e os funcionários públicos atuem em causa própria.” É o caso de auxílios-moradia aprovados por juízes concursados para juízes concursados, por exemplo.”
Na prática, porém, o que acontece é que oferecer alguns desses postos mais cobiçados para os aliados tornou-se uma forma de o governo comprar apoio no Congresso. E não é difícil entender por que esses cargos viraram moeda de troca analisando os incentivos dos partidos políticos para fazerem essas indicações, como explicam os especialistas consultados pela BBC Brasil.
O incentivo mais legítimo seria o desejo de influir em políticas públicas. Uma boa gestão em um ministério de peso, afinal, pode dar projeção a um político e ampliar suas chances nas urnas. As motivações programáticas, porém, nem sempre são as principais. Os partidos também fazem indicações para “premiar filiados” e influenciar a distribuição de recursos e serviços providos por determinada área da administração pública, favorecendo aliados ou regiões da sua base eleitoral.
“Essa prática não chega a ser ilegal, mas mostra uma ação fora do interesse público”, diz Lopez. Por fim, algumas vezes também há motivações ilícitas por trás das indicações, como a oportunidade de influenciar projetos públicos para obter propina e fazer caixa dois. E o escândalo revelado pela Lava Jato mostrou o estrago que esquemas desse tipo podem trazer aos cofres públicos.
“Acho difícil que os partidos queiram um lugar em uma estatal para exercer influência sobre seus projetos por questões ideológicas ou programáticas, então de fato é o caso de se pensar se esse é o melhor sistema”, diz Lopez. “Talvez fosse interessante blindar algumas posições-chave de influência político-partidária para evitar esse tipo de problema.”
*Com informações BBC Brasil - Contas Abertas
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