terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

O novo-desenvolvimentismo e o governo Lula

PUBLICADO EM 26-02-2019


Da economia política à política econômica: o novo-desenvolvimentismo e o governo Lula

INTRODUÇÃO

No início do primeiro governo Lula, economistas de diversas orientações teóricas fora do mainstream foram surpreendidos por suas políticas macroeconômicas, que mantiveram inalteradas aquelas introduzidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) após a crise do real, em 1999. Essas políticas eram baseadas no paradigma neoliberal e, tipicamente, inspiradas pela abordagem dos mercados eficientes. Sua ênfase na "competitividade" e na estabilidade monetária substituiu gradualmente, a partir dos anos 1980, o paradigma desenvolvimentista periférico fundado no dirigismo estatal para assegurar o crescimento acelerado (Ferraz, Crocco e Elias, 2003, p. 14).

As políticas macroeconômicas mantidas por Lula eram fundadas no famoso tripé composto por uma política monetária determinada pelas metas de inflação, câmbio flutuante e uma política fiscal visando manter um superávit primário que compensasse o déficit nominal das contas públicas (no contexto deste artigo, essas são as "políticas neoliberais"). Essas políticas são também associadas às reformas institucionais da década de 1990, que resultaram em forte liberalização comercial, desregulamentação financeira, uma crescente abertura da conta de capitais e outras reformas microeconômicas coerentes com o suposto da eficiência intrínseca dos mercados (denominadas aqui de "reformas neoliberais").

A perplexidade dos críticos era particularmente significativa porque críticas à continuidade das políticas neoliberais já eram feitas até mesmo por policy makers diretamente envolvidos na sua implementação. Por exemplo, já em 2001, Barros (2002, pp. 109-115) argumentava que o Plano Real (que sintetizou esse conjunto de políticas, a partir de 1994) tinha "envelhecido" e perdido "eficácia" por se manter prisioneiro de um falso "dilema fiscalismo versus desenvolvimentismo", e por não ter atentado para a estrutura produtiva interna, que vinha perdendo produtividade ante à concorrência da indústria internacional, graças à "opção liberal" do governo Fernando Henrique Cardoso.

Uma parte da bibliografia que critica esse continuísmo macroeconômico derivou de artigos acadêmicos e outra de livros destinados ao grande público. Seus autores tinham por orientação teórica o keynesianismo e o marxismo, em suas diversas versões. 

Podemos distinguir nessa produção crítica dois objetivos. O primeiro era demarcar os campos teóricos, por exemplo, quando os críticos se aplicavam em demonstrar a continuidade das políticas do governo anterior no governo Lula, explorando as contradições e limites dessa opção, e vaticinando seu "fracasso". A essa continuidade, esses autores antepunham um programa alternativo consagrado pelo pensamento de esquerda. Esse teria como inspiração histórica e analítica um arco abrangendo diferentes versões do nacional-desenvolvimentismo e do socialismo, incluindo a advogação de rupturas que permitiriam uma maior "liberdade" de ação da política econômica diante dos agentes privados. Essa produção acadêmica, representada, por exemplo, por Paula (2003a e 2005) e por trabalhos oriundos do Instituto de Economia da Unicamp, entre muitos outros, se concentrou na análise do período 2003-2005.

Um segundo objetivo dessa linha de análise heterodoxa era a formulação de propostas concretas de uma nova política macroeconômica e de políticas assessórias (de crédito, industrial etc.), formando um todo coerente e capaz de substituir as políticas neoliberais. As análises com esse objetivo acabaram fundando uma nova proposta de política econômica, denominada pelos seus autores como "novo-desenvolvimentismo" (ou "neodesenvolvimentismo"). Essa proposta deveria funcionar como instrumento de intervenção no debate dentro e fora do governo Lula. Foi com base nelas que, a partir de 2006, o governo Lula passou a adotar novas iniciativas e políticas que se mesclaram às políticas macroeconômicas neoliberais, estabelecendo-se, dali em diante então, a política econômica híbrida que caracterizou esse governo até 2010, e que parece persistir no governo de sua sucessora.

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