Robinson Borges
Com um ar descontraído, que pouco lembra os tempos em que esteve à frente do Banco Central, Gustavo Franco, 49 anos, entra na sala de seu escritório no centro do Rio e avisa: 'Vou vestir minha gravata porque o que vou falar é coisa muito séria'. Devidamente composto, retorna à sala e começa a discorrer sobre moeda e câmbio, temas caros a um dos pais do Plano Real e ao mais ardoroso defensor da âncora cambial - o que lhe custou o cargo no BC. No entanto, o que torna o tema 'solene' para Franco é que naquele instante ocorre uma espécie de rito de passagem: o economista cede lugar para um ilustrado intelectual. Franco está ali para falar de 'O Papel e A Baixa do Câmbio - Um Discurso Histórico de Rui Barbosa', livro que sua empresa, a Rio Bravo Investimentos, e a Editora Reler acabam de lançar.
O livro tem como protagonista Rui Barbosa (1849-1923), o primeiro ministro da Fazenda da República, no período entre 1889 e 1891. A escolha chama a atenção por que o 'Águia de Haia' parece ser um personagem mítico para o ex-presidente do BC. Além de ser um dos temas de sua tese de mestrado, o político e jurista traz em sua trajetória alguns paralelos com a história de Franco. Assim como ele, Rui Barbosa era um intelectual de brilho, que foi severamente criticado por sua atuação na condução da economia do país. E, assim como Franco, criou um plano econômico. E esse é o foco do livro.
'O Papel e a Baixa do Câmbio' aborda o 'Encilhamento', período de especulação desenfreada promovida pela política do ministro Barbosa. O Brasil estava em transição: passava do trabalho escravo para o assalariado, e do Império para a República. Barbosa assumia a pasta no meio de uma briga política entre 'metalistas' e 'papelistas', correntes de pensamento, que, hoje, remetem ao debate entre ortodoxos e heterodoxos, ou entre monetaristas e desenvolvimentistas.
Entusiasmado com a expansão da economia, Rui Barbosa foi um 'papelista', mais preocupado com o crescimento do que com a estabilidade cambial. Em 1890, assinou um decreto estabelecendo a pluralidade emissora do papel-moeda a alguns bancos privilegiados e o dinheiro passou a ser lastreado por bônus governamentais, não mais por fundos de reservas. As medidas, no entanto, provocaram uma 'inundação de papel' e a 'baixa do câmbio'. À época, os 'metalistas' diziam que a fragilidade da moeda estava no déficit fiscal e no excesso de emissões de papel-moeda, e os 'papelistas' afirmavam que o conflito estava no balanço de pagamentos, que não era necessariamente induzido pela expansão das emissões.
A versão histórica hegemônica parece ser a dos 'metalistas'. Mas Franco aponta que o nó do plano estava nas condições desfavoráveis do balanço de pagamentos e no cenário externo. O próprio Barbosa, em sua defesa, afirmou que uma das determinantes da desvalorização cambial fora a retração dos movimentos de capital para o Brasil, que surgira de uma crise financeira internacional.
A Argentina havia declarado default, tendo como conseqüência a falência do banco Baring Brothers em Londres, uma sólida instituição - que, como recorda Franco, quebrou em 1995, quando não pôde honrar posições em derivativos na Bolsa de Tóquio. 'Lembram as crises asiática e russa que o Gustavo enfrentou no governo nos anos 90', brinca Winston Fritsch, que além de sócio na Rio Bravo, foi orientador da premiada tese de mestrado que o ex-BC defendeu em 1982, quatro anos antes de obter seu PhD em Harvard e voltar ao Brasil como um 'enfant terrible'.
Os Barings estavam envolvidos na expansão de investimento inglês na Argentina e a contaminação para a entrada de capital no Brasil foi imediata, 'criando duradoura desconfiança com esses títulos', diz Franco. De fato, entre 1891 e 1895, nenhuma nova companhia inglesa se formou para operar no Brasil.
Alguns problemas que se tornaram crônicos na história econômica do país parecem ter começado ali, na primeira infância da República. O ' Encilhamento' revela, por exemplo, 'a fragilidade de situações de equilíbrio externo sustentadas por influxos instáveis de capital, a importância da âncora fiscal e de sua independência em relação às flutuações cambiais', escreve Fritsch na orelha do livro.
Ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Fritsch diz que a discussão entre 'metalistas' e 'papelistas' transformou-se na polêmica entre conservadores, a 'favor do câmbio 'alto', e populistas, defensores do câmbio 'baixo''. Para ele, quando o BC recorria à âncora cambial na gestão de Franco, os 'populistas' eram contra o câmbio fixo por que ele estava 'defasado'. 'Eles o queriam flutuante para fazer subir o nível. Pois bem, temos o câmbio flutuante e, supostamente, defasado. E aqueles que criticavam o câmbio fixo, que na verdade criticavam o câmbio baixo, querem o câmbio fixo, mas alto, para favorecer a exportação. Percebe o paradoxo?', pergunta. 'Os debates se transformam. É preciso mergulhar em cada contexto para compreender o cenário. E esse livro nos ajuda a isso.'
O ex-presidente do Banco Central concorda. Para ele, os debates transfiguram-se de acordo com o quadro histórico e institucional, por isso, considera difícil capturar o 'substrato filosófico básico' que envolve a clássica discussão entre as duas correntes. Mas o ambiente institucional, garante, é fundamental para fortalecer a economia e mitigar tais diferenças. Na época do 'Encilhamento', por exemplo, não havia meios de controle das operações financeiras por parte do governo - leia-se, um banco central para evitar a volatilidade do câmbio e os abusos do Estado contra a moeda - e esse é um elemento que pode ter comprometido o desempenho de Barbosa. 'Mas, nesse período, vemos o drama do banco central sem falar nesse nome', diz Franco.
É verdade que o mundo estava num período de experimentações e não havia o paradigma do banco central, ao qual o Brasil só aderiu, em parte, em 1964. 'Na Inglaterra, onde tudo estava avançado, ninguém dizia que o Banco da Inglaterra, privado, era um banco central', observa. 'Havia ainda o dilema de o Estado ter de aprender o que era a moeda fiduciária e como ele deveria organizar-se institucionalmente para gerir o poder de escrever um número num papel e esse pedaço de papel passar a ter valor.'
Mas os problemas de Barbosa no ministério não pararam por aí. Seu plano também estimulou a criação de sociedades anônimas e a concessão de créditos. Milhares de empresas foram formadas - algumas fantasmas - criando um frenesi econômico e uma especulação estratosférica. Em pouco tempo, a bolha estourou. Empresas não tinham lastro ou correspondência monetária, o que promoveu falências, inflação, carestia, recessão e desemprego. Sem apoio, Rui Barbosa demitiu-se.
Na análise de Fritsch, a especulação tinha mais a ver com o 'espírito animal dos empresários' (expressão de John Maynard Keynes) do que propriamente com o plano econômico. 'Naquele tempo, havia algo tão impopular como hoje: a carestia. A cesta básica tinha componentes importados absurdos. E o ministro entrou em crise. A inflação anual era de 20%', afirma Franco.
O texto do ex-presidente do BC no livro é, na verdade, um prefácio robusto, que forma o conteúdo da primeira parte da obra. A segunda traz o brilhante discurso de Barbosa, realizado no Senado no fim de 1891, quando ele já estava fora do Ministério da Fazenda. O teor é o de defesa de sua gestão, com a qualidade de um orador imbatível e estudioso da língua portuguesa - que não por acaso foi presidente da Academia Brasileira de Letras em substituição a Machado de Assis. 'É difícil ter um discurso tão bem preparado e fundamentado como esse', diz Franco. 'Nós não nos posicionamos pró-Rui, apenas mostramos seu valor.'
Valor Econômico
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/index.asp
Disponível em: http://www.riobravo.com.br/noticias/conteudo.asp?id=6606
PARABÉNS PELO ARTIGO. ESTAVA PROCURANDO UM TEXTO QUE COMPARASSE RUI BARBOSA COM J. M. KEYNES E SEU ARTIGO ME DEU UMA BOA LUZ.
ResponderExcluirSOU PROFESSOR DE HISTÓRIA E ESTAVA PROCURANDO CRIAR UMA QUESTÃO QUE ABORDASSE A CRISE DE 1929 E O ENCILHAMENTO.