terça-feira, 24 de abril de 2012

No Maranhão, jornalista é morto por causa de denúncias

Profissional era repórter de Política e, em blog pessoal, denunciou esquemas de
corrupção no TJ-MA, tráfico de rim humano e ações de empresários no interior do estado

Por Lei dos Homens – Carla Lisboa

A execução a tiros de Décio Sá na noite dessa segunda-feira (23), em São Luís, Maranhão, aumenta para seis o número de assassinatos de jornalistas no exercício da profissão, no Brasil, nos últimos seis meses e o de crimes contra a imprensa, segundo a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). De acordo com a SIP, dos cinco assassinatos de jornalistas registrados no País nos últimos seis meses, três estão relacionados ao exercício profissional.

Sá era repórter do jornal O Estado do Maranhão e na hora do crime, ele estava sozinho no Bar da Marcela, localizado na Avenida Litorânea.  Pediu um prato com caranguejo e em seguida foi alvejado por seis tiros – dois deles na cabeça – por um motoqueiro que fugiu. Conhecido por suas críticas a políticos, empresários e agentes públicos do Estado do Maranhão, ele tinha um blog, que será peça de inquérito e no qual denunciava setores públicos e políticos.

Ele escrevia sobre temas perigosos que mexiam com os interesses de autoridades locais e do interior do estado. Na semana passada, ele denunciou um violento esquema de corrupção em curso no Tribunal de Justiça (TJ) do Maranhão em que revela a ação de três assessores do órgão. Nos últimos dias ele denunciou também o empresário Pedro Teles e também uma rede de tráfico de rim humano”, conta o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Maranhão, Leonardo Monteiro.

Colega de trabalho de Décio Sá, ambos atuavam na editoria de Política do jornal, Monteiro afirma que ele sofria constantes ameaças e comenta que a morte do amigo “é emblemática para mostrar como a legislação penal do Brasil é caduca, da época do Império, e, por isso, facilita a execução desse tipo de crime. É também o resultado de uma impunidade que acaba por afetar a liberdade de imprensa: qualquer um pode matar, pagar uma fiança e responder em liberdade porque, no Brasil, a prisão é exceção para qualquer tipo de crime”.

O presidente do sindicato diz ainda que há outros jornalistas ameaçados, principalmente no interior do estado, “como é o caso do radialista Antônio Viana, em Caxias”, disse. “Foi um crime muito ousado. Foi um crime encomendado. As pessoas que entraram aqui no bar vieram com a intenção de executar o jornalista Décio Sá. As pessoas que testemunharam o fato disseram que o autor dos disparos não escondeu nem a cara”, disse o secretário de Segurança Pública do Maranhão, Aluísio Mendes.

SIP pede punição
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, sigla em espanhol) divulgou um relatório, durante reunião semestral realizada em Cádis, Espanha, na semana passada, em que revela 27 crimes contra a imprensa, além do aumento de assassinatos, agressões, atos de terrorismo e ameaças a jornalistas no exercício da profissão e da ação sistemática de governos contra os meios de comunicação independentes como principais problemas da imprensa nas Américas

A reunião durou quatro dias e terminou nessa segunda-feira (23) com um pedido dos 250 participantes representantes de jornais de 25 países para que os governos americanos punam os culpados por homicídios de jornalistas. No relatório, a SIP denuncia medidas governamentais que visam ao cerceamento do trabalho jornalístico, citou leis aprovadas ou em discussão para controle dos meios de comunicação e enumerou uma série de casos de crimes contra jornalistas. A SIP pediu aos governos brasileiro e mexicano providências para que os homicídios não fiquem impunes.

Problemas com governos
O documento conclusivo protesta contra “governos de origem democrática, porém autoritários, que usam os meios de comunicação estatais para perseguir e difamar a mídia independente”.  A SIP revela que cinco países, a “Venezuela, Equador, Argentina, Bolívia e Nicarágua, enfrentam problemas comuns em mãos de presidentes arbitrários e intolerantes que tentam calar a imprensa crítica”.Um dos casos mais preocupantes citados nas conclusões da SIP é a decisão do presidente equatoriano, Rafael Correa, de definir a informação como um serviço público, passível, portanto, do controle do Estado. Entre as ações contra a imprensa cometidas no Equador, a SIP cita os processos judiciais contra jornalistas, por injúria.

Dirigentes do jornal El Universal foram condenados a três anos de prisão em ação movida por Correa, que, depois da sentença, anunciou o “perdão” aos jornalistas, o que encerrou o processo. A SIP cita ainda o esforço do governo para aprovar uma Lei de Comunicação para controle externo da imprensa. No caso da Venezuela, a SIP enfatizou “o caráter totalitário do governo, liderado pelo presidente Hugo Chávez”, protestou contra ofensas constantes a jornalistas independentes e lembrou a cláusula constitucional da “informação veraz”, que serve de base para a censura a reportagens.

Lembrou ainda outro grave problema levado à reunião pelos representantes da Venezuela: a dificuldade de acesso a informações oficiais, até mesmo nos casos de violência urbana. Por isso, foi incluída na resolução final para a Venezuela a “exigência de que o presidente Hugo Chávez e seus ministros forneçam acesso às fontes de informação, principalmente neste importante período de preparação para as eleições”.

Perseguição a não alinhados
A SIP fez uma série de solicitações também ao governo argentino, entre as quais o fim do controle da produção e importação de papel para jornais e o fim da “política de perseguição e estigmatização dos meios de comunicação e jornalistas não alinhados ao sistema de comunicação oficial”. Cita ainda a resistência do governo em sancionar a lei de acesso à informação pública e a regulamentação da publicidade oficial.

As conclusões da SIP relatam ainda o aumento de agressões e prisões de dissidentes em Cuba e informa a média de 600 detenções por mês em 2012. No México, a maior preocupação é com as 29 agressões a jornalistas e meios de comunicação nos últimos seis meses, “provocados pelo crime organizado e por funcionários corruptos”. O informe da delegação mexicana denunciou que houve 76 homicídios de jornalistas entre 2000 e 2012.

“O mais lamentável que pode ocorrer é que os meios de comunicação cedam a esses regimes”, afirmou o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e de Informação da SIP, Gustavo Mohme, do jornal La República, de Lima, na entrevista de encerramento da reunião. O presidente da SIP, Milton Coleman, editor do The Washington Post, cobrou agilidade da Justiça para punir os responsáveis por assassinatos de jornalistas, quando identificados. Pediu ainda independência para julgar processos contra jornalistas e também os pedidos de censura a reportagens. “No caso dos homicídios, o problema é que muitos não são investigados e ninguém é responsabilizado. Em todas as situações esperamos que a Justiça faça o que tem que fazer. Esperamos uma Justiça totalmente autônoma, mas lamentavelmente em alguns países ela está submetida ao Poder Executivo e ao Legislativo”, afirmou Coleman.

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