4. A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Aproximadamente em 1860 a Revolução Industrial entrou numa nova fase,
tão diferente da que a precedera que alguns historiadores propõem
chamá-la Segunda
Revolução Industrial. Os principais acontecimentos que a
anunciaram foram em número de três: a invenção do processo
Bessemer na siderurgia, em
1856; o aperfeiçoamento do dínamo por volta de 1873 ; e a
invenção do motor de combustão interna, em 1876.
De um modo geral, os característicos que servem para distinguir a
Segunda Revolução Industrial da primeira são: 1) a
substituição do ferro pelo aço como material industrial básico; 2) a
substituição do vapor pela eletricidade e pelos produtos do petróleo como
principais fontes de força motriz; 3) o desenvolvimento da maquinaria
automática e de um alto grau de especialização do trabalho; 4) o uso de ligas,
de metais leves e dos produtos da química industrial; 5) mudanças radicais nos
transportes e comunicações; 6) o desenvolvimento de novas formas de organização
capitalista; e 7) a extensão da industrialização à Europa Central e Oriental e
mesmo ao Extremo Oriente.
É necessário dizer algumas palavras a respeito de cada um desses fatos
marcantes. Havia séculos que se conheciam os métodos de fabricação de aço. Já no ano 1000 os sarracenos produziam
excelentes espadas de aço em Damasco. Desde os fins da
Idade Média os europeus também tinham aprendido
a preparar o cobiçado metal. Mas os métodos eram
morosos e difíceis, e o produto saía muito caro. Em 1856, Sir Henry
Bessemer descobriu que a injeção de um jato de ar no ferro em fusão eliminava
quase todo o carbono, convertendo assim o ferro em aço. O resultado foi fazer
baixar o preço deste metal a menos de um sétimo do custo primitivo. Quando se
verificou que o novo processo só podia ser aplicado a minérios de alto teor,
dois químicos ingleses, Sidney Thomas e P. C. Gilchrist, trataram de
melhorá-lo. Em 1878 descobriram um método pelo qual o ferro mais inferior, com
alto teor de fósforo, podia converter-se em aço. As consequências foram
pasmosas. Não só o ferro fosfórico da Inglaterra começou a ser usado, mas
também enormes jazidas da Lorena, da Bélgica e dos Estados Unidos se tornaram,
de súbito, imensamente valiosas. Entre 1880 e 1914 a produção de aço da
Grã-Bretanha subiu de 2 a 7 milhões de toneladas, na Alemanha de 1 a 15 milhões
e nos Estados Unidos de 1.600.000 a 28 milhões. O aço suplantou quase
completamente o ferro para trilhos ferroviários, para o arcabouço de grandes
edifícios, para pontes e outros fins que exigiam um metal barato mas de alta
tenacidade.
O afastamento do vapor como fonte básica de força
motriz resultou acima de tudo da invenção do dínamo,
uma máquina capaz de converter a energia mecânica em energia elétrica. Se bem
que o princípio do dínamo tivesse sido formulado por Michael Faraday em 1851,
nao se conheceu, antes de 1873, nenhuma máquina desse tipo que se prestasse
para fins práticos. A partir dessa data a utilização da energia elétrica na
maquinaria industrial progrediu a passos de gigante. O vapor começou a ser
gradualmente relegado a um plano inferior, sendo usado sobretudo para mover
dínamos. Em certas regiões, mormente onde o carvão era escasso, foi ele
substituído, mesmo para esse fim, pela energia hidráulica. Em 1929 a
eletricidade fornecia dois terços da força motriz requerida pela indústria
britânica, sendo a proporção ainda maior na Alemanha. A A.E.G. (Allgemeine
Elektrizitätsgesellschaft), com a fabricação de motores, geradores e outros
equipamentos elétricos, tornou-se a maior unidade industrial da Europa.
Entre as feições mais típicas da Segunda Revolução
Industrial contaram-se a introdução
da maquinaria automática, um
enorme desenvolvimento da produção em massa e a extrema divisão do trabalho nos
processos de fabricação. Estas três coisas têm caminhado juntas desde os
anos que precederam
imediatamente a Primeira Guerra
Mundial. Exemplo característico do desenvolvimento da
maquinaria automática foi a invenção da célula fotoelétrica ou "olho
elétrico", que pode ser empregada para ligar
e desligar comutadores, abrir portas, classificar ovos,
inspecionar produtos enlatados, contar folhas de papel e medir-lhes a
espessura, e até para acusar dinheiro falso. Inventaram-se máquinas para
dirigir e fazer funcionar outras máquinas, bem assim como para executar séries
inteiras de processos de fabricação que outrora absorviam muito trabalho
humano. A maquinaria automática não só favoreceu um extraordinário
desenvolvimento da produção em massa, senão que o volume das mercadorias produzidas
cresceu consideravelmente com a adoção da correia transportadora sem fim. A
idéia foi inicialmente copiada por Henry Ford, mais ou menos em 1908,
dos enfardadores de carne de Chicago, os quais usavam um trólei suspenso para
fazer circular as carcaças ao longo de uma fila de magarefes. Ford aperfeiçoou
gradualmente o processo, até poder montar um chassi completo do seu famoso
"Modelo T" em uma hora e trinta e três minutos. Mais recentemente, o sistema da correia transportadora e da linha de montagem,
em que o trabalhador repete o dia inteiro uma tarefa simples e monótona, foi
adotado em todas as fábricas de automóveis dos Estados Unidos, bem como em
muitas outras indústrias. Tem ele proporcionado ao mundo uma espantosa
abundância de mercadorias e reduzido o preço de certos artigos que constituíam
anteriormente um luxo só acessível aos ricos; ninguém, contudo, é capaz de
prever ainda os graves efeitos que poderá ter sobre o espírito e o moral dos
operários.
As transformações recentes dos métodos de produção têm provindo não só
da invenção de máquinas complicadas mas também do papel cada vez mais dominante
que a ciência vem desempenhando na indústria. A verdade é que as descobertas
importantes da Segunda Revolução Industrial têm emanado com mais frequência dos
laboratórios de física ou química do que do cérebro dos inventores natos. A supremacia da ciência no campo da indústria
deixou-se entrever pela primeira vez quando William Henry Perkin obteve, em
1856, a primeira anilina, ou seja o primeiro corante extraído do coltar
(alcatrão mineral). Foi esse o início de um maravilhoso
desenvolvimento da química sintética. Descobriu-se que desse
mesmo alcatrão mineral era possível extrair literalmente centenas de corantes,
além de uma infinita variedade de outros produtos, tais como o anil, a
aspirina, o óleo de gaultéria, a essência de flores de laranja, a sacarina, o
ácido fênico e a essência de baunilha. Com o passar dos anos, muitas
substâncias novas foram adicionadas à lista dos produtos sintéticos. Inventaram-se
métodos para obter papel de polpa de madeira, para sintetizar ácido nítrico com
os elementos do ar, para extrair glicose e amido do milho e seda artificial das
fibras de madeira.
Nestes últimos anos realizaram-se notáveis progressos na criação de matérias plásticas obtidas de várias
substâncias, tais como a caseína, o fenol e derivados do carvão e do coque. Os
guidões de alguns dos mais recentes modelos de automóveis são feitos, em última
análise, de carvão, água, acetato e celulose. Já se tem produzido borracha
artificial de boa qualidade por vários processos baseados no uso quer do
carvão, quer do petróleo. Os químicos também vieram em auxílio de muitas
antigas indústrias, descobrindo meios de utilizar subprodutos até então
desvaliosos ou aumentando rendimento das fontes de matéria-prima existentes. O
caroço de algodão, por exemplo, é transformado em celulóide, em cosméticos, em
pólvora sem fumaça e azeite de cozinha, ao passo que o processo de refinação da
gasolina pelo "cracking" elevou a mais do dobro o rendimento da mesma
quantidade de petróleo. O emprego dos metais leves e das ligas de ferro está em
nossos dias intimamente ligado aos
progressos da química industrial. O
mais antigo dos metais leves, o alumínio, embora
descoberto em 1828, não começou a
ter um uso generalizado senão por volta de
1900. É extraído de uma argila conhecida pelo nome de bauxita, a
qual abunda em certos países
como a França, a Iugoslávia e os Estados
Unidos. Como a produção do alumínio é mais cara que a do aço,
o seu uso, até hoje, tem-se limitado em grande parte aos motores de automóveis
e aviões, caixilhos e telas de janela e utensílios de cozinha. O
magnésio, um metal muito mais raro, foi empregado na construção de aviões
durante a Segunda Guerra Mundial e de então para cá tem sido adaptado a outros
usos restritos. Obtido inicialmente pela eletrólise do cloreto de magnésio, é
hoje fabricado em larga escala com água do mar. Não menos importantes que os
metais leves são as chamadas ligas do ferro, que incluem o manganês, o cromo, o
tungstênio, o vanádio, o mojibdeno e
alguns outros metais.
Encontrados sobretudo em países como a China, a
Turquia, a Rússia, a Índia e a Rodésia, são indispensáveis à indústria moderna.
Só elas podem comunicar ao aço a dureza e a tenacidade exigidas pela produção
de máquinas-ferramentas. Juntamente com outros materiais de primeira
necessidade que se encontram disseminados por países distantes entre si, elas
constituem um excelente exemplo da interdependência econômica das várias partes
do mundo contemporâneo.
A segunda fase da Revolução Industrial presenciou uma revolução nos transportes e nas comunicações, talvez
maior que a da primeira. Depois de 1860 verificou-se uma atividade
febril na construção de vias férreas. Antes dessa data, havia
no máximo uns 50.000 quilômetros de trilhos assentados no mundo inteiro.
Em 1890, a quilometragem elevara-se a 32.000 só na Grã-Bretanha, a 42.000
na Alemanha e a 270.000 nos Estados Unidos. O próprio serviço ferroviário foi
muito melhorado pela invenção do freio de ar comprimido, em 1868, e pela
introdução do carro-dormitório, do carro-restaurante e do sistema de sinais
automáticos de bloqueio logo depois. Nos últimos tempos tem-se dado muita atenção
ao aumento da velocidade dos trens. Composições aerodinâmicas equipadas com
motores Diesel percorrem grandes distâncias à velocidade média de 120 ou mais
quilômetros por hora. Desde 1918, no entanto, as estradas de ferro têm sido
grandemente prejudicadas pela concorrência de novas formas de transporte. Sirva
de ilustração a queda do número de passageiros dos trens americanos, que foi de
1.200.000.000 em 1920 e de 434.000.000 em 1933. Durante o mesmo período, o
volume das cargas baixou de 2.400.000.000 de toneladas para 1.300.000.000. Em
1950 o número de passageiros transportados tinha subido para apenas
488.000.000, apesar de um aumento de população avaliado em 20%. No mesmo ano, o
volume das cargas foi de 2.700.000.000 de toneladas, mas só o futuro poderá
dizer se se tratou ou não de um acréscimo temporário devido à guerra da Coréia
e ao estímulo que esta ofereceu à indústria. O maior concorrente das estradas
de ferro é, já se vê, o automóvel com os seus derivados — o ônibus e o
caminhão.
Impossível apontar um indivíduo determinado como
inventor do automóvel, embora sejam vários os que reivindicam essa honra. Tanto
Daimler como Benz construíram veículos a gasolina na Alemanha pelas alturas de
1880, mas os seus inventos eram pouco mais do que triciclos motorizados. O
primeiro a adaptar o princípio do motor de combustão interna a uma carruagem
parece ter sido o francês Levassor. Em 1887 criou ele um veículo com motor na
frente, em que a transmissão ao eixo traseiro se fazia por meio de uma
embreagem, um eixo e engrenagens redutoras e diferenciais. Tanto quanto se pode
saber, foi o primeiro automóvel da história. Evidentemente, muitas outras
invenções eram necessárias para fazer do automóvel um meio de condução
eficiente e confortável. Não foram das menos importantes o pneumático, que J.
B. Dunlop aperfeiçoou em 1888, e o arranque automático inventado por Charles
Kettering mais ou menos em 1910. Mas o automóvel continuaria sendo
indefinidamente um luxo para os ricos se Henry Ford não tivesse resolvido produzir
um carro acessível às pessoas de posses medianas. Em 1908 iniciou a fabricação
do seu Modelo T, na teoria de que poderia ganhar mais dinheiro vendendo uma
grande quantidade de carros baratos, com pequena margem de lucro, do que
oferecendo um produto caro a uns poucos privilegiados. Outras companhias
seguiram-lhe o exemplo, donde resultou tornar-se a indústria automobilística,
já em 1928, o mais importante ramo da produção norte-americana. Desde a década
de 1920 a aviação tem-se tornado uma das principais formas de transporte e a
fabricação de aviões, uma importante indústria.
Como a invenção do automóvel, a do aeroplano não pode ser atribuída a
uma só pessoa. A idéia de que um dia o homem seria capaz de voar é na verdade
bem antiga. Não somente foi sugerida por Roger Bacon no século XIII, mas chegou
a concretizar-se em alguns planos definidos de máquinas voadoras concebidas
pelo espírito fecundo de Leonardo da Vinci. Não obstante, o nascimento da
aviação como uma possibilidade mecânica data da última década do século
passado. Foi por essa época que Otto Lilienthal, Samuel P. Langley e outros
iniciaram seus experimentos com máquinas mais pesadas do que o ar. O trabalho
de Langley foi continuado pelos irmãos Wright, que, em 1903, realizaram o
primeiro vôo bem sucedido num aeroplano movido a motor. A partir de então o
progresso foi rápido. Em 1908 os irmãos Wright voaram perto de cem milhas (160
km). No ano seguinte Louis Blériot atravessou a Mancha no monoplano havia pouco
inventado por ele. Em 1911 um outro francês, Prier, realizou um vôo direto de
Paris a Londres. Durante a Primeira Guerra Mundial cada uma das nações
beligerantes fez todos os esforços possíveis para utilizar as possibilidades do
avião como instrumento de morte. Em resultado disso, amiudaram-se os progressos
no planejamento e na eficiência. Não devemos esquecer, entretanto, que mesmo
sem a guerra o progresso teria sido rápido, pois, desde que uma invenção obtém
sucesso, os aperfeiçoamentos se sucedem em progressão geométrica. Em todo caso,
por volta de 1919 a aceitação geral do aeroplano como meio de transporte levou
a estabelecer um serviço regular entre Londres e Paris. Atualmente linhas
de passageiros, expressas e postais ligam quase todas as cidades importantes do
mundo. Durante o ano de 1952 as várias companhias com
serviços regulares nos Estados Unidos transportaram um total de mais de
23.000.000 de passageiros. Os primórdios da Revolução Industrial, ou seja a era
do carvão e do ferro, trouxeram consigo apenas um progresso importante nas
comunicações. Foi ele, como já vimos, a invenção do telégrafo, que já em 1860
estava em pleno uso. A era da eletricidade e
do motor de combustão interna foi
acompanhada pelo aperfeiçoamento de várias invenções que
anularam, por assim dizer, o tempo e as distâncias na divulgação de notícias e
na comunicação com lugares longínquos.
Em primeiro lugar surgiu o telefone, cuja
invenção se atribui geralmente a Alexander Graham Bell, se bem que
algumas horas apenas depois de ele ter requerido patente em Washington, no dia
15 de fevereiro de 1876, Elisha Gray se apresentou praticamente com a mesma
ideia. A seguir veio o telégrafo sem fio, inventado por Guglielmo Marconi com
base nos descobrimentos de Heinrich Hertz e outros a respeito da transmissão
das ondas eletromagnéticas através do éter. Em 1899 Marconi transmitiu uma
mensagem sem fio através do Canal da Mancha e, dois anos mais tarde, através do
Atlântico. A invenção do telégrafo sem fio aplainou o caminho para o
desenvolvimento do rádio, do telefone sem fio e da televisão. O primeiro
tornou-se possível graças aos trabalhos de Lee De Forest, o inventor da válvula
eletrônica, e o segundo pelas descobertas de Poulsen e Fessenden. As
rádio-transmissões comerciais iniciaram-se em 1920 e o serviço telefônico entre
a Inglaterra e os Estados Unidos foi inaugurado em 1927. Deve-se ao escocês J.
L. Baird o milagre da televisão que, apesar de ter surgido em 1926,
somente cerca de vinte anos depois pôde ser adaptado ao uso prático.
A precedente lista de invenções não esgota em absoluto o registro
dos progressos mecânicos da Segunda
Revolução Industrial. Devemos mencionar especialmente a invenção da luz elétrica, uma das que mais
contribuíram, em toda a história, para o bem-estar da raça humana. Não
só aumentou o conforto e a segurança da vida contemporânea mas também foi uma
dádiva preciosa para os mineiros, sem falar de muitas operações difíceis da
cirurgia moderna que seriam impossíveis sem ela. A luz elétrica foi concebida
em primeiro lugar por Sir Humphrey Davy, aproximadamente em 1820, mas só se
tornou um êxito comercial em 1879, quando Thomas A. Edison inventou a lâmpada
de filamento incandescente. Mesmo depois disso foram necessários inúmeros
melhoramentos para que seu uso se generalizasse. Somente ao completar o
imigrante austríaco Nikola Tesla os seus experimentos com a corrente alternada,
em 1888, é que foi possível instalar sistemas de iluminação nas ruas e nas
casas de cidades inteiras.
Entre outras conquistas mecânicas importantes do período iniciado em
1860 contam-se a invenção da linotipo por Ottmar Mergenthaler, o aperfeiçoamento da refrigeração artificial por J. J.
Coleman e outros, a invenção da máquina de escrever por Charles Sholes e Carlos
Glidden e o desenvolvimento da fotografia cinematográfica, que se deve
principalmente a Edison.
A Segunda Revolução Industrial distinguiu-se desde o início não só
por meros avanços técnicos, mas ainda mais
notadamente pelo desenvolvimento
de novas formas de organização capitalista.
De um modo geral, a era do carvão e do ferro foi também a era das pequenas
empresas. Pelo menos até os meados do século XIX, a sociedade coletiva ainda
era a forma dominante de organização comercial. É certo que muitas dessas
sociedades comerciavam em larga escala, mas não se podiam comparar com as
gigantescas companhias de época mais recente. Seu capital consistia
principalmente em lucros reaplicados no negócio e os sócios, em geral, tinham
uma parte ativa no trabalho de direção. Também tinham sido formadas muitas companhias por ações, mas, salvo
quanto à estabilidade e à responsabilidade limitada, estas pouco diferiam das
sociedades coletivas. Todos esses tipos de organização, na medida em que se
ocupavam com a manufatura, a mineração ou os transportes, podem ser
considerados como formas de capitalismo industrial.
Durante a Segunda Revolução Industrial, especialmente depois de 1890, o
capitalismo industrial foi em grande parte sobrepujado pelo capitalismo
financeiro, um dos desenvolvimentos mais decisivos da época moderna. O capitalismo financeiro tem quatro característicos
principais: 1) o domínio da indústria pelos bancos de investimentos e pelas
companhias de seguros; 2) a formação de imensas acumulações de capital; 3) a
separação entre a propriedade e a direção; e 4) o aparecimento dos holdings ou
companhias detentoras. Cada um destes fatos requer uma breve explanação.
Um dos primeiros
exemplos de domínio da indústria pelos bancos de
investimentos foi a formação da "United States Steel
Corporation" em 1901, com o auxílio de J. P. Morgan & Cia. Desde
então as instituições financeiras passaram a controlar
um número sempre crescente
de companhias americanas. É verdade que não
possuem todo o capital dessas
companhias, nem mesmo uma fração considerável
dele. Muitas das grandes companhias de hoje têm centenas de
milhares de acionistas. Mas a grande maioria dessas pessoas são
absenteístas que pouco ou nada influem na política da instituição, e algumas de
suas ações nem sequer dão direito a votar nas assembleias. Os bancos e as
companhias de seguros exercem o controle, em alguns casos, pela posse de uma
maioria de ações com direito a voto e, em outros casos, por meio de empréstimos
flutuantes feitos sob condições que conferem amplos poderes aos emprestadores
ou lhes dão direito a uma representação junto às diretorias.
As
gigantescas acumulações de capital que vieram a caracterizar a organização
industrial moderna incluem os trustes, as fusões de
empresas e os cartéis. Todos eles são organizados para a
mesma finalidade: restringir ou suprimir a concorrência. Os trustes são
combinações de todos ou quase todos os produtores de certos artigos a fim de
controlar-lhes o preço e a produção. As
fusões ocorrem entre companhias que produzem os mesmos artigos ou
artigos relacionados. Diferem dos primeiros pelo fato de as unidades
constituintes perderem completamente a sua individualidade,
"fundindo-se" numa nova companhia. Os cartéis podem ser definidos como associações livres de
companhias independentes com o propósito principal de restringir a concorrência
na venda dos seus produtos. Diferem tanto dos trustes como das fusões de
empresas em não constituírem entidades corporativas. Não emitem ações e não têm
uma direção centralizada. Podem funcionar tanto na escala nacional como na
internacional. Durante a década de 1930 alguns governos europeus favoreceram a
formação de cartéis nacionais no intuito de fortalecer as suas indústrias
contra a concorrência estrangeira. Mas os mais interessantes, e talvez os mais
importantes tipos de cartéis são aqueles que transpõem as fronteiras
internacionais. Antes da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, algumas
companhias americanas tinham formado cartéis com companhias similares da
Alemanha, estabelecendo uma troca de patentes e descobertas e dividindo
entre si os mercados mundiais para evitar a concorrência.
O
terceiro elemento do capitalismo financeiro é a separação entre a propriedade e
a direção. Os verdadeiros proprietários das
empresas industriais são os milhões de pessoas
que empregaram as suas economias em ações; a direção está nas mãos de um
grupo de funcionários e de diretores eleitos por uma minoria de acionistas que
monopolizaram as ações com direito a voto ou reuniram as procurações dos seus
colegas absenteístas. Em alguns casos, os funcionários pouco mais são do que
empregados assalariados, possuindo uma insignificante percentagem do capital da
companhia. Não é raro o caso, até, de preferirem eles inverter os seus ganhos
excedentes em empresas mais
sólidas do que aquelas
a que presidem.
O
capitalismo financeiro inclui, por fim, o desenvolvimento dos holdings ou
companhias detentoras como uma das formas básicas de organização capitalista. O holding é um
estratagema pelo qual certo número de unidades de produção são reunidas sob o
controle de uma companhia que lhes monopoliza a maioria das ações. A companhia
detentora não se dedica à produção, mas a sua renda consiste nos honorários dos
diretores e nos dividendos pagos pelas unidades produtoras. Se bem que a
justifique, por vezes, o fato de promover a integração da indústria e facilitar
a expansão dos negócios, é ela na realidade um símbolo do triunfo do financista
sobre a figura fora da moda do capitalista produtor.
É preciso
salientar, por último, que desde 1860 a industrialização se
tem estendido a quase
todos os países do
mundo civilizado. Na era do carvão e do
ferro a produção mecanizada se restringira principalmente à Grã-Bretanha,
França, à Bélgica e aos Estados
Unidos; e a primeira, é claro, estava muito mais adiantada do que
os demais. Depois de 1860, a industrialização disseminou-se rapidamente e todas
as grandes potências vieram, com o tempo, a colher com abundância os seus
benefícios e os seus males.
A adoção dos
novos métodos fez-se notar em particular na Alemanha. Antes
de 1860 os estados alemães tinham sido predominantemente agrários
e pelo menos 60% do seu povo tirava a
subsistência do solo. Pelas alturas de 1914, o
império dos kaisers era a maior nação
industrial da Europa, produzindo mais aço do que a
Inglaterra e colocando-se à frente do mundo inteiro na manufatura de produtos
químicos, corantes de anilina e equipamento elétrico e
científico. São vários os fatores
principais de tão prodigiosa expansão. Em primeiro
lugar, não existia na Alemanha
a tradição do laissez-faire. Desde
muitos anos os seus economistas vinham
pregando que o estado
devia intervir de todos os modos possíveis para
promover o poderio econômico da nação.
Conseqüentemente, foi fácil ao governo fortalecer indústrias fracas,
nacionalizar as estradas de ferro e administrá-las no interesse do comércio, e
até mesmo encorajar o desenvolvimento dos trustes.
Em segundo lugar, o povo alemão estava habituado à
disciplina, à submersão da personalidade individual no seio do
grupo.
A Prússia sempre
fora um estado militar e o seu sistema de inculcar a ordem e a obediência
pelo serviço militar
obrigatório era encarado como
o alicerce do império. Como terceira razão podemos mencionar
a importância dada nas escolas ao ensino das ciências aplicadas, donde
resultava uma abundante reserva de técnicos que podiam ser empregados pelas
companhias industriais por salários muito baixos. As famosas fábricas de
munição Krupp, em Essen, possuíam um corpo de cientistas experimentados maior
que o de qualquer universidade do mundo. Em último lugar, mas não entre os
menos importantes, está o fato de ter a Alemanha adquirido, em virtude da sua
vitória sobre a França em 1870, as ricas jazidas de ferro da Lorena, que chegaram
a fornecer três quartos do minério necessário à sua indústria básica do aço. A
industrialização não atingiu a Europa Oriental tão rapidamente
quanto à Alemanha, nem progrediu
tanto ali. Não obstante,
em 1890 iniciou-se na Rússia um desenvolvimento considerável do sistema fabril
e dos transportes mecanizados. Nesse país como na Alemanha, a
Revolução Industrial foi em parte uma consequência do apoio
governamental. Sob a influência de Sérgio de Witte,
notável ministro sob Alexandre III e Nicolau II, o governo dos czares cobrou
direitos proibitivos sobre as mercadorias importadas e tomou dinheiro
emprestado à França para subvencionar a construção de estradas de ferro e
numerosas empresas industriais. Esses e outros esforços deram resultados
pasmosos.
Em 1914 a Rússia produzia mais ferro do que a
França, sua produção de carvão tinha-se elevado a mais do dobro e, na indústria
têxtil, o país colocava-se em quarto lugar no mundo. Havia nada menos de três
milhões de pessoas a trabalhar nas manufaturas, enquanto alguns
estabelecimentos industriais empregavam 10.000 operários.
Na
Itália e no Japão, a Revolução Industrial também progrediu em grande parte
devido à intervenção do estado, pelo menos na sua fase inicial. Em ambos esses países o movimento começou por volta de 1880 e ao
deflagrar a Primeira Guerra Mundial havia completado um ciclo de nítido
progresso. Na Itália, o governo ampliou o sistema ferroviário e promoveu tal
desenvolvimento das indústrias de seda e algodão que as exportações italianas
aumentaram de quase 300% entre 1895 e 1914. As realizações japonesas foram
ainda mais notáveis. Em 1914, o pequeno império insular tinha 10.000
quilômetros de estradas de ferro, quase que totalmente de propriedade do
estado. Sua indústria têxtil estava perto de igualar a da Inglaterra, ao passo
que o montante do seu comércio estrangeiro havia subido de virtualmente zero a
cerca de 700.000.000 de dólares.
EDWARD McNALL BURNS
PROFESSOR DE HISTÓRIA DA RUTGERS UNIVERSITY
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
PROFESSOR DE HISTÓRIA DA RUTGERS UNIVERSITY
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
Capítulo 23: A
Revolução Industrial dos séculos XIX e XX
Continua na postagem seguinte...
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