3. HOMENS E MÁQUINAS DOS PRIMEIROS
TEMPOS
A fase inicial da Revolução Industrial, que vai de cerca de 1760
a 1860, testemunhou um
desenvolvimento fenomenal da aplicação da maquinaria à
indústria, o qual lançou os alicerces da nossa civilização mecânica
moderna. Como vimos, o primeiro ramo
da indústria a ser mecanizado foi a manufatura de tecidos de algodão.
Não era essa uma das indústrias tradicionais dos ingleses, senão um
empreendimento recente em que cada empresário podia experimentar quase todos os
métodos que desejasse. Além do mais, era um negócio em que os lucros dependiam
da produção intensiva. A fim de que a indústria pudesse realizar progressos era
necessário encontrar meios de obter um maior volume de fio do que jamais se
poderia conseguir com o instrumental primitivo ainda em uso. O primeiro
dispositivo que veio atender a essa necessidade foi a spinning jenny ou máquina
de fiar inventada por James Hargreaves em 1767. Essa máquina, assim chamada em
homenagem à esposa do inventor, cujo nome era Jenny, era na realidade uma roda
de fiar composta, capaz de produzir oito fios ao mesmo tempo. Infelizmente, os
fios que produzia não eram bastante fortes para ser utilizadas como fibras
longitudinais, ou urdimento, do tecido de algodão. Só com a invenção do
bastidor hidráulico de Richard Arkwright, cerca de dois anos depois, é que se
tornou possível a produção intensiva de ambas as modalidades de fio de algodão.
Finalmente, em 1779, outro inglês, Samuel Crompton, combinou certos
característicos da spinning jenny e do bastidor hidráulico numa máquina de fiar
híbrida que ele, com propriedade, denominou mule (mula). Essa máquina foi sendo
progressivamente aperfeiçoada até que, vinte anos mais tarde, tornou-se capaz
de produzir simultaneamente quatrocentos fios da melhor qualidade.
Entretanto, os problemas da indústria de algodão ainda não estavam inteiramente
resolvidos.
Algumas das
novas invenções da indústria têxtil contribuíram para o desenvolvimento do
sistema fabril. O bastidor hidráulico, a spinning mule e o tear mecânico eram
máquinas grandes e pesadas que não podiam ser instaladas nas casas dos
trabalhadores. Todas elas se destinavam, com o tempo, a ser acionadas por força
motriz, e além disso custavam tão caro que ninguém, a não ser um abonado
capitalista, poderia comprá-las. Era portanto inevitável que fossem instaladas
em grandes edifícios e que os trabalhadores empregados em fazê-las funcionar
ficassem sob a supervisão do proprietário ou de um gerente. Tais eram os traços
essenciais do sistema fabril na sua forma original. Muito apropriadamente, o
verdadeiro fundador do sistema foi Richard Arkwright, o inventor do bastidor
hidráulico. Graças à sua indomável perseverança e imenso tino para os negócios,
Arkwright elevou-se da condição de simples barbeiro e cabeleireiro até se
tornar o primeiro capitão de indústria. Trabalhando habitualmente das cinco da
manhã às nove da noite, lutou com obstáculos durante anos. Encontrou tenaz
oposição por parte dos poderosos interesses da indústria de lã. Suas oficinas
foram depredadas por multidões de trabalhadores enfurecidos, os quais temiam
que as máquinas de Arkwright os deixassem sem emprego. Foi acusado, talvez com
alguma razão, de ter roubado a outros a idéia do bastidor hidráulico. Afirma-se
que despendeu ao todo cerca de 60.000 dólares antes que os seus projetos
começassem a dar lucro. Fundou a sua primeira fábrica, movida por força
hidráulica, em 1771. Custa acreditar que o sistema fabril pudesse ter assumido
grande importância sem o aperfeiçoamento da máquina a
vapor. As rodas hidráulicas eram vagarosas e nem sempre se dispunha de
cursos de água com força suficiente para movê-las. Outras fontes de energia
foram experimentadas, com resultados ainda menos satisfatórios. O tear
mecânico original, inventado por Cartwright,
era movido por uma vaca, ao passo que alguns de seus sucessores
empregaram cavalos e até um cão terra-nova. Sabia-se, havia
séculos, que o vapor d’água podia ser utilizado como fonte de força
motriz. Grosseiras máquinas a vapor tinham sido construídas
por Heron de Alexandria no século I antes de Cristo, por Leonardo da Vinci
durante a Renascença e por vários outros nos primórdios da idade moderna.
Nenhuma delas, entretanto, fora aproveitada em coisa mais útil do que fazer
girar o espeto nas cozinhas dos reis ou obrar milagres nos tempos antigos. O
primeiro homem a empregar a força do vapor com propósitos industriais foi
Thomas Newcomen, que, em 1712, inventou uma tosca mas eficiente máquina a vapor
para bombear água das minas de carvão inglesas. Pelos meados do século estava
em uso aproximadamente uma centena desses engenhos. Algumas eram de enormes
proporções e podiam fazer o trabalho de mais de cinqüenta cavalos;
uma delas tinha um cilindro de seis pés (1,80 m) de diâmetro. Até as menores
podiam gerar mais força motriz do que a maioria das rodas hidráulicas. Malgrado
o seu imenso valor para a indústria mineira, a máquina de Newcomen ressentia-se
de defeitos que a impediam de ser usada em larga
escala para fins industriais
em geral.
Para começar,
desperdiçava tanto combustível como força. Era construída de
tal maneira que depois de cada movimento do êmbolo o
vapor tinha de ser condensado pela aspersão de água fria no
cilindro. Isso significava que o cilindro devia ser novamente aquecido antes do
percurso seguinte, e tais aquecimento e resfriamento alternados retardavam
grandemente a velocidade da máquina. Em segundo lugar, o "amigo do
mineiro" (assim se chamava a bomba de Newcomen) só se adaptava ao
movimento em linha reta requerido pelo bombeamento; ainda não fora descoberto o
meio de converter a ação retilínea do êmbolo num movimento rotativo. Ambos esses
defeitos foram finalmente remediados por James Watt, um construtor de aparelhos
científicos da Universidade de Glasgow. Em 1763 Watt foi encarregado de
corrigir um modelo da máquina de Newcomen. Enquanto se dedicava a isso,
concebeu a idéia de que ela podia ser muitíssimo melhorada com a adição de uma
câmara especial para condensar o vapor, de maneira a eliminar a necessidade de
resfriar o cilindro. Em 1769 patenteou sua primeira máquina com o acréscimo
desse dispositivo. Mais tarde, inventou uma nova disposição de válvulas que
permitiam a injeção de vapor em ambas as extremidades do cilindro, fazendo com
que o êmbolo trabalhasse tanto para a frente como para trás. Em 1782 descobriu
um meio de converter a ação do êmbolo em movimento circular, capacitando assim
o motor a mover a maquinaria das fábricas. Infelizmente, o gênio inventivo de
Watt não era igualado pela sua habilidade comercial. Confessava que
"preferia enfrentar um canhão carregado a acertar uma conta duvidosa ou a
fechar um negócio". O resultado foi endividar-se ao tentar colocar
as suas máquinas no mercado. Foi salvo por Matthew Boulton, próspero negociante
de ferragens de Birmingham. Os dois formaram uma sociedade por comandita em que
Boulton era o sócio capitalista, e pelo ano de 1800 a firma já havia
vendido 289 motores para fábricas e minas. Poucas invenções tiveram maior
influência na história dos tempos modernos que a da máquina a vapor. Ao
contrário do que geralmente se pensa, não foi a causa inicial da Revolução
Industrial mas sim, em parte, um efeito desta. O motor de Watt, pelo
menos, nunca se teria tornado realidade se não fosse a procura de uma fonte
eficiente de energia para mover as pesadas máquinas já inventadas na indústria
têxtil. Por outro lado, é indiscutível que o aperfeiçoamento da máquina a vapor
promoveu um desenvolvimento mais rápido da industrialização. Deu uma nova
importância à produção do carvão e do ferro. Possibilitou, como veremos em
seguida, uma revolução nos transportes. Abriu oportunidades quase ilimitadas à aceleração
das manufaturas, tornando as nações industrializadas as mais ricas e poderosas
do mundo. Antes do desenvolvimento da máquina a vapor, as reservas de
energia estavam, em grande parte, à mercê das variações do tempo atmosférico.
Durante as secas, a baixa dos rios podia forçar os moinhos a restringir suas
atividades ou mesmo a suspendê-las por completo. Os navios, nas travessias do
oceano, atrasavam-se semanas inteiras por falta de vento. De ora em diante,
porém, haveria um fornecimento constante de energia que poderia ser aproveitada
quando necessário. Não é, portanto, exagero afirmar que a invenção de Watt
assinalou o verdadeiro começo da era da força motriz. Uma das indústrias que
deveram o seu rápido desenvolvimento ao aperfeiçoamento da máquina a vapor foi
a manufatura de ferro e de produtos deste metal. Se bem que muitas das
novas máquinas, como a spinning jenny e o bastidor hidráulico, pudessem ser
construídas de madeira, as máquinas a vapor exigiam material mais
resistente. Além disso, os seus cilindros deviam ser calibrados com a maior
precisão possível a fim de evitar a perda de vapor, o que necessitava um
progresso considerável na produção de máquinas-ferramentas e nos métodos
científicos da manufatura do ferro. O pioneiro deste trabalho foi John
Wilkinson, um fabricante de canhões. Em 1774, Wilkinson patenteou um método de
calibrar cilindros, método que reduzia a margem de erro a uma quantidade
diminuta para aquela época. Mais tarde dedicou-se à construção de lanchões de
ferro e à produção de chapas para pontes metálicas. Jamais escrevia uma carta
sem mencionar o ferro em cada página e dispôs no seu testamento que o
enterrassem num caixão de ferro. Ainda mais importantes que as contribuições de
Wilkinson foram as realizações de outro inglês, Henry Cort, um empreiteiro
naval. Em 1784 Cort inventou o método da pudlagem, que consiste em agitar o
ferro em fusão a fim de eliminar grande percentagem do seu conteúdo de carbono.
Isso possibilitava a produção de um metal de qualidade superior, quase tão duro
quanto o ferro forjado e muito mais barato. Dois anos mais tarde Cort inventou
o laminador para a fabricação de chapas de ferro. Essas duas inovações
revolucionaram a indústria. Em menos de vinte anos a produção de ferro na
Inglaterra quadruplicou e o preço caiu a uma fração do que era antes. As
transformações fundamentais nos processos de produção, que acabamos de
descrever, foram logo seguidas de momentosas inovações no setor dos
transportes. Os primeiros sinais de uma melhora positiva nos
métodos de viajar começaram a surgir nas proximidades de 1780. Foi por essa
época que se começou a tratar seriamente, na Inglaterra,
da construção de canais e de
estradas de pedágio. Nas alturas de 1830, quase todas
as grandes estradas tinham sido drenadas e empedradas, ao passo que as
principais vias fluviais se achavam ligadas por uma rede de 4.000
quilômetros de canais. A melhoria das
estradas possibilitou um serviço de
diligências mais rápido. Em 1784 o diretor-geral dos correios inaugurou
um serviço postal com carruagens que corriam continuamente, dia e noite, cobrindo
uma distância de 200 quilômetros em vinte e quatro horas. Ao findar o século
diligências especiais, conhecidas como "máquinas voadoras", ligavam
entre si todas as cidades principais do país, alcançando por vezes a velocidade
extraordinária de 15 ou 16 quilômetros por hora.
Mas o progresso
verdadeiramente importante nos transportes só começou após a adoção generalizada da máquina a vapor como fonte
segura de energia.
Fizeram-se
tentativas para adaptar o vapor às diligências e alguns desses
antepassados do automóvel moderno chegaram realmente a correr nas estradas. A
mais bem sucedida foi uma que Richard Trevithick construiu em 1800 e que chegou
a percorrer 150 quilômetros na estrada de Londres a Plymouth. Aos poucos ganhou
terreno a idéia de que seria mais proveitoso utilizar a máquina a vapor para
puxar uma fieira de carruagens sobre carris de ferro. Já existiam algumas
dessas estradas de ferro para transportar carvão, mas os carros eram tirados
por cavalos. Deve-se o aparecimento da primeira estrada de
ferro a vapor a George Stephenson, um mecânico autodidata que só aprendera a
ler aos dezessete anos. Trabalhando como maquinista numa mina de carvão, dedicava
as suas horas de folga a fazer experimentos com locomotivas. Em 1822 convenceu
das vantagens da tração a vapor um grupo de homens que estavam projetando uma
estrada de ferro para o transporte de carvão entre Stockton e Darlington e foi
nomeado engenheiro da linha com carta branca para executar os seus planos. O
resultado foi a inauguração, três anos depois, da primeira estrada de ferro com
máquina a vapor. As locomotivas que ele construiu para essa linha alcançavam a
velocidade de 24 quilômetros horários, inaudita para a época. Em 1830 projetou
a famosa Rocket (Foguete), que começou a correr sobre os trilhos da estrada
Manchester-Liverpool com uma velocidade quase dupla da dos primeiros modelos.
Antes de Stephen-son morrer, em 1848, cerca de 10.000 quilômetros de estradas
de ferro tinham sido construídas na Inglaterra e mais ou menos outro tanto nos
Estados Unidos. Entrementes, a máquina a vapor ia sendo paulatinamente aplicada
ao transporte fluvial. Neste setor
foram os americanos e não os ingleses que tomaram a
dianteira. Ainda hoje se discute sobre quem, precisamente, pode ser apontado
como o inventor do barco a vapor. Há indícios de terem
contribuído para ele vários indivíduos. A crer nos registros da época, o
primeiro que conseguiu movimentar um barco exclusivamente a vapor foi um
mecânico da Virgínia chamado James Rumsey. Em 1785, na presença de George
Washington, conduziu ele a sua máquina contra a corrente do Potomac a cerca de
sete quilômetros por hora. Pouco depois um outro americano, John Fitch,
construiu um barco que chegou a transportar passageiros durante alguns meses,
em 1790, no rio Delaware. O barco a vapor de Fitch assume particular
importância pelo fato de possuir uma hélice em lugar da roda de pás empregada
por todos os demais inventores. Mas Fitch jamais conseguiu fazer do seu invento
um sucesso financeiro. Após inúteis tentativas de interessar os governos na
adoção daquele, suicidou-se em 1798. Ainda a um terceiro americano, Robert
Fulton, é atribuído o mérito de haver convertido o barco a vapor num êxito
comercial. É duvidoso que Fulton fosse mais inventivo do que Rumsey ou Fitch,
mas teve bastante tino financeiro para conseguir fundos com um rico capitalista
e soube, além disso, manter-se em evidência perante o público. Em 1807 foi
aclamado como um herói nacional quando o seu Clermont, equipado com uma máquina
de Boulton & Watt e uma roda de pás, fêz todo o percurso entre Nova York e
Albany sem o auxílio de velas. Estava inaugurada a era
da navegação a vapor. Dentro em
breve, barcos de rodas semelhantes aos de Fulton percorriam
os rios e lagos não só da América mas também da Europa. Em abril de 1838 os
primeiros vapores, o Sirius e o Great Western, cruzaram o Atlântico.
Dois anos mais tarde Samuel Cunard fundou a famosa "Cunard Line",
oferecendo um serviço transoceânico regular com navios inteiramente movidos a
vapor.
O
progresso mais significativo das comunicações na primeira fase da Revolução
Industrial foi a invenção do telégrafo. Já em 1820 o
físico francês Ampere havia descoberto que o eletromagnetismo podia ser usado
para transmitir mensagens por meio de um fio entre pontos distantes. Só faltava
inventar aparelhos eficientes para transmitir e receber os despachos.
Experimentos nesse sentido foram tentados por vários indivíduos, três dos quais
alcançaram êxito quase simultaneamente. Em 1837 foram inventados sistemas
de telégrafo elétrico pelo alemão Karl Steinheil, pelo inglês Charles
Wheatstone e pelo americano Samuel Morse. Só em 1844, porém, foi que se
instalou a primeira linha telegráfica dotada de bastante eficiência para poder
ser explorada com fins comerciais. Foi ela a linha entre Baltimore e
Washington, construída a instâncias de Morse e em vista dos melhoramentos que
ele próprio havia introduzido na sua invenção. Uma vez iniciados, os sistemas
telegráficos multiplicaram-se em todo o mundo. Dentro em breve todas as cidades
importantes achavam-se ligadas entre si e em 1851 foi lançado um cabo através
do Canal da Mancha. O coroamento veio com a inauguração do primeiro cabo
transatlântico, em 1866, por iniciativa do capitalista americano Cyrus
Field.
No nosso estudo da
Revolução Comercial vimos que esse movimento se fizera
acompanhar, especialmente na Inglaterra,
de momentosas mudanças na agricultura,
tais como a liquidação do sistema senhorial, a tapagem das
terras comuns e a junção dos lotes individuais. A Revolução
Industrial também teve as suas repercussões na agricultura, as quais se fizeram
notar sobretudo nos primeiros sessenta anos do século XIX. Entre elas figuram o
aperfeiçoamento das raças de gado, a introdução de novas culturas, como a da
beterraba açucareira, que passou a ser plantada em larga escala na Alemanha e
na França, e o desenvolvimento da química agrícola por Justus von Liebig
(1803-73), que tornou possível a produção de adubos artificiais. A agricultura
também sofreu, nesse período, a influência da mecanização. Criaram-se melhores
arados e grades e generalizou-se o emprego da debulhadora. Em 1834 o fazendeiro
americano Cyrus McCormick tirou patente da sua ceifadeira mecânica e logo
depois começou a fabricá-la em Chicago. Em 1860 essas máquinas eram
vendidas numa média de 20.000
por ano. Em consequência
das várias melhorias apontadas, a agricultura em todo o mundo gozou de uma
prosperidade sem precedentes, que durou até a grande crise de 1873.
EDWARD McNALL BURNS
PROFESSOR DE HISTÓRIA DA RUTGERS UNIVERSITY
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
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HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
Capítulo 23: A
Revolução Industrial dos séculos XIX e XX
continua na postagem seguinte...
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