quarta-feira, 5 de junho de 2013

A SOCIEDADE NA ERA DA MÁQUINA

5.   A SOCIEDADE  NA  ERA  DA  MÁQUINA

Em capítulos próximos teremos  ocasião  de observar alguns dos efeitos   políticos   da   Revolução   Industrial.   
Por   ora,   basta   tomar conhecimento dos resultados sociais.    Não há dúvida que a maior parte das mudanças sociais importantes do século XIX e do começo do século XX se originaram das grandes transformações econômicas desse período. Um dos mais palpáveis e também um dos mais decisivos desses fatos foi, talvez, o enorme aumento da população.
Entre a Revolução Francesa e a Primeira Guerra Mundial a população de quase todos os países civilizados cresceu numa proporção sem precedentes. Já em 1800 notavam-se alguns indícios desse fenômeno, em especial na Inglaterra, onde o aumento, durante a segunda metade do século XVIII, foi de aproximadamente 50%. Mas o grosso desse crescimento espetacular veio mais tarde. Entre a batalha de Waterloo e a declaração da Primeira Guerra Mundial, quase quadruplicou a população da Inglaterra e do País de Gales. A da Alemanha subiu de aproximadamente 25.000.000 em 1815 a quase 70.000.000 uma centena de anos depois. O número de habitantes da França quase duplicou entre a queda de Napoleão e a Guerra Franco-Prussiana, ao passo que o total da população russa se elevou a mais do dobro nos cinquenta anos anteriores a 1914. A despeito de fatores adversos, como a fome na Irlanda e na Rússia, a emigração para a América e moléstias resultantes do congestionamento das cidades, a população global da Europa subiu de 190.000.000 em 1800 a 460.000.000 em 1914.
Para descobrir as razões desse crescimento inaudito precisamos examinar diversos fatores.
Em primeiro lugar, ele se deveu até certo   ponto   aos   efeitos   da   Revolução   Comercial, que aumentou o vigor da raça proporcionando-lhe  uma   alimentação   mais   abundante   e  variada.   
Em segundo, foi uma consequência da instalação de hospitais infantis e de maternidades, bem assim como do progresso da ciência médica, que conseguiu praticamente eliminar, pelo menos na Europa Ocidental e dos Estados Unidos, a varíola, o escorbuto e a cólera.
Uma terceira causa foi possivelmente a influência do nacionalismo, do desenvolvimento do orgulho racial e da obsessão patriótica. Povos dotados de uma sólida convicção da sua própria superioridade e confiantes na vitória em lutas futuras costumam proliferar com grande rapidez. Tais eram as qualidades que caracterizavam a maioria das nações no século XIX. Como os antigos hebreus, desejavam uma descendência numerosa a fim de sobrepujar as seus inimigos ou na esperança de difundir a sua cultura superior entre os povos atrasados da terra.
Mas a mais importante de todas as causas, pelo menos na Europa, parece ter sido a influência da Revolução Industrial ao capacitar áreas limitadas a sustentar um grande número de indivíduos. Isto se tornou possível não só por ter a mecanização da agricultura aumentado a produtividade do solo, mas também porque o sistema fabril multiplicou as possibilidades de ganhar a vida por outros meios que não o cultivo da terra. Os países ricos de recursos industriais puderam então sustentar um número de indivíduos muitas vezes maior do que teria sido possível numa economia de base agrária. Depois da Primeira Guerra Mundial, essa concentração de trabalhadores na indústria tem suscitado problemas embaraçosos.

Em resultado da estrangulação do comércio internacional, muitos países acharam quase impossível manter em funcionamento os seus sistemas industriais, a não ser expandindo a produção de armamentos e adotando um extenso programa de construções públicas.
Antes que a segunda fase da Revolução Industrial tivesse completado o seu curso, a curva de crescimento da população começou a  mostrar uma tendência para baixar.    Essa tendência foi notada primeiramente na França, onde o aumento do número de habitantes havia quase cessado já em 1870.   Depois   de   1918  um   fenômeno semelhante se manifestou em outros países. Em geral, calcula-se que a Inglaterra atingirá um nível estacionário em 1960 e os Estados Unidos aproximadamente em 1990. Por trás dessa tendência atuam duas causas principais: o cerceamento da imigração e o decréscimo do índice de natalidade. O primeiro tem impedido o preenchimento de áreas pouco povoadas e o alívio ao congestionamento dos países mais antigos. Houve tempo em que o excedente de habitantes dos países superpovoados da Europa podia buscar uma nova pátria nos Estados Unidos ou nas repúblicas da América do Sul. A emigração desses contingentes não só aumentava a população dos países em que se estabeleciam mas também, por diminuir a densidade de população da sua terra natal, possibilitava também ali a expansão numérica. O resultado foi, em todo o decurso do século XIX, um considerável aumento da população total do mundo ocidental. Mas a causa predominante da diminuição do índice de crescimento foi o declínio do excesso de nascimentos sobre os óbitos. Desde cerca de 1880 o índice de natalidade, na Europa Ocidental, diminuiu em média da metade. Na Inglaterra, esse índice caiu de 36.3 por mil em 1876 a 14,8 por mil em 1934. Durante aproximadamente o mesmo período, a queda na Alemanha foi de 40,9 para 17,5, menos do que o suficiente para manter um nível estacionário. As razões desse violento declínio não se encontram na pobreza ou nas agruras do trabalho, mas sim na ascensão do padrão de vida, que faz dos filhos antes um inconveniente que uma vantagem. O sentimento de rebelião e de desilusão da mocidade, que veio na esteira da Primeira Guerra Mundial, foi uma causa cooperante. Durante a Segunda Guerra Mundial muitos países acusaram um forte acréscimo do número de nascimentos, mas os sociólogos consideram isso como um fenômeno secundário que pouco influirá na tendência dominante.  
Um efeito da Revolução Industrial intimamente relacionado com o crescimento demográfico foi a urbanização crescente da sociedade ocidental. Pelas alturas de 1914 as condições artificiais da vida urbana tinham-se tornado uma norma aceita   por   imensa  percentagem   de   habitantes  das nações industrializadas. O ritmo da urbanização foi particularmente impressionante em países como a Alemanha e a Inglaterra. Na primeira, ainda em 1840, havia apenas duas cidades com 100.000 habitantes ou mais; em 1910, o número destas tinha-se elevado a quarenta e oito. Na Inglaterra, durante os últimos trinta anos do século XIX, cerca de um terço da população rural abandonou definitivamente a vida agrícola. O recenseamento inglês de 1901 revelou que o número de pessoas que trabalhavam na lavoura era apenas de cerca de 20% dos trabalhadores industriais. Nos Estados Unidos, a despeito da sua riqueza em recursos agrícolas, houve um movimento semelhante de fuga à terra, ainda que em ritmo mais lento. Em 1915 a proporção de americanos que viviam em áreas urbanas tinha-se elevado a cerca de 40%, e em 1920 a mais da metade. As causas desse afluxo para as cidades grandes e pequenas foram os crescentes atrativos da vida urbana e o constante declínio da procura de braços para a agricultura, em consequência da mecanização da lavoura. Isso teve tanto bons como maus efeitos. A fuga ao solo libertou grande número de homens e mulheres do isolamento da vida rural, da tirania do tempo atmosférico, da idiotia dos costumes primitivos e de uma enfadonha existência de trabalho solitário em terras ingratas. Mas, ao mesmo tempo, transformou muitos deles em joguetes ou instrumentos dos seus empregadores capitalistas. Alguns se tornaram verdadeiros autômatos que executavam a sua tarefa maquinalmente, com pequeno senso de responsabilidade ou compreensão do seu lugar no quadro econômico e sem nada para lhes estimular os esforços a não ser a esperança de um salário que lhes permitisse viver. Se isso os livrava dos azares das pragas e das secas, também os expunha aos novos perigos da perda de emprego resultante da superprodução e colocava-os à mercê de um sistema sobre o qual não tinham nenhum controle.
Um terceiro grande resultado da Revolução Industrial foi a criação de duas novas classes: a burguesia industrial e o proletariado. A primeira, composta dos proprietários de fábricas, minas e estradas de ferro, arregimentou-se ao lado da antiga classe média de comerciantes, banqueiros e advogados.    Com o seu número e a sua influência   assim   fortalecidos,   essa  burguesia  mista  logo deixou de ser uma classe média e tornou-se, para todos os fins, o elemento dirigente da sociedade.   Em alguns casos isso se conseguiu empurrando para o segundo plano a antiga aristocracia territorial, em outros pela fusão com ela. Mas nem bem os capitalistas e empresários tinham conquistado a ascendência, começaram a dividir-se. Os grandes banqueiros e magnatas da indústria e do comércio passaram a constituir a alta burguesia, com ambições um tanto diferentes das da pequena burguesia, constituída pelos pequenos comerciantes, pelos pequenos industrialistas e pelos membros das profissões liberais.
A tendência da alta burguesia era absorver-se cada vez mais no capitalismo financeiro. Os seus componentes se dedicavam à especulação com fundos públicos, ao lançamento de novas empresas com vistas no lucro imediato, sem levar em consideração o que pudesse advir mais tarde, e à reorganização de negócios já existentes, que passavam a controlar para fins de monopólio ou especulação. Para os dirigentes dessa classe, qualquer forma de intervenção do estado era execrável; sustentavam que o livre empreendimento era essencial ao progresso econômico. A pequena burguesia, por outro lado, começou a mostrar sinais de um interesse vital pela estabilidade e pela segurança. Em muitos países, os membros desta classe puseram-se a propugnai- medidas para obstar à especulação, assegurar a estabilidade dos preços e eliminar as cadeias de lojas e os monopólios, chegando até a preconizar a nacionalização das utilidades públicas. Foi, em parte, este grupo que prestou o mais forte apoio a Mussolini e Hitler nos primeiros tempos.
A Revolução Industrial também fez surgir um proletariado que se   tornou   suficientemente   forte,   com   o   tempo,   para   desafiar   a supremacia burguesa.    Em  certo  sentido,  o  proletariado  existe  desde a  aurora  da civilização,  uma  vez   que   o   termo   inclui   todos   os   indivíduos   que dependem de um salário para ganhar a vida. Os trabalhadores livres da Grécia e da Roma antigas foram proletários, e também o eram os jornaleiros, os seareiros e agregados da Idade Média. Mas antes da Revolução Industrial os assalariados formavam unia pequena parte da classe trabalhadora, pois a maioria dos que trabalhavam para viver estavam presos à agricultura, primeiramente como servos e mais tarde como rendeiros e meeiros. Além disso, os poucos proletários existentes tinham escassa consciência de classe. A Revolução Industrial, concentrando grande número de trabalhadores nas cidades e submetendo-os a abusos comuns, despertou neles um certo  espírito  de  solidariedade  e  imbuiu-os  de  comuns  aspirações. Não obstante, o seu poder como classe econômica foi limitado durante muitos anos, por uma legislação severa. Nenhuma nação ocidental, por exemplo, concedeu o direito de greve senão depois de 1850. E somente nos fins do século XIX puderam os trabalhadores organizados exercer uma influência ponderável na política dos seus   governos. Nem  mesmo  o  mais  bilioso   dos  críticos  poderia  negar  que a Revolução Industrial trouxe grandes benefícios materiais  aos habitantes  das nações ocidentais.    É incontestável que ela   ofereceu   ao   homem   contemporâneo   enormes quantidades  de mercadorias e um número assombroso de petrechos para proporcionar-lhe facilidade e conforto.   
Mas terão as várias classes da sociedade participado de tais benefícios numa proporção mais ou menos equitativa? Esta é uma questão totalmente diversa. Parece não haver dúvida quanto a terem os salários reais, isto é, os salários em função do poder aquisitivo, subido muito rapidamente no decurso do século XIX. Um ilustre economista, Sir Josiah Stamp, calculou que o inglês médio, em 1913, era quatro vezes mais bem remunerado, sob o ponto de vista do que os seus rendimentos lhe permitiam adquirir, do que os seus tataravós em 1801. Entre 1880 e 1930 os salários reais, na Inglaterra, aumentaram de 50% em média e os salários dos operários menos bem pagos tiveram um acréscimo ainda maior. Aumentos semelhantes verificaram-se na Alemanha e na França. Nos Estados Unidos, o salário médio semanal dos trabalhadores industriais subiu de 54% entre 1909 e 1940, se bem que a semana média de trabalho tivesse baixado de 51,7 para 38,3 horas. Não são menos notáveis os indícios de melhora dos padrões de vida. Na Alemanha, o consumo médio de carne por cabeça aumentou de 17 quilos em 1818 para 52 quilos em 1912. As cifras relativas ao consumo do mesmo artigo nos Estados Unidos mostram um aumento de 53 quilos em 1935 para 63,5 quilos em 1951. Entre 1918 e 1951, o número de telefones nos Estados Unidos triplicou virtualmente, enquanto o número de automóveis se tornava mais de seis vezes maior. Neste último ano, o país tinha um telefone para cada 3 1/2 pessoas e um automóvel para cada 3 3/5. Seria difícil provar que os trabalhadores americanos, pelo menos, não participaram desse aumento da prosperidade geral. Por outro lado, é inegável que a distribuição da riqueza dos Estados Unidos estava longe de ser equitativa. Em 1943, aquela décima parte das famílias americanas que tinham os rendimentos mais baixos recebiam apenas 1,5% da renda global do país, enquanto a décima parte mais favorecida recebia 34,2% desse total.  
O ano de 1949 foi o último antes que a Guerra da Coréia começasse a elevar apreciavelmente a renda nacional dos Estados Unidos. Durante esse ano, o rendimento bruto ajustado de todos os americanos que encaminharam suas declarações às repartições do imposto sobre a renda montou a cerca de 161 bilhões de dólares. Esta cifra abrange salários, ordenados, rendas propriamente ditas, juros e dividendos percebidos por indivíduos ou por famílias. Não inclui, porém, os lucros das entidades coletivas. Como se vê, os rendimentos pessoais dos americanos estavam longe de achar-se equitativamente distribuídos, embora a situação fosse bastante melhor do que quinze anos atrás. O gráfico acima revela que 60% percebiam rendimentos anuais inferiores a 3.000 dólares e mais de um terço tinha de contentar-se com menos de 2.000 dólares. 51 milhões de pessoas auferiam rendimentos bastante elevados para incidir no imposto sobre a renda, mas isso representava apenas pouco mais de metade da população maior de 21 anos. Se bem que muitos dos indivíduos isentos do imposto fossem agricultores cujos rendimentos não podiam ser devidamente calculados em dinheiro, permanecia a evidência de que muitos americanos que trabalhavam para viver não chegavam a perceber salários vitais. (Diretoria da Renda Interna do Departamento do Tesouro dos E. Unidos, "Statistics of Income for 1949", p. 12.) Além  disso,   é  pelo   menos   duvidoso  que  a  mecanização   da   indústria  tenha  contribuído  tanto  como  comumente   se  supõe  para  o bem-estar material  das classes trabalhadoras.    Escrevendo   em   1848,   John   Stuart   Mill   punha   em dúvida que todas as invenções mecânicas até então conhecidas houvessem aliviado a labuta cotidiana de um único ser humano. Esse julgamento não seria talvez   exagerado   se   fosse   repetido  mesmo  em   relação   aos  nossos dias.    Em muitos casos, o trabalhador comum de hoje parece continuar  sujeito  às  mesmas  tarefas  extenuantes  de  sempre.    Os  dispositivos economizadores de trabalho capacitam o operário a produzir mais, mas é duvidoso que realmente lhe poupem muito trabalho.   Seja qual for a situação atual, é indubitável que nos primórdios da Revolução Industrial a introdução das máquinas não representou grande vantagem   para   o   trabalhador.    Fizeram   elas,   muitas   vezes,   com que homens  robustos  e  capazes  fossem  alijados  dos  seus  empregos pelo trabalho mais barato de mulheres e de crianças.    Além disso, muitas  fábricas,  particularmente as  de tecidos,  eram piores  do que prisões.    Tinham   janelas   pequenas   que   em   geral   se   conservavam fechadas  a  fim  de manter  a umidade necessária  à manufatura do algodão.    A atmosfera viciada, o calor sufocante, a falta de higiene, a par de horários intoleráveis, reduziam inúmeros operários a pobres criaturas  macilentas  e minadas  pela tísica,  arrastando  bom número deles ao alcoolismo e ao crime.   
Acresce que as novas cidades industriais se desenvolveram tão rapidamente e de maneira tão desordenada que,   durante   certo   tempo,   as   condições   de   habitação   dos   pobres foram abomináveis. Ainda em 1840, em Manchester, um oitavo das famílias da classe operária vivia em porões.    Outras amontoavam-se em  miseráveis  habitações  coletivas,  com  até  doze pessoas  a  morar num só quarto.    Eram tão pavorosas essas condições que os empregados das fábricas inglesas tinham, no começo do século XIX, um nível de vida talvez inferior ao dos escravos nas plantações americanas.   Ao lado desses males, porém, é preciso levar em conta que a Revolução   Industrial   facilitou   a   organização   dos   operários,   capacitando-os a usar o poder da ação coletiva para obter salários mais altos e, por fim, a melhoria das condições de trabalho.   

Além disso, é   incontestável   que   as   classes   inferiores   foram   beneficiadas   pela baixa de preços decorrente da produção em massa.

EDWARD   McNALL   BURNS 
PROFESSOR DE  HISTÓRIA  DA  RUTGERS  UNIVERSITY 

HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL 
Volume II 

Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO

Capítulo 23: A Revolução Industrial dos séculos XIX e XX

Continua na postagem seguinte... 

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