5. A SOCIEDADE NA ERA
DA MÁQUINA
Em capítulos próximos teremos ocasião de observar alguns dos
efeitos políticos da Revolução
Industrial.
Por ora, basta tomar conhecimento
dos resultados sociais. Não há dúvida que a maior parte das
mudanças sociais importantes do século XIX e do começo do século XX se
originaram das grandes transformações econômicas desse período. Um dos mais
palpáveis e também um dos mais decisivos desses fatos foi, talvez, o enorme aumento da população.
Entre a Revolução Francesa e a Primeira Guerra Mundial a população de
quase todos os países civilizados cresceu numa proporção sem precedentes. Já em
1800 notavam-se alguns indícios desse fenômeno, em especial na Inglaterra, onde
o aumento, durante a segunda metade do século XVIII, foi de aproximadamente
50%. Mas o grosso desse crescimento espetacular veio mais tarde. Entre a
batalha de Waterloo e a declaração da Primeira Guerra Mundial, quase
quadruplicou a população da Inglaterra e do País de Gales. A da Alemanha subiu
de aproximadamente 25.000.000 em 1815 a quase 70.000.000 uma centena de
anos depois. O número de habitantes da França quase duplicou entre a queda de
Napoleão e a Guerra Franco-Prussiana, ao passo que o total da população russa
se elevou a mais do dobro nos cinquenta anos anteriores a 1914. A despeito de
fatores adversos, como a fome na Irlanda e na Rússia, a emigração para a
América e moléstias resultantes do congestionamento das cidades, a população
global da Europa subiu de 190.000.000 em 1800 a 460.000.000 em 1914.
Para descobrir as razões desse crescimento inaudito precisamos examinar
diversos fatores.
Em primeiro lugar, ele se deveu até certo ponto
aos efeitos da Revolução
Comercial, que aumentou o vigor da raça proporcionando-lhe
uma alimentação
mais abundante e variada.
Em segundo, foi uma consequência da instalação de hospitais infantis e
de maternidades, bem assim como do progresso
da ciência médica, que conseguiu praticamente eliminar, pelo menos na
Europa Ocidental e dos Estados Unidos, a varíola, o escorbuto e a cólera.
Uma terceira causa foi possivelmente a influência do nacionalismo, do desenvolvimento do orgulho
racial e da obsessão patriótica. Povos dotados de uma sólida convicção da sua
própria superioridade e confiantes na vitória em lutas futuras costumam
proliferar com grande rapidez. Tais eram as qualidades que caracterizavam a
maioria das nações no século XIX. Como os antigos hebreus, desejavam uma
descendência numerosa a fim de sobrepujar as seus inimigos ou na esperança de
difundir a sua cultura superior entre os povos atrasados da terra.
Mas a mais importante de todas as causas, pelo menos na Europa, parece
ter sido a influência da Revolução
Industrial ao capacitar áreas limitadas a
sustentar um grande número de indivíduos. Isto se tornou possível não só
por ter a mecanização da agricultura aumentado a produtividade do solo, mas
também porque o sistema fabril multiplicou as possibilidades de ganhar a vida
por outros meios que não o cultivo da terra. Os países ricos de recursos
industriais puderam então sustentar um número de indivíduos muitas vezes maior
do que teria sido possível numa economia de base agrária. Depois da Primeira
Guerra Mundial, essa concentração de trabalhadores na indústria tem suscitado
problemas embaraçosos.
Em resultado da estrangulação do comércio internacional, muitos países acharam quase impossível manter em funcionamento os seus sistemas industriais, a não ser expandindo a produção de armamentos e adotando um extenso programa de construções públicas.
Antes que a segunda fase da Revolução Industrial tivesse completado o
seu curso, a curva de crescimento da população começou
a mostrar uma tendência para baixar. Essa
tendência foi notada primeiramente na França, onde o aumento do número de
habitantes havia quase cessado já em 1870. Depois
de 1918 um fenômeno semelhante se manifestou em
outros países. Em geral, calcula-se que a Inglaterra atingirá um nível
estacionário em 1960 e os Estados Unidos aproximadamente em 1990. Por trás
dessa tendência atuam duas causas principais: o cerceamento
da imigração e o decréscimo do índice de natalidade. O primeiro tem
impedido o preenchimento de áreas pouco povoadas e o alívio ao congestionamento
dos países mais antigos. Houve tempo em que o excedente de habitantes dos
países superpovoados da Europa podia buscar uma nova pátria nos Estados Unidos
ou nas repúblicas da América do Sul. A emigração desses contingentes não só
aumentava a população dos países em que se estabeleciam mas também, por
diminuir a densidade de população da sua terra natal, possibilitava também ali
a expansão numérica. O resultado foi, em todo o decurso do século XIX, um
considerável aumento da população total do mundo ocidental. Mas a causa
predominante da diminuição do índice de crescimento foi o declínio do excesso
de nascimentos sobre os óbitos. Desde cerca de 1880 o índice de natalidade, na
Europa Ocidental, diminuiu em média da metade. Na Inglaterra, esse índice caiu
de 36.3 por mil em 1876 a 14,8 por mil em 1934. Durante aproximadamente o mesmo
período, a queda na Alemanha foi de 40,9 para 17,5, menos do que o suficiente
para manter um nível estacionário. As razões desse violento declínio não se
encontram na pobreza ou nas agruras do trabalho, mas sim na ascensão do padrão
de vida, que faz dos filhos antes um inconveniente que uma vantagem. O
sentimento de rebelião e de desilusão da mocidade, que veio na esteira da
Primeira Guerra Mundial, foi uma causa cooperante. Durante a Segunda Guerra
Mundial muitos países acusaram um forte acréscimo do número de nascimentos, mas
os sociólogos consideram isso como um fenômeno secundário que pouco influirá na
tendência dominante.
Um efeito da Revolução Industrial intimamente relacionado com o crescimento
demográfico foi a urbanização
crescente da sociedade ocidental. Pelas alturas de 1914 as condições
artificiais da vida urbana tinham-se tornado uma norma aceita
por imensa percentagem de
habitantes das nações industrializadas. O ritmo da urbanização foi
particularmente impressionante em países como a Alemanha e a Inglaterra. Na
primeira, ainda em 1840, havia apenas duas cidades com 100.000 habitantes ou
mais; em 1910, o número destas tinha-se elevado a quarenta e oito. Na
Inglaterra, durante os últimos trinta anos do século XIX, cerca de um terço da
população rural abandonou definitivamente a vida agrícola. O recenseamento
inglês de 1901 revelou que o número de pessoas que trabalhavam na lavoura era
apenas de cerca de 20% dos trabalhadores industriais. Nos Estados Unidos, a
despeito da sua riqueza em recursos agrícolas, houve um movimento semelhante de
fuga à terra, ainda que em ritmo mais lento. Em 1915 a proporção de americanos
que viviam em áreas urbanas tinha-se elevado a cerca de 40%, e em 1920 a mais
da metade. As causas desse afluxo para as cidades grandes e pequenas foram os
crescentes atrativos da vida urbana e o constante declínio da procura de braços
para a agricultura, em consequência da mecanização da lavoura. Isso teve tanto bons
como maus efeitos. A fuga ao solo libertou grande número de homens e mulheres
do isolamento da vida rural, da tirania do tempo atmosférico, da idiotia dos
costumes primitivos e de uma enfadonha existência de trabalho solitário em
terras ingratas. Mas, ao mesmo tempo, transformou muitos deles em joguetes ou
instrumentos dos seus empregadores capitalistas. Alguns se tornaram verdadeiros
autômatos que executavam a sua tarefa maquinalmente, com pequeno senso de
responsabilidade ou compreensão do seu lugar no quadro econômico e sem nada
para lhes estimular os esforços a não ser a esperança de um salário que lhes
permitisse viver. Se isso os livrava dos azares das pragas e das secas, também
os expunha aos novos perigos da perda de emprego resultante da superprodução e
colocava-os à mercê de um sistema sobre o qual não tinham nenhum controle.
Um terceiro grande resultado da Revolução Industrial foi a
criação de duas novas classes: a burguesia industrial e o proletariado. A primeira, composta dos proprietários de fábricas, minas e estradas de
ferro, arregimentou-se ao lado da antiga classe média de comerciantes,
banqueiros e advogados. Com o seu número e a sua
influência assim fortalecidos, essa
burguesia mista logo deixou de ser uma classe média e tornou-se,
para todos os fins, o elemento dirigente da sociedade. Em alguns
casos isso se conseguiu empurrando para o segundo plano a antiga aristocracia
territorial, em outros pela fusão com ela. Mas nem bem os capitalistas e
empresários tinham conquistado a ascendência, começaram a dividir-se. Os
grandes banqueiros e magnatas da indústria e do comércio passaram a constituir
a alta burguesia, com ambições um tanto diferentes das da pequena burguesia,
constituída pelos pequenos comerciantes, pelos pequenos industrialistas e pelos
membros das profissões liberais.
A tendência da alta burguesia era absorver-se cada vez mais no
capitalismo financeiro. Os seus componentes se dedicavam à especulação com
fundos públicos, ao lançamento de novas empresas com vistas no lucro imediato,
sem levar em consideração o que pudesse advir mais tarde, e à reorganização de
negócios já existentes, que passavam a controlar para fins de monopólio ou
especulação. Para os dirigentes dessa classe, qualquer forma de intervenção do
estado era execrável; sustentavam que o livre empreendimento era essencial ao
progresso econômico. A pequena burguesia, por outro lado, começou a mostrar
sinais de um interesse vital pela estabilidade e pela segurança. Em muitos
países, os membros desta classe puseram-se a propugnai- medidas para obstar à
especulação, assegurar a estabilidade dos preços e eliminar as cadeias de lojas
e os monopólios, chegando até a preconizar a nacionalização das utilidades
públicas. Foi, em parte, este grupo que prestou o mais forte apoio a Mussolini
e Hitler nos primeiros tempos.
A Revolução Industrial também fez surgir um proletariado que
se tornou suficientemente
forte, com o tempo,
para desafiar a supremacia burguesa. Em certo sentido, o proletariado
existe desde a aurora da civilização, uma
vez que o termo
inclui todos os indivíduos que
dependem de um salário para ganhar a vida. Os trabalhadores livres da Grécia e
da Roma antigas foram proletários, e também o eram os jornaleiros, os seareiros
e agregados da Idade Média. Mas antes da Revolução Industrial os assalariados
formavam unia pequena parte da classe trabalhadora, pois a maioria dos que
trabalhavam para viver estavam presos à agricultura, primeiramente como servos
e mais tarde como rendeiros e meeiros. Além disso, os poucos proletários
existentes tinham escassa consciência de classe. A Revolução Industrial,
concentrando grande número de trabalhadores nas cidades e submetendo-os a
abusos comuns, despertou neles um certo espírito de
solidariedade e imbuiu-os de comuns aspirações.
Não obstante, o seu poder como classe econômica foi limitado durante muitos
anos, por uma legislação severa. Nenhuma nação ocidental, por exemplo, concedeu
o direito de greve senão depois de 1850. E somente nos fins do século XIX
puderam os trabalhadores organizados exercer uma influência ponderável na
política dos seus governos. Nem mesmo o
mais bilioso dos críticos poderia negar
que a Revolução Industrial trouxe grandes benefícios materiais aos
habitantes das nações ocidentais. É incontestável que
ela ofereceu ao homem
contemporâneo enormes quantidades de mercadorias e um número
assombroso de petrechos para proporcionar-lhe facilidade e
conforto.
Mas terão as várias classes da sociedade participado de tais benefícios
numa proporção mais ou menos equitativa? Esta é uma questão totalmente diversa.
Parece não haver dúvida quanto a terem os salários reais, isto é, os salários
em função do poder aquisitivo, subido muito rapidamente no decurso do século
XIX. Um ilustre economista, Sir Josiah Stamp, calculou que o inglês médio, em
1913, era quatro vezes mais bem remunerado, sob o ponto de vista do que os seus
rendimentos lhe permitiam adquirir, do que os seus tataravós em 1801. Entre
1880 e 1930 os salários reais, na Inglaterra, aumentaram de 50% em média e os
salários dos operários menos bem pagos tiveram um acréscimo ainda maior.
Aumentos semelhantes verificaram-se na Alemanha e na França. Nos Estados
Unidos, o salário médio semanal dos trabalhadores industriais subiu de 54%
entre 1909 e 1940, se bem que a semana média de trabalho tivesse baixado de
51,7 para 38,3 horas. Não são menos notáveis os indícios de melhora dos padrões
de vida. Na Alemanha, o consumo médio de carne por cabeça aumentou de 17 quilos
em 1818 para 52 quilos em 1912. As cifras relativas ao consumo do mesmo artigo
nos Estados Unidos mostram um aumento de 53 quilos em 1935 para 63,5 quilos em
1951. Entre 1918 e 1951, o número de telefones nos Estados Unidos triplicou
virtualmente, enquanto o número de automóveis se tornava mais de seis vezes
maior. Neste último ano, o país tinha um telefone para cada 3 1/2 pessoas e um
automóvel para cada 3 3/5. Seria difícil provar que os trabalhadores
americanos, pelo menos, não participaram desse aumento da prosperidade geral.
Por outro lado, é inegável que a distribuição da riqueza dos Estados Unidos
estava longe de ser equitativa. Em 1943, aquela décima parte das famílias
americanas que tinham os rendimentos mais baixos recebiam apenas 1,5% da renda
global do país, enquanto a décima parte mais favorecida recebia 34,2% desse
total.
O ano de 1949
foi o último antes que a Guerra da Coréia começasse a elevar
apreciavelmente a renda nacional dos Estados Unidos. Durante esse ano, o
rendimento bruto ajustado de todos os americanos que encaminharam suas
declarações às repartições do imposto sobre a renda montou a cerca de 161
bilhões de dólares. Esta cifra abrange salários, ordenados, rendas propriamente
ditas, juros e dividendos percebidos por indivíduos ou por famílias. Não
inclui, porém, os lucros das entidades coletivas. Como se vê, os rendimentos
pessoais dos americanos estavam longe de achar-se equitativamente distribuídos,
embora a situação fosse bastante melhor do que quinze anos atrás. O gráfico
acima revela que 60% percebiam rendimentos anuais inferiores a 3.000 dólares e
mais de um terço tinha de contentar-se com menos de 2.000 dólares. 51 milhões
de pessoas auferiam rendimentos bastante elevados para incidir no imposto sobre
a renda, mas isso representava apenas pouco mais de metade da população maior
de 21 anos. Se bem que muitos dos indivíduos isentos do imposto fossem
agricultores cujos rendimentos não podiam ser devidamente calculados em
dinheiro, permanecia a evidência de que muitos americanos que trabalhavam para
viver não chegavam a perceber salários vitais. (Diretoria da Renda Interna do
Departamento do Tesouro dos E. Unidos, "Statistics of Income for
1949", p. 12.) Além disso, é pelo menos
duvidoso que a mecanização da
indústria tenha contribuído tanto como
comumente se supõe para o bem-estar
material das classes trabalhadoras.
Escrevendo em 1848, John
Stuart Mill punha em dúvida que
todas as invenções mecânicas até então conhecidas houvessem aliviado a labuta
cotidiana de um único ser humano. Esse julgamento não seria talvez
exagerado se fosse repetido
mesmo em relação aos nossos
dias. Em muitos casos, o trabalhador comum de hoje parece continuar
sujeito às mesmas tarefas extenuantes de
sempre. Os dispositivos economizadores de trabalho
capacitam o operário a produzir mais, mas é duvidoso que realmente lhe poupem
muito trabalho. Seja qual for a situação atual, é indubitável que
nos primórdios da Revolução Industrial a introdução das máquinas não
representou grande vantagem para o
trabalhador. Fizeram elas,
muitas vezes, com que homens robustos
e capazes fossem alijados dos seus empregos
pelo trabalho mais barato de mulheres e de crianças. Além
disso, muitas fábricas, particularmente as de tecidos,
eram piores do que prisões. Tinham
janelas pequenas que em
geral se conservavam fechadas a fim de
manter a umidade necessária à manufatura do
algodão. A atmosfera viciada, o calor sufocante, a falta de
higiene, a par de horários intoleráveis, reduziam inúmeros operários a pobres
criaturas macilentas e minadas pela tísica, arrastando
bom número deles ao alcoolismo e ao crime.
Acresce que as
novas cidades industriais se desenvolveram tão rapidamente e de maneira tão
desordenada que, durante certo
tempo, as condições de
habitação dos pobres foram abomináveis. Ainda em 1840,
em Manchester, um oitavo das famílias da classe operária vivia em
porões. Outras amontoavam-se em miseráveis
habitações coletivas, com até doze pessoas
a morar num só quarto. Eram tão pavorosas essas
condições que os empregados das fábricas inglesas tinham, no começo do século
XIX, um nível de vida talvez inferior ao dos escravos nas plantações
americanas. Ao lado desses males, porém, é preciso levar em conta
que a Revolução Industrial facilitou
a organização dos operários,
capacitando-os a usar o poder da ação coletiva para obter salários mais altos
e, por fim, a melhoria das condições de trabalho.
Além disso,
é incontestável que as
classes inferiores foram
beneficiadas pela baixa de preços decorrente da produção em massa.
EDWARD McNALL BURNS
PROFESSOR DE HISTÓRIA DA RUTGERS UNIVERSITY
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
PROFESSOR DE HISTÓRIA DA RUTGERS UNIVERSITY
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
Capítulo 23: A
Revolução Industrial dos séculos XIX e XX
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