Peça à maioria
dos economistas a receita para o crescimento econômico de um país e a resposta
será algo como: "acumule máquinas e equipamentos, infra-estrutura,
tecnologia, educação e preparação técnica da mão-de-obra, adicionando boa
gestão fiscal e monetária enquanto os mistura. O bolo crescerá ao longo do
tempo."
Ninguém precisa
ser gourmet para perceber a insuficiência dessa receita. Embora todos aqueles
itens estejam necessariamente presentes em qualquer processo sustentado de
crescimento, falta algum ingrediente original, até porque os citados vão se
tornando disponíveis durante a própria execução da receita.
Os sistemas
financeiros nacionais parecem um lugar óbvio para iniciar a busca do
ingrediente original. Afinal, em todos os casos nacionais de êxito quanto ao
crescimento e ao desenvolvimento econômico, constatou-se a ocorrência de
períodos prolongados durante os quais recursos financeiros, em condições
adequadas de preço e quantidade, estiveram de um modo ou de outro disponíveis
para a realização de investimentos cruciais, os quais puseram os países nas
correspondentes trilhas de crescimento.
Durante muito
tempo, economistas e historiadores elegeram, para explicar aquelas
experiências, certos momentos históricos nos quais a abertura de oportunidades,
na teia de relações internacionais, foi aproveitada para a implementação de
projetos nacionais de desenvolvimento. Sob graus e formas distintos, teria sido
marcante a atuação do Estado nacional na galvanização de esforços concentrados
de financiamento e investimento.
Mais
recentemente, esse ponto de partida tem sido visto como ainda insuficiente.
Afinal, nem sempre a presença de projetos nacionais, como quer que os
definamos, foi garantia de sustentabilidade e pleno êxito. Da mesma forma, a
realização de tais projetos não se deu sobre vazios históricos e institucionais
em cada país. Na verdade, a herança e os arcabouços institucionais, nas
diversas regiões, condicionaram fortemente o início e os desdobramentos dos
processos.
Uma das direções
mais buscadas em tais estudos das instituições tem sido justamente sua relação
com os sistemas financeiros dos países. Por exemplo, sem a presença de
mecanismos jurídicos eficazes na garantia de contratos não há possibilidade de
se estabelecerem relações financeiras com horizontes de tempo mais longos,
entre os próprios agentes privados.
Mesmo no que
tange aos compromissos de curto prazo, faz-se sentir o peso negativo dos riscos
de calote. Quando estes são altos, oportunidades de lucros maiores são
freqüentemente inexploradas pelas empresas - o que implica menor eficiência
para a economia como um todo - caso signifiquem exposição a clientes ou
fornecedores menos conhecidos.
De modo
complementar a essa análise das instituições jurídicas, tem-se transplantado o
conceito de capital social desenvolvido na sociologia e na ciência política.
Por exemplo, sexta-feira passada tornaram-se disponíveis, no site do National
Bureau of Economic Research, os resultados de uma pesquisa sobre o papel
cumprido pelo capital social nas discrepantes experiências de desenvolvimento
financeiro das regiões da Itália (*). Já existe pelo menos uma tentativa
anterior de aplicação do conceito no âmbito internacional (**).
A presença de
normas socialmente reconhecidas, sanções sociais e "relações de
confiança" entre os agentes revela-se essencial para que as relações
econômicas floresçam além de limites familiares ou de vizinhança (geográfica ou
cultural). Há vários indicadores e comportamentos observados pelos quais os
economistas têm-se proposto a mensurar tal "capital social". Em todos
os casos, encontra-se uma correlação positiva entre este e diversos indicadores
de desenvolvimento financeiro (facilidade de crédito, abertura de capital das
empresas, direcionamento da poupança familiar para os circuitos financeiros
etc.).
É claro que de
nada serviria essa idéia de capital social caso estivesse condenada a padecer
de algum tipo de "determinismo cultural", segundo o qual os destinos
das regiões estariam pré-determinados a partir da herança cultural recebida.
Contudo, a designação de "capital" já reflete sua interpretação como
algo acumulável, passível de mudança no tempo, mesmo que de forma gradual e sem
que já tenhamos, no atual estágio, clareza de como fazê-lo.
O reverso da
medalha é que pode também ser depreciado. Sua construção ou destruição vai se
dando na arena da política e das relações sociais, na credibilidade das normas
e sanções sociais, na freqüência de casuímos e auto-concessão de privilégios
etc. Neste sentido, pode-se apontar o recente episódio de auto-concessão de
auxílios-moradia, no judiciário, como exemplo tanto de manifestação de escassez
de capital social, quanto de sua depleção.
A atenção aos
componentes institucionais representa o abandono do "determinismo
econômico" de muitas análises passadas, nas quais implicitamente
supunha-se uma maleabilidade e acomodação das instituições em relação aos
desígnios da acumulação de capital. Revela-se no mínimo essencial que as
reformas institucionais sejam reconhecidas como ingredientes essenciais da
receita de crescimento e desenvolvimento.
A propósito, o
estudo sobre a Itália revela como a melhora nos níveis educacionais da
população e na eficácia judiciária podem reduzir, como substitutos, os efeitos
deletérios da baixa presença de "relações de confiança" e de
"capital social". Sem eles, a receita pode virar mero angu de caroço.
Autor: Otaviano Canuto
Assunto: Conjuntura Econômica, Economia Monetária e Financeira, e Economia Internacional
Publicado pelo jornal O Estado de São Paulo
Assunto: Conjuntura Econômica, Economia Monetária e Financeira, e Economia Internacional
Publicado pelo jornal O Estado de São Paulo
(*) Luigi Guiso,
Paola Sapienza & Luigi Zingales, The role of social capital in financial
development, http://www.nber.org/papers/w7563,
fevereiro de 2000.
(**) S. Knack & P. Keeper, "Does social
capital have an economic payoff?: a cross-country investigation", The
Quarterly Journal of Economics, 112(4), 1996.
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