terça-feira, 4 de junho de 2013

Capital Social é Apontado como Elemento Chave no Desenvolvimento

Peça à maioria dos economistas a receita para o crescimento econômico de um país e a resposta será algo como: "acumule máquinas e equipamentos, infra-estrutura, tecnologia, educação e preparação técnica da mão-de-obra, adicionando boa gestão fiscal e monetária enquanto os mistura. O bolo crescerá ao longo do tempo."

Ninguém precisa ser gourmet para perceber a insuficiência dessa receita. Embora todos aqueles itens estejam necessariamente presentes em qualquer processo sustentado de crescimento, falta algum ingrediente original, até porque os citados vão se tornando disponíveis durante a própria execução da receita.

Os sistemas financeiros nacionais parecem um lugar óbvio para iniciar a busca do ingrediente original. Afinal, em todos os casos nacionais de êxito quanto ao crescimento e ao desenvolvimento econômico, constatou-se a ocorrência de períodos prolongados durante os quais recursos financeiros, em condições adequadas de preço e quantidade, estiveram de um modo ou de outro disponíveis para a realização de investimentos cruciais, os quais puseram os países nas correspondentes trilhas de crescimento.

Durante muito tempo, economistas e historiadores elegeram, para explicar aquelas experiências, certos momentos históricos nos quais a abertura de oportunidades, na teia de relações internacionais, foi aproveitada para a implementação de projetos nacionais de desenvolvimento. Sob graus e formas distintos, teria sido marcante a atuação do Estado nacional na galvanização de esforços concentrados de financiamento e investimento.


Mais recentemente, esse ponto de partida tem sido visto como ainda insuficiente. Afinal, nem sempre a presença de projetos nacionais, como quer que os definamos, foi garantia de sustentabilidade e pleno êxito. Da mesma forma, a realização de tais projetos não se deu sobre vazios históricos e institucionais em cada país. Na verdade, a herança e os arcabouços institucionais, nas diversas regiões, condicionaram fortemente o início e os desdobramentos dos processos.
Uma das direções mais buscadas em tais estudos das instituições tem sido justamente sua relação com os sistemas financeiros dos países. Por exemplo, sem a presença de mecanismos jurídicos eficazes na garantia de contratos não há possibilidade de se estabelecerem relações financeiras com horizontes de tempo mais longos, entre os próprios agentes privados.
Mesmo no que tange aos compromissos de curto prazo, faz-se sentir o peso negativo dos riscos de calote. Quando estes são altos, oportunidades de lucros maiores são freqüentemente inexploradas pelas empresas - o que implica menor eficiência para a economia como um todo - caso signifiquem exposição a clientes ou fornecedores menos conhecidos.
De modo complementar a essa análise das instituições jurídicas, tem-se transplantado o conceito de capital social desenvolvido na sociologia e na ciência política. Por exemplo, sexta-feira passada tornaram-se disponíveis, no site do National Bureau of Economic Research, os resultados de uma pesquisa sobre o papel cumprido pelo capital social nas discrepantes experiências de desenvolvimento financeiro das regiões da Itália (*). Já existe pelo menos uma tentativa anterior de aplicação do conceito no âmbito internacional (**).
A presença de normas socialmente reconhecidas, sanções sociais e "relações de confiança" entre os agentes revela-se essencial para que as relações econômicas floresçam além de limites familiares ou de vizinhança (geográfica ou cultural). Há vários indicadores e comportamentos observados pelos quais os economistas têm-se proposto a mensurar tal "capital social". Em todos os casos, encontra-se uma correlação positiva entre este e diversos indicadores de desenvolvimento financeiro (facilidade de crédito, abertura de capital das empresas, direcionamento da poupança familiar para os circuitos financeiros etc.).
É claro que de nada serviria essa idéia de capital social caso estivesse condenada a padecer de algum tipo de "determinismo cultural", segundo o qual os destinos das regiões estariam pré-determinados a partir da herança cultural recebida. Contudo, a designação de "capital" já reflete sua interpretação como algo acumulável, passível de mudança no tempo, mesmo que de forma gradual e sem que já tenhamos, no atual estágio, clareza de como fazê-lo.
O reverso da medalha é que pode também ser depreciado. Sua construção ou destruição vai se dando na arena da política e das relações sociais, na credibilidade das normas e sanções sociais, na freqüência de casuímos e auto-concessão de privilégios etc. Neste sentido, pode-se apontar o recente episódio de auto-concessão de auxílios-moradia, no judiciário, como exemplo tanto de manifestação de escassez de capital social, quanto de sua depleção.
A atenção aos componentes institucionais representa o abandono do "determinismo econômico" de muitas análises passadas, nas quais implicitamente supunha-se uma maleabilidade e acomodação das instituições em relação aos desígnios da acumulação de capital. Revela-se no mínimo essencial que as reformas institucionais sejam reconhecidas como ingredientes essenciais da receita de crescimento e desenvolvimento.
A propósito, o estudo sobre a Itália revela como a melhora nos níveis educacionais da população e na eficácia judiciária podem reduzir, como substitutos, os efeitos deletérios da baixa presença de "relações de confiança" e de "capital social". Sem eles, a receita pode virar mero angu de caroço.

Autor: Otaviano Canuto
Assunto: Conjuntura Econômica, Economia Monetária e Financeira, e Economia Internacional
Publicado pelo jornal O Estado de São Paulo 

(*) Luigi Guiso, Paola Sapienza & Luigi Zingales, The role of social capital in financial development, http://www.nber.org/papers/w7563, fevereiro de 2000.

(**) S. Knack & P. Keeper, "Does social capital have an economic payoff?: a cross-country investigation", The Quarterly Journal of Economics, 112(4), 1996. 

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