2. POR QUE A
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL COMEÇOU NA
INGLATERRA
À primeira vista
pode parecer estranho que
o pequeno reino insular não só se
tenha tornado o líder industrial do mundo, mas que haja conservado essa
posição por mais de um século. Pretende um filósofo
moderno que a Inglaterra, ainda em pleno
século XVIII, era "o país mais pobre da Europa
Ocidental". É certo que ela não possuía uma grande
variedade de produtos dentro das suas fronteiras. Não estava tão perto de
bastar-se a si mesma quanto a França ou a Alemanha. Seus recursos agrícolas já
não chegavam para satisfazer-lhe as necessidades e o exaurimento das florestas
da ilha tinha sido notado desde o tempo dos Stuarts. O carvão e o ferro,
geralmente considerados como as suas maiores riquezas, não assumiram grande
importância industrial senão no século XIX. Mas, ao lado dessas condições
adversas, havia outros fatores que faziam a balança
pender decididamente para o lado da Inglaterra.
Talvez
devamos colocar no cabeçalho
da lista de condições favoráveis o fato de
ter sido a Inglaterra o país que mais lucrou com
a Revolução Comercial. Ainda
que a França tivesse, pelas alturas de 1750, um comércio exterior
calculado em 200 milhões de dólares anuais, em confronto com
os 160 milhões de dólares da Inglaterra,
não se deve esquecer que a população francesa era, no mínimo, três vezes maior
do que a inglesa. Acresce que a França havia alcançado o limite máximo da sua
expansão imperial e que uma parte considerável dos lucros do seu comércio
exterior era desviada, através de empréstimos e de impostos, para a manutenção
de um exército oneroso e de uma corte frívola e extravagante. A Inglaterra, por
seu lado, mal iniciava ainda a sua idade áurea de poder e prosperidade. Já
havia adquirido as mais valiosas colónias do Hemisfério
Ocidental e em breve iria consolidar a supremacia imperial e comercial
pela derrota dos franceses na Guerra dos Sete Anos. Além disso, uma proporção
bem maior dos lucros da Inglaterra no comércio ultramarino ficava disponível
para os investimentos produtivos. O seu governo estava
relativamente livre de corrupção e de gastos perdulários. Os seus
efetivos militares custavam menos que os da França e as suas rendas eram
coletadas com muito mais eficiência. Em consequência, os comerciantes e
armadores ingleses dispunham de uma margem mais ampla de lucros excedentes, que
eles estavam ansiosos por inverter em todos os negócios concebíveis que pudessem
tornar-se fonte de proveitos adicionais.
À vista de
tais fatos, não é de surpreender que a
Inglaterra se tivesse alçado à posição cie principal nação capitalista no
começo do século XVIII. Em parte alguma haviam as sociedades por
ações alcançado tamanho desenvolvimento. As
operações sobre valores já eram
negócio legal quando foi fundada, em 1698, a Bolsa de
Fundos Públicos de
Londres. Por volta de 1700,
Londres estava capacitada a competir
com Amsterdã como capital financeira do
mundo. Acrescente-se a isso que a Inglaterra
possuía, talvez, o melhor sistema
bancário da Europa.
No ápice desse sistema achava-se o Banco da
Inglaterra, fundado em 1694. Embora estabelecido com o
fim de levantar fundos para o governo, a sua organização era a de uma empresa
privada. Os seus fundos eram de propriedade particular e a
sua direção não estava submetida a qualquer controle oficial.
Não obstante,
sempre operou em íntima colaboração com o governo e desde os primeiros tempos
constituiu importante fator de estabilização das finanças públicas. Assegurada
destarte a estabilidade financeira do governo, os grandes empreendedores
comerciais e industriais podiam desenvolver os seus negócios sem o temor de uma
bancarrota nacional ou de uma inflação ruinosa. É cabível observar a este
propósito que nada ou quase nada de semelhante se verificou nas
finanças do país de além-Mancha até a fundação do Banco Francês,
durante o período napoleônico. Há indícios de
não ter sido pequena a influência dos
fatores políticos e sociais na origem da Revolução Industrial inglesa.
Embora o governo
britânico estivesse longe de ser democrático, era pelo
menos mais liberal do que a maioria
dos governos continentais. A Revolução Gloriosa de 1688-89 muito fizera para
estabelecer o conceito da soberania limitada.
Tornara-se geralmente aceita a doutrina de que o poder do estado não deve
estender-se além da proteção dos direitos naturais do indivíduo
à liberdade e ao gozo da propriedade. Sob a influência de tal
doutrina o Parlamento aboliu velhas leis que
criavam monopólios especiais e interferiam na
livre concorrência.
Os
princípios mercantilistas continuaram a ser aplicados ao comércio
com as colônias, mas na esfera dos negócios metropolitanos foi pouco a pouco
revogado um grande número de restrições. Ademais, a Inglaterra já começava
então a ser encarada como um asilo para os refugiados de outros países. Mais de
40.000 huguenotes fixaram-se nas suas aldeias e cidades quando foram expulsos
da França, em 1685, pela revogação do Edito de Nantes. Frugal, enérgico e
ambicioso, esse elemento instilou novo vigor na nação inglesa. Thomas Huxley
afirmou, muito mais tarde, que uma gota de sangue huguenote nas veias valia
milhares de libras esterlinas. Que a influência desses
exilados no progresso industrial não foi insignificante, atesta-o o fato
de as manufaturas de cutelaria e de vidro inglesas terem continuado por algum
tempo a usar nomes franceses.
Também
as condições sociais eram nitidamente favoráveis ao desenvolvimento da
indústria. A nobreza britânica deixara de ser uma casta
exclusivamente hereditária e estava se convertendo com rapidez numa
aristocracia da riqueza. Quase todos os que faziam fortuna tinham a
possibilidade de elevar-se às mais altas camadas sociais. William Pitt, o moço,
afirmava que qualquer homem com uma renda de dez mil libras anuais devia ter
direito a ser par do reino, por mais humilde que fosse a sua origem. Tais
condições valiam por um prêmio ao sucesso nos negócios.
Algumas
outras causas devem ser acrescentadas para completar
o quadro. Em primeiro lugar, mencionemos o fato de ser o clima úmido das ilhas britânicas especialmente propício à
fabricação de tecidos de algodão, não permitindo que o fio se torne
quebradiço e se rompa facilmente quando retesado pelo tear mecânico. E basta
lembrar que foi a mecanização da indústria têxtil que inaugurou a era da
máquina.
Em segundo
lugar, o sistema corporativo de produção com as suas
complicadas restrições nunca se enraizou tão fortemente em solo inglês
como nos países continentais. As próprias regulamentações já estabelecidas
tinham sido eliminadas, especialmente nos condados setentrionais, pelos fins do
século XVII. Foi esta, diga-se de passagem, uma das razões pelas quais a
Revolução Industrial principiou na Inglaterra setentrional de preferência à
região mais próxima do Continente.
Por último, como
a riqueza naquela época estivesse mais uniformemente
distribuída na Inglaterra do que na maioria das outras nações, os
fabricantes ingleses puderam dedicar-se à produção em larga escala de artigos
baratos e comuns, ao invés de produzirem pequenas quantidades de mercadorias de
luxo. Este fator influiu consideravelmente na adoção dos métodos fabris a fim
de obter um rendimento maior. Na França, ao contrário, havia procura de artigos
de luxo para satisfazer os gostos de uma pequena camada de perdulários
elegantes. Uma vez que a qualidade da mão-de-obra constituía
requisito fundamental desse tipo de produção, era pequeno o incentivo à
invenção de máquinas.
EDWARD McNALL BURNS
PROFESSOR DE HISTÓRIA DA RUTGERS UNIVERSITY
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
PROFESSOR DE HISTÓRIA DA RUTGERS UNIVERSITY
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
Volume II
Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO
Capítulo 23: A
Revolução Industrial dos séculos XIX e XX
continua na postagem seguinte...
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