quarta-feira, 5 de junho de 2013

POR QUE A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL COMEÇOU NA INGLATERRA

2. POR   QUE  A   REVOLUÇÃO   INDUSTRIAL  COMEÇOU   NA   INGLATERRA

À   primeira   vista  pode  parecer   estranho   que   o   pequeno   reino insular  não  só  se tenha tornado o líder industrial do mundo,  mas que haja conservado essa posição por mais de um século.    Pretende um filósofo moderno  que a Inglaterra,  ainda  em  pleno  século  XVIII,  era  "o país mais pobre da Europa Ocidental".    É  certo que ela não possuía uma grande variedade de produtos dentro das suas fronteiras. Não estava tão perto de bastar-se a si mesma quanto a França ou a Alemanha. Seus recursos agrícolas já não chegavam para satisfazer-lhe as necessidades e o exaurimento das florestas da ilha tinha sido notado desde o tempo dos Stuarts. O carvão e o ferro, geralmente considerados como as suas maiores riquezas, não assumiram grande importância industrial senão no século XIX. Mas, ao lado dessas condições adversas, havia outros fatores que faziam a balança pender decididamente para o lado da Inglaterra.
Talvez   devamos   colocar   no   cabeçalho   da   lista   de   condições favoráveis o fato de ter sido a Inglaterra o país que mais lucrou com a  Revolução   Comercial.    Ainda  que  a  França tivesse, pelas alturas de 1750, um comércio exterior calculado em 200 milhões de dólares anuais, em confronto  com  os   160 milhões  de  dólares  da  Inglaterra, não se deve esquecer que a população francesa era, no mínimo, três vezes maior do que a inglesa. Acresce que a França havia alcançado o limite máximo da sua expansão imperial e que uma parte considerável dos lucros do seu comércio exterior era desviada, através de empréstimos e de impostos, para a manutenção de um exército oneroso e de uma corte frívola e extravagante. A Inglaterra, por seu lado, mal iniciava ainda a sua idade áurea de poder e prosperidade. Já havia adquirido as mais valiosas colónias do Hemisfério Ocidental e em breve iria consolidar a supremacia imperial e comercial pela derrota dos franceses na Guerra dos Sete Anos. Além disso, uma proporção bem maior dos lucros da Inglaterra no comércio ultramarino ficava disponível para os investimentos produtivos. O seu governo estava relativamente livre de corrupção e de gastos perdulários. Os seus efetivos militares custavam menos que os da França e as suas rendas eram coletadas com muito mais eficiência. Em consequência, os comerciantes e armadores ingleses dispunham de uma margem mais ampla de lucros excedentes, que eles estavam ansiosos por inverter em todos os negócios concebíveis que pudessem tornar-se fonte de proveitos adicionais.
À vista  de tais  fatos, não  é  de  surpreender que  a  Inglaterra se tivesse alçado à posição cie principal nação capitalista no começo do século XVIII. Em parte alguma haviam as sociedades  por  ações  alcançado  tamanho  desenvolvimento.    As operações   sobre  valores   já  eram   negócio legal quando foi fundada, em  1698, a Bolsa de   Fundos   Públicos   de   Londres.    Por   volta   de 1700,  Londres  estava  capacitada  a  competir  com   Amsterdã  como capital financeira do mundo.    Acrescente-se a isso que a Inglaterra possuía,  talvez,  o  melhor  sistema  bancário   da  Europa.     No   ápice desse sistema achava-se o  Banco  da Inglaterra,  fundado  em   1694. Embora estabelecido com o fim de levantar fundos para o governo, a sua organização era a de uma empresa privada.    Os seus fundos eram de propriedade particular e a sua direção não estava submetida a qualquer controle oficial.   
Não obstante, sempre operou em íntima colaboração com o governo e desde os primeiros tempos constituiu importante fator de estabilização das finanças públicas. Assegurada destarte a estabilidade  financeira do governo, os grandes empreendedores comerciais e industriais podiam desenvolver os seus negócios sem o temor de uma bancarrota nacional ou de uma inflação ruinosa. É cabível observar a este propósito que nada ou quase nada de semelhante se verificou nas  finanças  do país  de além-Mancha até a fundação do Banco Francês, durante o período napoleônico. Há indícios  de não  ter  sido  pequena  a influência  dos   fatores políticos e sociais na origem da Revolução Industrial inglesa.   
Embora o governo britânico estivesse longe de ser democrático,  era  pelo  menos  mais  liberal  do  que  a maioria  dos  governos  continentais.    A  Revolução Gloriosa de 1688-89 muito fizera para estabelecer o conceito  da  soberania limitada.    Tornara-se  geralmente aceita a doutrina de que o poder do estado não deve estender-se além da proteção  dos direitos naturais  do indivíduo  à liberdade e ao gozo da propriedade.    Sob a influência de tal doutrina o Parlamento  aboliu  velhas  leis  que  criavam monopólios  especiais  e interferiam  na  livre  concorrência.   
Os  princípios  mercantilistas  continuaram a ser aplicados ao comércio com as colônias, mas na esfera dos negócios metropolitanos foi pouco a pouco revogado um grande número de restrições. Ademais, a Inglaterra já começava então a ser encarada como um asilo para os refugiados de outros países. Mais de 40.000 huguenotes fixaram-se nas suas aldeias e cidades quando foram expulsos da França, em 1685, pela revogação do Edito de Nantes. Frugal, enérgico e ambicioso, esse elemento instilou novo vigor na nação inglesa. Thomas Huxley afirmou, muito mais tarde, que uma gota de sangue huguenote nas veias valia milhares de libras esterlinas. Que a influência desses exilados no progresso industrial não foi insignificante, atesta-o o fato de as manufaturas de cutelaria e de vidro inglesas terem continuado por algum tempo a usar nomes franceses.
Também as condições sociais eram nitidamente favoráveis ao desenvolvimento da indústria. A nobreza britânica deixara de ser uma casta exclusivamente hereditária e estava se convertendo com rapidez numa aristocracia da riqueza. Quase todos os que faziam fortuna tinham a possibilidade de elevar-se às mais altas camadas sociais. William Pitt, o moço, afirmava que qualquer homem com uma renda de dez mil libras anuais devia ter direito a ser par do reino, por mais humilde que fosse a sua origem. Tais condições valiam por um prêmio ao sucesso nos negócios.
Algumas outras causas  devem ser acrescentadas para completar o quadro.  Em primeiro lugar, mencionemos o fato de ser o clima úmido das ilhas britânicas especialmente propício à fabricação de tecidos de algodão, não permitindo que o fio se torne quebradiço e se rompa facilmente quando retesado pelo tear mecânico. E basta lembrar que foi a mecanização da indústria têxtil que inaugurou a era da máquina.
Em segundo lugar, o sistema corporativo de produção com as suas complicadas restrições nunca se enraizou tão fortemente em solo inglês como nos países continentais. As próprias regulamentações já estabelecidas tinham sido eliminadas, especialmente nos condados setentrionais, pelos fins do século XVII. Foi esta, diga-se de passagem, uma das razões pelas quais a Revolução Industrial principiou na Inglaterra setentrional de preferência à região mais próxima do Continente.
Por último, como a riqueza naquela época estivesse mais uniformemente distribuída na Inglaterra do que na maioria das outras nações, os fabricantes ingleses puderam dedicar-se à produção em larga escala de artigos baratos e comuns, ao invés de produzirem pequenas quantidades de mercadorias de luxo. Este fator influiu consideravelmente na adoção dos métodos fabris a fim de obter um rendimento maior. Na França, ao contrário, havia procura de artigos de luxo para satisfazer os gostos de uma pequena camada de perdulários elegantes.    Uma vez que a qualidade da mão-de-obra constituía requisito fundamental desse tipo de produção, era pequeno o incentivo à invenção de máquinas. 

EDWARD   McNALL   BURNS 
PROFESSOR DE  HISTÓRIA  DA  RUTGERS  UNIVERSITY 

HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL 
Volume II 

Tradução de LOURIVAL GOMES MACHADO, LOURDES SANTOS MACHADO e LEONEL VALLANDRO


Capítulo 23: A Revolução Industrial dos séculos XIX e XX

continua na postagem seguinte... 

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