O ministro Celso de Mello, decano do STF,
confirmou a colegas que o procuraram sua intenção de votar a favor da
admissibilidade dos chamados embargos infringentes. Com isso, 12 dos 25
condenados do mensalão poderão pleitear a reanálise de provas e a revisão de
penas. Antevendo o desgaste que sobrevirá desse terceiro tempo do julgamento
mais longo da história do Supremo, alguns ministros defendem internamente a
fixação de um rito célere para a apreciação dos novos recursos.
Segundo diagnóstico de um de seus pares,
Celso de Mello “vive um drama”. Por cinco votos contra cinco está empatada a
votação que poderá transformar algumas sentenças duras do mensalão em fatias de
pizza. Dono do voto de desempate, o decano está preso a
uma camisa de força que vestiu em 2 de agosto de 2012, primeiro dia do
julgamento, ao fazer defesa enfática do direito dos réus de lançar mão do
embargo infringente, recurso que metade do Supremo considera extinto.
Deve-se a dramaticidade da cena ao fato de que a
consciência jurídica de Celso de Mello o fará acender o forno depois de ter
cruzado o julgamento como uma espécie de avesso de Ricardo Lewandowski.
Pronunciou os mais draconianos votos. Em 99% dos casos, seguiu o relator
Joaquim Barbosa. Mas suas sentenças vinham sempre adornadas com adjetivos
pungentes. Ao condenar por formação de quadrilha o núcleo liderado por José
Dirceu, por exemplo, disse coisas assim:
1. “O que vejo neste processo, [...] são homens que
desconhecem a República, que ultrajaram as suas instituições, e que, atraídos por
uma perversa vocação para o controle criminoso do poder, vilipendiaram os
signos do Estado Democrático de Direito e desonraram com os seus gestos
ilícitos e ações marginais a ideia mesma que anima o espírito republicano no
texto da nossa constituição.”
2. “Mais do que práticas criminosas profundamente
reprováveis identifico no comportamento desses réus, notadamente dos que
exerceram ou ainda exercem parcela de autoridade do Estado, grave atentado às
instituições do Estado de Direito, da ordem democrática que lhe dá suporte
legitimador, e aos princípios estruturantes da República.
3. “Esse processo revela um dos episódios mais
vergonhosos da história política do nosso país, cujos elementos probatórios que
foram produzidos pelo Ministério Público expõem aos olhos de uma nação
estarrecida, perplexa e envergonhada um grupo de delinquentes que degradou a
atividade política, transformando-a em plataforma de ações criminosas.”
Em tese, Celso de Mello poderia rever seu
posicionamento sobre os embargos infringentes. Há justificativas respeitáveis
na outra trincheira. Mas ele prefere a coerência à reviravolta. Ante a
perspectiva de manutenção do ponto de vista do decano, os ministros que lhe são
mais próximos esperam que ele aproveite a visibilidade que terá na próxima
quarta-feira (18) para fixar no seu voto as balizas do terceiro tempo do
julgamento, puxando o coro pró-celeridade.
Numa imagem caricatural, o STF está dividido entre
veteranos e “novatos”. Os primeiros, tendo participado do julgamento desde o
início, revelam em privado um enorme desconforto com a perspectiva de ter de
reabrir pedaços dos autos. Primeiro porque acham juridicamente desnecessário.
Segundo porque consideram politicamente arriscado. Receiam que o Supremo saia
do processo desmoralizado. Integram esse grupo ministros como Joaquim Barbosa,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e o próprio Celso de Mello. Como aderente,
Luiz Fux.
Na outra ponta, enxerga-se a construção de uma
aliança do time da massa italiana –Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli— com os
“novatos” revisionistas –Teori Zavaski e Luís Alberto Barroso. No miolo, a ala
feminina: Cármen Lucia e Rosa Weber. Aceitos os infringentes, é grande a
possibilidade de redução de penas de condenados graúdos como José Dirceu,
Delúbio Soares e João Paulo Cunha. Dependendo do tamanho da poda, chega-se à
prescrição.
Indicada por Dilma Rousseff, a dupla Teori-Barroso
substituiu, suprema reviravolta, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto, dois
magistrados que, por rigorosos, se aposentaram sob contagem regressiva dos
condenados. Quem olha o início do julgamento pelo retrovisor vê a demora de
Ricardo Lewandowski em entregar o seu voto-revisor como uma espécie de gatilho
dos atrasos que fizeram o processo do mensalão sobreviver às aposentadorias de
Peluzo e Britto.
Crivada de insinuações e ironias, a sessão da última quinta-feira, dia
em que se materializou no plenário do STF o empate de cinco contra cinco,
ofereceu à plateia uma ideia do que está por vir. Ministros como Marco Aurélio
e Gilmar Mendes deixaram antever nas linhas e entrelinhas dos seus votos um quê
de enfado com os colegas recém-chegados e uma certa disposição para guerrear pelo
já julgado.
Espécie de mestre-sala da ala dos “novatos”, Luís
Barroso também deixou evidenciada sua disposição de revolver as folhas do
processo ao dizer que não julga para as multidões. Em sessões anteriores, ele
já havia declarado que, se estivesse no tribunal na época do julgamento, teria
tomado distância de certos exageros e exacerbações. Chegou mesmo a declarar que
não considera que o mensalão seja o maior escândalo da história, como
trombeteou o ex-procurador-geral Roberto Gurgel.
Na quinta, sem mencionar-lhe o nome, Gilmar Mendes
respondeu a Barroso: “Aqui, exatamente com base na decisão tomada quanto ao
crime de [formação de] quadrilha se diz: ‘é necessário que haja a revisão’. Já
se disse que esse crime não é o maior escândalo já perpetrado. Segundo os dados
da Procuradoria, o valor das fraudes é de R$ 170 milhões. Não se falou,
evidentemente, que há outras investigações em curso, que as investigações não
prosseguiram nos fundos de pensão…”
Gilmar recordou que a Procuradoria-Geral da
República teve de fechar a denúncia antes da conclusão das apurações. E
ironizou: “Nesse contexto, é bom que se diga, o crime do deputado Natan
Donadon, que envolve uma fraude em licitação de R$ 8 milhões deveria ser
tratado em juizado de pequenas causas.” Preso na penitenciária brasiliense da
Papuda, o deputado Natan carrega uma sentença de 13 anos. Na parte referente à
formação de quadrilha, amargou 2 anos e 3 meses de cana. Nessa mesma imputação,
José Dirceu colecionou 2 anos e 9 meses. “Não há exacerbação”, declarou Gilmar,
prenunciando dias eletrificados no Supremo.
Blog do Josias
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